A OMS (Organização Mundial de Saúde) quer alertar para o risco de câncer em rótulos de garrafas de bebidas alcoólicas, da mesma forma que já ocorre com as embalagens de cigarro. A agência da ONU disse que os governos devem insistir que os rótulos de advertência “proeminentes” se tornem padrão para alertar os consumidores sobre a ligação entre álcool e câncer e combater os danos causados pelo consumo excessivo de álcool.
Instituições de caridade voltadas para o combate ao câncer comemoraram a iniciativa e disseram que tais rótulos superariam a falta generalizada de conscientização de que o álcool é uma causa comprovada de sete formas de câncer. Entre eles está o centro de pesquisa do câncer do Reino Unido, que emitiu comunicado específico sobre o tema. “Sabemos que o álcool causa sete tipos de câncer, incluindo dois dos mais comuns – mama e intestino. Incluir rótulos de advertência ajudaria a aumentar a conscientização e encorajaria as pessoas a pensar sobre o quanto bebem”.
Já o Fundo Mundial de Pesquisa do Câncer, que monitora evidências sobre estilos de vida e outros fatores que aumentam o risco da doença, pediu que governos em todo o mundo ajam. “Apesar do fato de que nossas próprias evidências mostram que o álcool é um fator de risco para pelo menos sete tipos de câncer, ele está atualmente isento de quaisquer rótulos de advertência obrigatórios na maioria dos países. Isso é muito preocupante, dado o quão poucas pessoas estão cientes das ligações entre álcool e câncer.
“Rótulos de advertência de saúde claros e altamente visíveis aumentam a conscientização dos consumidores sobre os riscos associados ao consumo de bebidas alcoólicas e devem ser padrão na Europa e em todo o mundo”, alertou Kate Oldridge-Turner, chefe de política e relações-públicas da organização.
Leia também:
Patrulha Maria da Penha falhou em não escoltar jornalista para voltar para casa, diz ministério
Antes de ser morta, jornalista expôs tratamento cruel e falho da DEAM às vítimas de violência
Farmácia Popular: saiba como retirar remédios e fraldas geriátricas
Na Europa Ocidental, a Irlanda se tornará o primeiro país a obrigar os produtores de álcool a colocar advertências de saúde nos rótulos, incluindo uma referência ao câncer, a partir de maio do ano que vem. Rótulos alertando sobre álcool e gravidez já estão em vigor na França e na Lituânia, enquanto na Alemanha os rótulos estipulam a idade mínima que os bebedores devem ter para poderem beber legalmente.
Em comunicado distribuído nesta semana para a imprensa, Hans Kluge, diretor regional da OMS para a Europa, afirmou: “Rótulos de advertência de saúde claros e visíveis sobre o álcool, que incluem um aviso específico sobre câncer, são um pilar fundamental do direito à saúde porque capacitam os indivíduos com informações vitais para fazer escolhas informadas sobre os danos que os produtos alcoólicos podem causar.
Na avaliação do diretor, “fornecer essas informações não tira nada dos consumidores. Pelo contrário, os arma com conhecimento e conhecimento é poder”.
Já Gauden Galea, consultor estratégico da OMS sobre doenças não transmissíveis, defende que tais avisos devem ser altamente visíveis em latas e garrafas e não apenas exibidos em sites. Os governos devem “resistir a todas as pressões que inevitavelmente virão de atores comerciais, buscando bloquear a implementação de tais rótulos”.
Na lógica comercial, de lucrar a despeito do risco para a saúde dos consumidores, os produtores já se mostram contrários à recomendação. O Portman Group, que representa produtores de álcool no Reino Unido, disse que os rótulos de advertência seriam uma resposta muito dura ao consumo problemático de álcool e perturbariam as pessoas.
Em comunicado oficial, a entidade cita o que seria “ansiedade desnecessária”. “Embora não contestemos a ligação entre álcool e câncer, e que beber em níveis prejudiciais seja perigoso e aumente os riscos, rótulos de advertência geral sobre câncer não são uma medida política proporcional e não colocam os riscos em um contexto apropriado. Isso pode criar ansiedade desnecessária, corroendo a confiança em conselhos de saúde e alienando as próprias pessoas que precisam de apoio.”
Nem todos, contudo, são contrários. Katherine Severi, diretora-executiva do Institute of Alcohol Studies, apoiou o apelo da OMS. “No Reino Unido, entramos em uma situação ridícula em que uma garrafa de suco de laranja ou leite exige mais informações em seu rótulo do que uma garrafa de vinho ou vodca. Nossas regulamentações inadequadas favoreceram por muito tempo as empresas de álcool em detrimento da saúde do público.”
Para Severi, Wes Streeting, o secretário de saúde, deveria introduzir “requisitos de rotulagem obrigatória, porque as pessoas têm o direito de saber o que estão colocando em seus corpos.”
Os rótulos de advertência sobre saúde relacionados ao álcool são atualmente implementados em apenas 3 dos 27 países da UE e apenas 13 dos 53 Estados-Membros da Região Europeia da OMS, deixando os consumidores desavisados dos riscos que enfrentam.
Principais conclusões e recomendações políticas sobre o consumo de bebidas alcoólicas
- Rotulagem obrigatória. O impacto dos avisos de saúde depende do design, conteúdo e posicionamento nos rótulos. Os países devem exigir rótulos de advertência de saúde em produtos alcoólicos em vez de depender da autorregulamentação dos produtores de álcool, pois estes podem optar por posicionamento discreto e mensagens ambíguas.
- Rótulos de advertências de saúde proeminentes. Produtos alcoólicos devem exibir advertências de saúde claras e proeminentes. Elas podem ser apresentadas em formato somente de texto ou combinadas com pictogramas para maximizar o alcance e capacitar os consumidores com informações claras e precisas para fazer escolhas informadas sobre sua saúde.
- Avisos sobre câncer. Uma pesquisa envolvendo quase 20.000 participantes de 14 países da Região Europeia descobriu que avisos sobre câncer em rótulos de bebidas alcoólicas aumentam significativamente a conscientização sobre os riscos de câncer do álcool. Rótulos com avisos sobre câncer têm mais probabilidade de gerar conversas sobre os riscos do álcool e desencorajar o consumo em comparação a outros tipos de mensagens de saúde.
- Além dos códigos QR. A indústria de bebidas alcoólicas geralmente apoia a introdução de códigos QR em produtos, permitindo que os consumidores busquem mais informações sobre saúde, caso desejem. No entanto, um estudo piloto mostrou que apenas 0,26% dos compradores escanearam códigos QR para obter informações sobre saúde, ressaltando a importância de rótulos visíveis na embalagem.
Além da conscientização: moldando normas, políticas e cultura
“Os rótulos de advertência de saúde do álcool são uma parte importante da política do álcool, servindo a múltiplas funções”, explica o Dr. Gauden Galea, Conselheiro Estratégico do Diretor Regional, Iniciativa Especial sobre Doenças Não Transmissíveis e Inovação na OMS/Europa. “Eles capacitam os consumidores a tomar decisões informadas, aumentam a conscientização sobre os riscos à saúde atribuíveis ao álcool, podem aumentar o apoio público às políticas de álcool e reduzir o apelo geral dos produtos alcoólicos, influenciando, em última análise, as normas sociais em torno do consumo de álcool. Para as gerações mais jovens, especialmente, os rótulos de advertência de saúde obrigatórios sobre o álcool podem ajudar a moldar comportamentos e atitudes mais saudáveis em relação ao álcool”.
Os dados incluídos no relatório mostram ainda amplo apoio à inclusão de fortes advertências sobre os danos relacionados ao álcool nos rótulos dos produtos na UE, com mais de três quartos dos entrevistados apoiando a iniciativa.
Advertências sanitárias: uma ação estratégica bem conhecida e endossada
O Plano Europeu de Combate ao Câncer estabelece a meta de atingir uma redução relativa de pelo menos 10% no consumo de álcool até 2025, e uma das principais atividades do Plano é o desenvolvimento de propostas para fornecer informações nutricionais e de saúde sobre bebidas alcoólicas.
Da mesma forma, tanto o Plano de Ação Global sobre o Álcool 2022–2030 quanto o Quadro Europeu de Ação sobre o Álcool 2022–2025, endossados e adotados respectivamente por todos os Estados-Membros da OMS, propõem ações prioritárias para abordar os danos relacionados ao álcool, que incluem o desenvolvimento e a implementação de requisitos de rotulagem para bebidas alcoólicas.
Com base em evidências existentes, a Irlanda promulgou uma nova lei que exige rótulos de advertência sobre câncer em produtos que contêm álcool a partir de 2026, tornando a Irlanda o primeiro país na UE e o segundo país no mundo (depois da Coreia do Sul) a introduzir advertências sobre câncer em produtos alcoólicos.