A 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul condenou a ex-secretária municipal de Educação, Ângela Maria de Brito, e mais cinco servidores a 34 anos e dois meses de prisão no regime semiaberto pela compra de R$ 5,6 milhões – o valor corrigido pela inflação é de R$ 10,3 milhões – em livros sem licitação. A maior dos livros não foi entregue, conforme denúncia do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado).
A decisão é uma reviravolta no caso porque o juiz Eduardo Eugênio Siravegna Júnior, da 2ª Vara Criminal de Campo Grande, julgou a ação penal improcedente e absolveu os réus. A condenação, conforme acórdão publicado no dia 20 deste mês, ocorreu após recurso do Gaeco e do promotor Humberto Lapa Ferri.
Veja mais:
Papy ignorou Ultima Ratio e dobrou repasse para escritório de filha de desembargador
Após perder fazenda para advogado em ação de R$ 350 mil, pecuarista denuncia Bastos ao CNJ
Papy contrata sem licitação por R$ 300 mil escritório de filha de desembargador alvo da PF
Conforme o relator, desembargador Jairo Roberto de Quadros, há provas e testemunhos de que os réus agiram de forma dolosa. “Assim, está evidente que os acusados agiram de maneira dolosa e com a intenção de causar prejuízo ao erário público, ao não seguirem os procedimentos legais, previstos à época na Lei Federal n.º 8.666/1993, mediante inexigibilidade de licitação, dando causa à contratação direta fora das hipóteses legais”, concluiu o relator.
A compra dos livros ocorreu na gestão de Gilmar Antunes Olarte (sem partido), ex-prefeito já condenado a oito anos e quatro meses por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ele ainda foi condenado a mais quatro anos por ocultar R$ 1,3 milhão na compra e construção de uma mansão no residencial de luxo Damha.
A punição de cada um
A 3ª Cãmara Criminal do TJMS foi unânime em acatar o recurso do Gaeco e do promotor. Além do relator, votaram os desembargadores Zaloar Murat Martins de Souza e Fernando Paes de Campos.
A ex-secretária de Educação, Ângela Maria de Brito foi condenada a seis anos e três meses; o ex-secretário-adjunto de Educação, Osvaldo Ramos Miranda, a cinco anos e 10 meses; Denny Miranda Moreira a cinco anos e 10 meses; Ângela Adolfo Colman a cinco anos e cinco meses; Ruth Barros dos Santos a cinco anos e cinco meses; e Claudineia Andrade de Melo a cinco anos e cinco meses. O regime de todos será o semiaberto.
Os réus poderão apelar contra a condenação ao próprio TJMS e ao Superior Tribunal de Justiça. O empresário Micherd Jafar Júnior, dono da Gráfica Alvorada, teve a pena extinta porque morreu no dia 13 de abril de 2021.
O escândalo
Filiada ao PSDB, Ângela Maria trabalhava na Gráfica Alvorada quando foi nomeada para comandar a Secretaria Municipal de Educação por Olarte no dia 18 de março de 2014. No dia 5 de maio daquele ano, a gráfica enviou os orçamentos dos livros paradidáticos. Entre os dias 18 de junho e 2 de julho, a Semed encomendou os livros. Nos dias 13 e 14 de julho, a empresa emitiu R$ 5,2 milhões em notas fiscais, tudo sem licitação.
“A aquisição de milhares de livros sem a devida indicação de dados mínimos e imprescindíveis, mostra que, na realidade, o ato não foi motivado, mas sim direcionado para atender os anseios do fornecedor, no caso, a Gráfica Alvorada”, pontuou o desembargador.
“A propósito, o Município de Campo Grande contava à época – 2014 – com 96 escolas municipais, e daí já se extrai que o número de exemplares adquiridos exorbitou, em muito, o número necessário para abastecer as bibliotecas rede pública de ensino”, destacou.
A secretaria comprou 15 mil exemplares do livro “Planeta dos Carecas” para distribuir nas bibliotecas de 96 escolas (156 exemplares para cada biblioteca). De acordo com o Gaeco, só foram entregues 2.425 exemplares. Dos 15 mil exemplares da obra “Catiti – um quati aventureiro”, a gráfica entregou apenas 2.311 unidades.
Para Jairo Roberto de Quadros, a então chefe da Semed só atendeu os anseios do empresário. “E foi exatamente o que ocorreu no presente caso, onde Angela Maria de Brito (Secretária de Educação), atendendo os anseios de Mirched Jafar Júnior, então proprietário da Gráfica Alvorada – Particular, e, mediante conluio com os demais servidores daquela Secretaria de Educação, Denny Miranda, Osvaldo Ramos, Claudineia Andrade, Ruth Barros e Angela Adolfo, ajustaram condutas para a prática do ilícito em apreço”, frisou.
O desembargador lembrou que as compras ocorreram há mais de 10 anos e o valor atualizado é muito maior. “A exemplo disso, no ano de 2014 o salário mínimo era de R$ 724,00, enquanto hoje alcança R$ 1.518,00, ou seja, tal quantia supera o dobro do montante do salário de 2014. Assim, levando-se em conta a evolução monetária, pode se dizer que, hoje, a compra dos materiais ultrapassaria R$ 10.000.000,00”, frisou.
“Pois bem. A materialidade do crime previsto no artigo 89 da Lei 8.666/93, atualmente tipificado no art. 337-E do Código Penal, restou consubstanciada pelo Procedimento Investigatório Criminal n.º 29/2016/GAECO (fls. 55/1494) e depoimentos juntados aos autos. A autoria delitiva também restou comprovada, diante das provas carreadas no caderno processual”, concluiu Quadros.
Ex-secretária negou concluiu
Em depoimento à Justiça, Ângela de Brito negou ter cometido qualquer irregularidade ou de ter comprado da Gráfica Alvorada porque foi funcionária da empresa.
“Com relação a aquisição dos oito processos de aquisição dos livros paradidáticos, sei de um da Gráfica Alvorada, a questão da compra quando entrei estava precisando, a rede não tinha livros paradidáticos que tratava das questões de diversidade, na época fizemos um levantamento se tínhamos títulos de discriminação de forma geral, bullying, questão racial, questão indígena, abandono, e pedimos pra que fizessem a análise dos livros que tínhamos ou de editora que tivesse passado por lá e deixado alguma questão, coincidentemente nós tínhamos um livro que me lembrava bem da editora Alvorada, mas em momento nenhum eu disse para comprar da Alvorada, isso nunca passou pela minha cabeça e não saiu da minha boca”, garantiu.