Uma fazenda de 15 mil hectares avaliada em R$ 85 milhões, testamento feito no Paraguai há 70 anos e reviravolta no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul estão no centro da nova denúncia contra desembargadores no CNJ (Conselho Nacional de Justiça). A reclamação foi feita pelo advogado Ari Pargendler em nome de um casal, que além de perder a propriedade, ainda foi condenado a pagar R$ 20 milhões em honorários.
A reclamação foi protocolada em dezembro do ano passado contra o atual presidente do TJMS, desembargador Dorival Renato Pavan, e o desembargador Marcos José de Brito Rodrigues. Apenas o segundo foi afastado e é investigado na Operação Ultima Ratio, deflagrada pela Polícia Federal em 24 de outubro do ano passado.
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A denúncia veio a tona na semana passada com a publicação do caso na coluna PlatôBR, na revista IstoÉ, pela jornalista Carolina Brígido.
No centro desse escândalo está a Fazenda Aurora, de 15.082 hectares em Jardim. Avaliado em R$ 85 milhões, o imóvel é alvo de ações judiciais desde 1950. O caso chegou a transitar em julgado duas vezes, mas acabou tendo reviravolta no Tribunal de Justiça.
Casal de herdeiros
O pecuarista Osvaldo Durães Filho e a esposa Amélia Barbosa Durães alegam que são os herdeiros de Waldemar de Souza Barbosa e Benedita Mont’Serrat Barbosa, que foram considerados donos do imóvel.
O espólio de José Maria Coelho Xavier, de acordo com a petição protocolada no CNJ, alegou que ele era o herdeiro da propriedade e citaram o testamento de Etelvina Garcete Xavier, feito em 1936 no Paraguai. Em 1997, o então juiz Geraldo de Almeida Santiago, em Jardim, negou o pedido para anular a matrícula da fazenda. O processo chegou a transitar em julgado no início de 1999.
No entanto, a reviravolta ocorreu quando o espólio ingressou com nova ação, desta vez em Campo Grande, e o juiz Marcos José de Brito Rodrigues, acatou o pedido. Ele reconheceu o testamento de Etelvina e repassou a área de 15 mil hectares para os herdeiros de Etelvina.
“Portanto, como primeiro ponto, demonstraram e comprovaram que o Desembargador Marcos José de Brito Rodrigues, na época juiz da Comarca de Campo Grande, não poderia ter prolatado a sentença, dado que o juízo era absolutamente incompetente para conhecer e julgar o processo”, apontou o advogado ao CNJ.
“Comprovaram, também, os ora requerentes que houve violação à coisa julgada produzida em diversas outras ações, ajuizadas anteriormente, que não reconheceram a titularidade sobre a Fazenda Aurora a sucessores de Etelvina Garcete Xavier, além de que nessas ações foi negada validade judicialmente a esse mesmo testamento, que teria sido feito por essa senhora no Paraguai”, ponderou.
Reviravolta no tribunal
Durães Filho e a esposa recorreram ao Tribunal de Justiça e o caso ficou com o desembargador Dorival Renato Pavan, relator. Durante dez anos e três decisões, o magistrado deu razão ao casal e não reconheceu o testamento feito no Paraguai.
“Em suma, o Relator Desembargador Dorival Renato Pavan, durante toda a tramitação do processo, reafirmou a presença das condições da ação de forma expressa, reconhecendo a legitimidade e o interesse de agir dos ora requerentes e, inclusive, rejeitando arguições feitas pelos requeridos nesse sentido”, contou.
“Em suma, em três decisões proferidas nos autos da ação rescisória, reconheceu expressamente o Relator Desembargador Dorival Renato Pavan terem os ora requerentes legitimidade e interesse de agir para proporem a ação rescisória, sendo que desses julgamentos não houve recurso pelas partes, ou seja, restou operada tanto a preclusão ‘pro judicato’, como a preclusão temporal”, destacou.
Além de rever o voto, Pavan ainda elevou o valor da causa para o valor da fazenda, R$ 85,3 milhões, e condenou o casal a pagar honorários advocatícios em 2012. Hoje, o valor supera R$ 20 milhões. Além de perderem a propriedade, ainda ficaram com uma dívida monumental.
As irregularidades apontadas ao CNJ
“Entretanto, é de tamanha gravidade as ilegalidades que foram perpetradas nessa ação rescisória, que, paralelamente à interposição dos recursos próprios, estão apresentando esse pedido de providências, dado que as decisões extrapolaram os limites do livre convencimento motivado, que albergam as manifestações dos juízes no desempenho de suas funções, revelando absurdos tão sérios, que reclamam a investigação mais apurada deste Conselho Nacional de Justiça e a devida responsabilização, nos termos da Lei Orgânica da Magistratura Nacional”, denunciou Ari Pargendler.
“Ora, só para que se tenha ideia do contexto processual, cabe destacar que as violações em que incidiu o acórdão proferido nos embargos de terceiro eram tantas e tão graves, que a rescisão poderia ser decretada com base em qualquer dos fundamentos apresentados na inicial, pois, de forma absolutamente ilegal, foi atribuída a Fazenda Aurora, que há mais de 70 anos estava na titularidade da família Waldemar de Souza Barbosa e Benedita Mont’Serrat Barbosa, a usurpadores que se diziam beneficiários de um testamento de Etelvina Garcete Xavier, cujo documento teria sido lavrado no Paraguai 1.936, e que nem mesmo foi apresentado em seu original, além de que, diversas vezes, já tivera sido rechaçado pelo Judiciário e inclusive sido reconhecido que se tratava de tentativas que representavam casos de polícia, tal o absurdo e inconsistência da pretensão”, relatou.
“Assim, não poderia jamais ter sido reconhecida validade a um testamento esdrúxulo, que teria sido realizado no Paraguai, que não obedeceu a todos esses cânones legais inafastáveis, e, ainda, cujo inventário foi ajuizado perante a Comarca de Campo Grande e não no local de situação do bem”, frisou.
“Portanto, desde 1956, não há que se falar em titularidade de outras pessoas, sobre a área de 15.082,2303, que constitui a Fazenda Aurora, que não sejam de Waldemar de Souza Barbosa e Benedita Mont’Serrat Barbosa, enquanto viveram, sendo que, após seus falecimentos, passaram a seus sucessores, dentre os quais os autores da rescisória e ora requerentes”, anotou.
“O documento é falso materialmente pois teria sido lavrado em 1.979, com assinatura que seria de Etelvina Garcete Xavier, que, no entanto, faleceu em 1.943, conforme sua certidão de óbito, ou seja, assinou 35 anos após a sua morte”, acusou.
“A tradução do documento é inidônea, pois consigna que o testamento teria sido lavrado em 1.936 no Estado de MATO GROSSO DO SUL, e é sabido que somente 31 anos depois foi criado esse Estado, pelo desmembramento do estado de Mato Grosso”, citou outra contradição.
“José Maria Coelho Xavier somente depois de 50 anos da morte de Etelvina Garcete Xavier, que ocorreu em 1943, passou a ajuizar ações, sendo a primeira de 1994, portanto, por que demoraria tanto tempo para buscar seus direitos, já era legatário único há tantos anos?”, questionou.
“É tão absurda essa situação que, ao final, o que se constata é que os requerentes caíram numa armadilha, pois, por defenderem a desconstituição de um acórdão que retirou, indevida e ilegalmente, a titularidade da Fazenda Aurora, o que importaria em benefício para si e para todos os herdeiros, redundou, agora, numa condenação de 10% sobre o valor da própria fazenda, ou seja, o que virão a receber no inventário como herança, correspondente a 1.887 hectares, se é que receberão, pois o imóvel não pertence ao espólio, segundo a decisão nos embargos de terceiro, e ainda terão que arcar com honorários advocatícios nesta rescisória superior ao valor da própria área, isto tudo, depois de ter sido reconhecido, mais de uma vez, a legitimidade ativa ‘ad causam’ e o interesse de agir nesta mesma demanda”, avaliou, sobre os R$ 20 milhões em honorários.
O outro lado
O Jacaré procurou o Tribunal de Justiça. A assessoria informou que o caso já foi analisado pelo CNJ e arquivado porque não teria sido encontrada nenhuma irregularidade nas ações do atual presidente da corte.
“O pedido de apuração disciplinar objeto da notícia já foi anteriormente submetido à apreciação do Conselho Nacional de Justiça, sendo que o Ministro Luiz Felipe Salomão, então Corregedor Nacional de Justiça, não viu elementos mínimos para instaurar qualquer procedimento contra os magistrados citados”, informou, conforme nota.
A reclamação ainda não foi analisada pelo corregedor-nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques.