O Ministério Público Estadual luta para manter o bloqueio de R$ 94,2 milhões do senador Nelsinho Trad (PSD) enquanto tenta reverter a absolvição do ex-prefeito no Superior Tribunal de Justiça. Condenado em primeira instância, o ex-prefeito da Capital foi “inocentado” pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul na ação por improbidade administrativa no escândalo do lixo.
Trad, junto com a ex-esposa, Maria Antonieta Amorim (MDB), o ex-cunhado, João Amorim, e os sócios da Solurb, Antônio Fernando de Araújo Garcia e os irmãos Lucas e Luciano Potrich Dolzan foram condenados por improbidade administrativa pelo contrato firmado entre a prefeitura e a Solurb em 2012.
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Em sentença de 11 de março de 2021, o juiz David de Oliveria Gomes Filho, da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, condenou o senador, o poderosíssimo empresário João Amorim, os sócios oficiais da Solurb e a concessionária do lixo a pagar R$ 13,292 milhões por danos materiais (pelo pagamento em duplicidade do tratamento de chorume no lixão) e R$ 80 milhões de danos materiais.
Além disso, o magistrado determinou a anulação da licitação do lixo realizada em 2012 e do contrato de concessão, que renderia R$ 1,8 bilhão à empresa em 25 anos. Para garantir a indenização, o juiz elevou o bloqueio de R$ 13,2 milhões para R$ 94,2 milhões.
Só que no ano seguinte, no dia 8 de fevereiro de 2024, a 4ª Câmara Cível do TJMS, comandada pelo relator, desembargador Vilson Bertelli, com os votos dos desembargadores Geraldo de Almeida Santiago e Alexandre Raslan, anularam a sentença e livraram o senador e os empresários de qualquer punição. Nem o fato de Nelsinho ter ganho a Fazenda Papagaio, área de 8.730 hectares em Porto Murtinho e avaliada em R$ 29,2 milhões na época, “sensibilizou” os magistrados.
Agora, a luta de Nelsinho é suspender o bloqueio dos bens.
Recurso tenta condenação no STJ
O promotor Adriano Lobo Viana de Resende recorreu contra o acórdão no dia 24 de outubro do ano passado. Ele aguarda manifestação do vice-presidente do TJMS, desembargador Fernando Mauro Moreira Marinho, para o caso chegar ao STJ.
Resende aponta que não se trata de coisa julgada, como alegou Bertelli, já que a ação civil por improbidade abordou 10 pontos que não foram citados na ação popular protocolada pelo empresário Thiago Verrone de Souza em 2012.
O MPE juntou provas, interceptações telefônicas e indícios levantados pela Polícia Federal de que houve direcionamento, fraude na licitação e pagamento de propina para Nelsinho para dar a vitória ao consórcio Solurb, formado pela Financial Construtora e LD Construções.
As empresas não possuíam o capital declarado na época. Interceptações telefônicas mostram Amorim agindo como dono da Solurb, como em uma ocasião em que vetou uma matéria na TV Morena para denunciar irregularidades na construção do aterro sanitário.
“Em um segundo momento, também é importante mencionar que na abordagem dos aludidos itens, o acórdão não se encontra fundamentado de modo satisfatório. Em cada um desses itens, o acordão utiliza como fundamentação a menção de trechos da sentença e do acordão da ação popular, sem, no entanto, apresentar fundamentação própria, isto é, sem expor, ainda que sucintamente, as razões de suas conclusões”, aponta Adriano Lobo Viana de Resende.
“Logo em sua inicial, o autor Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, ora recorrido, sinalizou que alguns temas foram objeto de análise na ação popular 0038391-94.2012.8.12.000, mas que o fato principal levantado na inicial é diverso, por se tratar de recebimento de valores ilícitos para o direcionamento e superfaturamento do processo licitatório e contrato em questão”, avisou.
“De fato, a ação popular não questionou o pagamento de valores ilícitos afeto à obtenção do contrato pelos agentes corruptores, não questionou o item2.1.14.2.11.2 – Anexo II do Edital 066/2012, o qual previu que os custos que envolvem o tratamento dos efluentes líquidos dos Aterros Dom Antônio Barbosa I e II serão pagos pelo Município. Isto é, o Poder Público paga os custos operacionais da contratada, além, repita-se, de já pagar um dos maiores valores per capita do Brasil para o serviço”, destacou.
“Não é demais ressaltar que a ação civil pública traz questões e fatos ainda não expostos ao conhecimento e à apreciação do Poder Judiciário, como, por exemplo o sobrepreço do contrato administrativa nº 332/2012; a ilegalidade da cláusula que transfere o custo operacional da empresa decorrente do tratamento do chorume ao Município; o pagamento de valores ilícitos pela empresa contratada a agente público e muitos outros pontos de relevo”, insiste.
“Além disso, também restou averiguado que a Contratação Administrativa decorreu do pagamento de quantia indevida a agentes públicos municipais -aquisição de imóvel rural por R$ 29.245.500.00 – situação exaustivamente demonstrada no IPL 398/2012 da Polícia Federal, e, após autorização da Justiça Federal e declínio de atribuição do Ministério Público Federal, por não haver recursos federais vinculados ao contrato de concessão administrativa n. 332/2012”, repisou, em um dos pontos ignorados pelos desembargadores.
Manutenção do bloqueio
Em janeiro deste ano, a defesa de Nelsinho recorreu ao TJMS para suspender o bloqueio em decorrência da absolvição. O desembargador Vilson Bertelli determinou que o pedido cabe ao juízo de primeiro grau. O promotor manifestou pela manutenção do bloqueio até a ação transitar em julgada ou aguardar a análise do STJ.
“Considerado a complexidade da presente ação, que apurou a existência de vícios na licitação nº 66/2012 e no contrato administrativa nº 332/2012 em razão do (I) direcionamento licitatório; (II) sobre-preço/desvio de recursos públicos; e (III) pagamento de propina a agentes públicos, especialmente ao requerido Nelson Trad Filho, é adequada a manutenção da constrição de bens para eventual ressarcimento de danos até o trânsito em julgado da decisão”, argumentou Adriano Lobo.
“Para mais, não há sentido em tornar indisponível um bem senão para garantir, preservar ou assegurar direito plausível ou verossimilhante, sujeito a risco de dano ou perecimento se não concedida a medida. A indisponibilidade de bens é medida assecuratória que visa evitar a dilapidação do patrimônio do réu e, ao final, garantir o ressarcimento do dano que será apurado na ação civil pública”, frisou.
“Desse modo, considerando que a presente ação encontra-se em grau de recurso, o Ministério Público pugna pelo indeferimento do levantamento da indisponibilidade que recai sobre os bens do requerido, a fim de evitar a frustração do pretendido ressarcimento ao erário, notadamente considerando a origem espúria dos bens”, pediu. A decisão caberá ao juiz Marcelo Ivo de Oliveira, atual titular da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos.
Compra de sentença
A Solurb é citada em várias operações da PF contra conselheiros do Tribunal de Contas do Estado e desembargadores do TJMS como uma das responsáveis por compra de sentenças na corte. Os dois órgãos livraram a empresa de perder o contrato bilionário com a prefeitura.
A venda de sentença é investigada nas operações Mineração de Ouro, Terceirização de Ouro e Ultima Ratio. Conforme o Ministério Público Federal, essa é uma das linhas de investigação ainda em andamento no STJ.