Em áudio enviado a uma amiga antes de ser barbaramente assassinada pelo músico Caio Nascimento Pereira, 35 anos, a jornalista Vanessa Ricarte, 42, expôs o tratamento cruel e falho da DEAM (Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher) e da Casa da Mulher Brasileira às mulheres vítimas de violência.
Apesar do agressor ter 11 passagens na Polícia Civil, inclusive por ter tentado matar até a própria mãe, a delegada se recusou a passar o histórico policial do músico e ainda sugeriu que a assessora do Ministério Público do Trabalho fosse, sozinha e sem aparato policial, tirar o agressor de casa.
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Ao ouvir os áudios da jornalista, divulgados pelos jornais Correio do Estado e Campo Grande News, o cidadão deve ficar mais indignado, impactado e transtornado, porque ela acreditava, infelizmente, que não seria a próxima vítima do feminicídio.
“Eu estou bem impactada com o atendimento da Deam, da Casa da Mulher Brasileiro. Eu que tenho toda instrução, escolaridade, fui tratada dessa maneira, imagina uma mulher vulnerável, pobrezinha, sem ter rede de apoio chegar lá, são essas que são mortas e vão para a estatística do feminicídio”, relatou Vanessa, chocada com o atendimento às mulheres.
A atenção dada pela delegada é chocante. “Fui falar com a delegada, fui tentar explicar toda a situação, ela me tratou bem prolixa, bem fria, seca. Toda hora me cortava”, relatou Vanessa.
De maravilhoso a monstro
Ao ver as redes sociais de Caio, qualquer cidadão não desconfiaria de que se tratava de um agressor contumaz, um criminoso a solta. O músico exaltava a Deus e se mostrava como um religioso fervoroso nas redes sociais.
Vanessa relatou, conforme trechos divulgados pelo Comunica na TV no Instagram, que o noivo se transformou do dia para a noite. “Amiga, nunca imaginaria passar por isso…foram cinco dias de terror. Ele era uma pessoa maravilhosa comigo e do nada virou um monstro”, contou.
Ao pedir socorro na DEAM, a delegacia criada para ajudar as mulheres, Vanessa ficou tão chocada que até se sentiu culpada por ter procurado a polícia. “Eu estou me sentindo culpada, porque eu fui registrar o B.O. (boletim de ocorrência). Eu estou bem impactada com o atendimento da Casa da Mulher Brasileira”, lamentou a jornalista.
Ao procurar a delegacia, a jornalista achava que contaria com escolta policial para tirar o “monstro” da sua casa. No entanto, conforme o relato feito a uma amiga, horas antes de ser brutalmente assassinada, a delegada a orientou a mandar uma mensagem avisando o músico para deixar sua residência.
“Então vai para a sua casa, você já avisou ele, manda uma mensagem falando para ele [Caio] deixar a casa”, contou Vanessa, chocada com a recomendação. Apesar do músico ser o agressor, com um longo histórico policial, a delegada não ofereceu proteção policial e acabou mandando a jornalista para ser esfaqueada e morta em casa.
O áudio caiu como uma bomba e desmontou a tese apresentada pelas delegadas após o feminicídio. De acordo com o Campo Grande, a titular da DEAM, Elaine Benicasa, e a adjunta, Analu Ferraz, de que teriam dado todo o suporte necessário à jornalista.
“Às vezes, a gente não acredita na potencialidade do agressor ou a gente não imagina que isso vai acontecer com a gente. Todo agressor de violência doméstica é um potencial feminicida”, disse Analu na ocasião, apesar de 11 boletins de ocorrência contra o músico.
“Então assim, eles não entendem né, a dimensão do negócio. Porque ele já tinha falado para mim que só saía de casa com a polícia. Mas de qualquer forma eu vou ter que ir lá na casa e vou falar com ele isso aí”, disse Vanessa em trecho do áudio.
Após o áudio, o diretor-geral da Polícia Civil, Lupércio Degerone Lúcio, informou que será aberto procedimento para investigar as falhas no atendimento da DEAM.
Responsável pela administração da Casa da Mulher Brasileira, a prefeitura da Capital ainda não se manifestou.