Cruelmente atacada a facadas pelo ex-noivo, a jornalista Vanessa Ricarte, 42 anos, foi morta na última quarta-feira (dia 12), mas não silenciada.
Áudio enviado pela vítima, horas antes do feminicídio, expõe a falha no atendimento na DEAM (Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher), localizada na Casa da Mulher Brasileira, em Campo Grande, um local criado justamente com o fim de acolher quem sofre violência doméstica e mover a engrenagem do poder público para salvar vidas.
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A voz de Vanessa segue ecoando, num rastro de indignação que mobiliza Ministério das Mulheres, políticos, mulheres que tiveram o mesmo atendimento ruim e as redes sociais.
Apesar do ex-noivo Caio Nascimento Pereira, 35 anos, ter 11 passagens na Polícia Civil, inclusive por ter tentado matar até a própria mãe, a delegada que atendeu a jornalista se recusou a passar o histórico policial do músico e ainda sugeriu que a assessora do Ministério Público do Trabalho fosse, sozinha e sem aparato policial, tirar o agressor de casa.
O áudio caiu como uma bomba e desmontou a tese apresentada pelas delegadas após o feminicídio. A titular da DEAM, Elaine Benicasa, e a adjunta, Analu Ferraz, sustentam que teriam dado todo o suporte necessário à jornalista.
A situação não passou despercebida pelo Ministério das Mulheres, que divulgou nota oficial e vai enviar equipe a Mato Grosso do Sul.
“Em áudio veiculado nesta sexta-feira (14), Vanessa descreve ter informado, durante atendimento na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) em Campo Grande, a decisão de retornar até sua casa, onde estava o agressor, Caio Nascimento. O percurso não poderia ter ocorrido sem a escolta da Patrulha Maria da Penha, de acordo com o protocolo de avaliação de risco para mulheres em situação de violência e que orienta o atendimento na Casa da Mulher Brasileira”, aponta o ministério.
O governo federal encaminhou ofício à Corregedoria da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul solicitando a abertura de procedimento investigativo para apurar o atendimento prestado à jornalista e a o Ministério Público a respeito de providências a serem tomadas.
“A equipe do Ministério das Mulheres viaja a Campo Grande ainda neste final de semana para dialogar com representantes da rede de atendimento. O órgão se solidariza com familiares, amigos e amigas de Vanessa e reafirma o compromisso de atuar pela prevenção e enfrentamento a todos os tipos de violência contra as mulheres, em especial o feminicídio, com investimentos em diversas políticas públicas focadas em informação e em atendimento. Nenhuma violência contra a mulher deve ser tolerada”.
A nota foi postada também na conta da ministra Cida Gonçalves, que tem trajetória profissional em Campo Grande. Num dos comentários, a denúncia de que o descaso não foi um fato isolado.
“Ministra, sou de Campo Grande, atendo mulheres vítimas de violência e elas reclama que o atendimento na Casa da Mulher Brasileira é falho, não dão suporte necessário. Essa é a fala de muitas”, diz uma seguidora.
A falha no atendimento que colocou Vanessa exatamente nas mãos do agressor, que a matou com três facadas no coração, também ecoou nas redes sociais de O Jacaré.
“Quem negligência o impedimento de um crime é cúmplice”, diz um leitor. Outros cobram o afastamento da delegada diante do descaso.
“Imagina só!!!uma jornalista, uma pessoa esclarecida não ter um atendimento sério, que dirá o povão, como dizem por aí. Chegar numa Delegacia e ser tratado com atendimento ruim”, comenta internauta.
Uma leitora conta da dor de perder uma irmã assassinada, vítima de feminicídio, e da luta em vão para salvar a sua vida.
Justiça por Vanessa
Capitaneado pelo Sindjor-MS (Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Mato Grosso do Sul), grupo fez manifestação no Centro de Campo Grande, no sábado, para pedir Justiça por Vanessa.
“Vamos levantar propostas que saiam do papel para realmente proteger a mulher contra qualquer tipo de violência. Esse ato é para a sociedade agir e cobrar as autoridades”, afirma Walter Gonçalves Filho, presidente do sindicato.
A senadora Soraya Thronicke (Podemos) postou: “Tragédia Anunciada: último áudio de Vanessa Ricarte e a indiferença do sistema que deveria proteger”. A senadora participou do protesto no Calçadão da Barão.
A deputada federal Camila Jara (PT) foi à rede social e destacou a necessidade de que a Casa da Mulher seja espaço de proteção às mulheres. “Evitar que mais tragédias como essas aconteçam. A gente tem que transformar a indignação em luta”. A parlamentar também esteve na mobilização.
O governo do Estado divulgou nota em que admite que as vítimas ficam sem proteção. “Mais uma morte prova que não estamos conseguindo garantir proteção às vítimas de violência. Falhamos enquanto estado, falharam as instituições, falhamos enquanto sociedade. Precisamos identificar onde erramos, planejar mudanças e agir eficazmente para termos uma solução que resulte de forma efetiva no fim da morte de mulheres no nosso estado simplesmente por serem mulheres”.
“E sobre o procedimento policial questionado, o mesmo já está sendo apurado pela Corregedoria da Polícia Civil, inclusive com a participação do Ministério das Mulheres”.
Vanessa foi a segunda vítima de feminicídio de 2025 em Mato Grosso do Sul. A primeira foi Karina Cotrin, 29 anos, morta pelo ex-companheiro Renan Valenzuela, em Caarapó. Antes de se matar, ele ainda assassinou Aline Rodrigues, amiga da vítima.
No ano passado, o ódio às mulheres matou 35 mulheres em MS. Até quando, continuaremos, passivelmente, aceitando empilhar corpos?