O ano legislativo mal começou e os parlamentares bolsonaristas João Henrique Catan e André Salineiro, ambos do PL, escolheram uma professora trans como alvo para angariar a primeira polêmica em suas redes sociais e na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul. Os ataques do deputado estadual e do vereador de Campo Grande foram motivados pela profissional ter usado uma fantasia de Barbie para recepcionar os alunos no início do ano letivo.
João Henrique utilizou a tribuna do legislativo estadual para atacar a professora. “Um professor mostrando para alunos de apenas 7 anos de idade, como se veste um travesti na Escola Prof. Licurgo de Oliveira Bastos, na Vila Nasser. O Estatuto da Criança e Adolescente [ECA] prevê como interferência ideológica. Isso é uma decisão familiar, os pais é que tem que decidir mostrar isso. O que isso contribui para o ensino”, discursou o deputado estadual na sessão de terça-feira (11).
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O vereador André Salineiro aproveitou para surfar na onda iniciada pelo colega de partido e postou vídeo em suas redes sociais, no qual relata considerar que uma professora usar uma fantasia para entreter e ensinar alunos não pode ser encarado como algo “normal”. “
“A escola é um local para que as crianças aprendam aquilo que é necessário para seu desenvolvimento, e não para servir de circo. Àqueles que ainda acham que esse tipo de apresentação em uma escola infantil é arte, não é arte. Se esse artista aí quer se apresentar, que vá até um teatro ou para outro local para fazer para adultos, e não para crianças inocentes e que ainda estão na fase de desenvolvimento intelectual. Não podemos aceitar isso como normal”, declarou Salineiro. Ele ainda aborda educação sexual no vídeo.
No entanto, a professora Emy Mateus Santos, 25 anos, que aparece no vídeo, leciona exatamente Artes Cênicas, Teatro e Dança. Ela é contratada do município em processo seletivo da prefeitura e explica que apresentou o material solicitado pela equipe pedagógica e que os vídeos usados pelos políticos mostram as imagens da sala de aula fora de contexto. A mulher trans afirma estar abalada pelos ataques sofridos.
“Estou emocionalmente fragilizada e desestabilizada. É o que eu falo para as outras meninas trans. Muda o documento, luta pelo diploma, mas ainda assim vai ser violentada e ter o trabalho diminuído pelo preconceito”, declarou Emy aos site Campo Grande News.
A educadora conta que outras professoras se fantasiaram de princesa na Escola Municipal Irmã Irma Zorzi, no Bairro Sílvia Regina, em Campo Grande. Mas só ela foi exposta.
A recepção da professora aos alunos voltou a ser debatida na sessão da Assembleia Legislativa desta quarta-feira (12).
O deputado Pedro Kemp (PT) fez um contraponto ao colega João Henrique. “Eu queria fazer aqui um apelo ao deputado João Henrique, que abordou o tema ontem, extensivo a todos os deputados, para tomar mais cuidado de modo que não exponha as pessoas. Ano passado aconteceu aqui também, nesta Casa de Leis, denúncia contra professoras, e a pessoa ficou abalada, com depressão, por conta da sua imagem imposta, sem haver o conhecimento do todo o ocorrido”, disse.
“A professora Emy Santos é transexual e deve ser respeitada na identidade de gênero que é, diferente do sexo biológico. Respeitada como professora e artista. Ela fez uma performance com outros professores na Escola Irmâ Irma Zorzi. […]. Foi utilizado na fala de ontem um discurso que atacou publicamente a professora e artista, profissional de educação e servidora pública. É muito temeroso expor com vídeo e com imagem sem conhecer o que ela faz de sua vida e sua história”, prosseguiu o petista.
João Henrique ressaltou que o motivo do ataque foi o traje do profissional de educação. “Eu não expus em momento nenhum, na rede social da professora, quem expôs foi ela, e a imagem disponibilizada na rede de computadores, torna-se, por lei, de domínio público. Não há preconceito de minha parte, eu sou autor de um projeto de leis para homossexuais doarem sangue para seus companheiros. Meu grande questionamento foi o traje ao receber as crianças, um questionamento puramente jurídico, se houve aprovação, se foi autorizado pelos pais, pelos diretores, se a utilização da imagem foi assinada pelos pais? E que se houver transgressão jurídica, que seja apurado”, explicou.
Por meio de nota, a Secretaria Municipal de Educação informou que está ciente da situação mencionada e que, após os levantamentos, abrirá procedimento administrativo para maiores averiguações, com o objetivo de garantir a transparência e a correção dos fatos, se desacordo com as diretrizes curriculares e normas disciplinares.
“Em tempo, é importante destacar que diversos professores adotam o uso de fantasias e caracterizações como recurso pedagógico, buscando tornar o processo de ensino mais lúdico, dinâmico e envolvente para as crianças, desde que vinculado ao plano de ensino e currículo”.