A subprocuradora-geral da República, Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, denunciou o conselheiro Waldir Neves Barbosa por usar dinheiro desviado do Tribunal de Contas do Estado para comprar uma casa de luxo, chamada de “casa de ouro”, no Jardim dos Estados. Afastado da função e monitorado por tornozeleira desde 8 de dezembro de 2022, ele pode ser condenado nove vezes por ocultação de bens, a perda do cargo público e ao pagamento de indenização de R$ 1,450 milhão.
A nova denúncia é decorrente da Operação Casa de Ouro, deflagrada pela Polícia Federal no dia 10 de julho do ano passado. O conselheiro já foi denunciado por corrupção, organização criminosa e peculato por meio do contrato com a Dataeasy Informática em decorrência da Operação Terceirização de Ouro.
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Além de Waldir Neves, o Ministério Público Federal denunciou o assessor do conselheiro, João Nercy Cunha Marques de Souza, o amigo de infância, Vanderlei Farias de Moraes, o vendedor da “casa de ouro”, Abelardo Teixeira Fraga, e o empresário usado para “esquentar” parte do pagamento, Sérgio da Costa Corrêa.
“As provas indicam a presença de indícios veementes de que os valores que foram desviados do TCE/MS, mediante execução do contrato com as empresas Cast e Dataeasy, tiveram sua origem, disposição, movimentação e propriedade ocultados ou dissimulados”, ressaltou Luiza Frischeisen.
“O contrato firmado entre Cast e TCE/MS em 2015 foi objeto de fraudes que levaram ao direcionamento da contratação, com a prática de crimes licitatórios. Esses crimes redundaram no recebimento de vantagem indevida pelo Conselheiro, cujos detalhes serão explorados no tópico subsequente desta denúncia”, destacou a subprocuradora-geral da República.
O escândalo
Conforme a denúncia, Waldir Neves comprou a mansão localizada na Rua Euclides da Cunha, no Jardim dos Estados, e a colocou no nome de Vanderlei de Morais, amigo de infância. Só que o contrato foi firmado pelo assessor, João Nercy, e Abelardo Fraga.
“Já em relação à VANDERLEI, suas movimentações bancárias indicam aparente incapacidade financeira para aquisição de um imóvel de tamanho valor, pois, no período de 2012 a 2022 (11 anos), VANDERLEI movimentou pouco mais de R$ 536 mil a crédito e aproximadamente R$ 545 mil a débito”, relatou, com base na quebra de sigilo bancário e fiscal.
“Não há dúvidas de que o adquirente da casa era Waldir Neves Barbosa, que se utilizou de artifícios para ocultar a propriedade do bem, com a participação de Vanderlei Farias, João Nercy e Abelardo Fraga. Esse estratagema era necessário para permitir que o Conselheiro criasse, nos anos subsequentes, lastro patrimonial fictício para a aquisição do imóvel, já que sem esse ficaria evidente o descompasso entre seus rendimentos lícitos conhecidos e o imóvel adquirido”, relatou o MPF.
“Portanto, somente após criar lastro financeiro fictício para a aquisição é que o Conselheiro denunciado assumiu a titularidade do bem, transferindo-o para seu nome. Esses artifícios indicam a prática, ao menos, de um ato de lavagem de ativos, em razão da ocultação da propriedade do imóvel”, destacou.
O conselheiro simulou a compra de cotas na empresa Rio Pantanal. No primeiro ano, ele declarou ter comprado R$ 450 mil em cotas. No ano seguinte, declarou ter adquirido 920 cotas por R$ 1 mil cada, mas o valor informado foi de apenas R$ 500 mil (e não R$ 920 mil). Em seguida, registrou a casa como se fosse sua no Imposto de Renda.
“Waldir foi o principal beneficiário da transação, enquanto real proprietário do bem. Foi, também, o destinatário e proprietário dos valores oriundos dos crimes antecedentes, direcionando-os para a aquisição do imóvel. Além disso, ele agiu ativamente para inserir nas suas declarações de imposto de renda informações inverídicas, com o intuito de criar lastro patrimonial/financeiro para a posterior transferência do imóvel para seu nome”, pontou a subprocuradora-geral.
“Abelardo Teixeira Fraga, na condição de vendedor do imóvel, tinha ciência de que o adquirente era Waldir Neves e que a transferência seria feita em nome de interposta pessoa. Além disso, ele celebrou contrato com João Nercy, também para viabilizar a aquisição da propriedade, de forma dissimulada”, frisou.
“Os valores em espécie utilizados pelo Conselheiro Waldir Neves Barbosa para pagamento dessa primeira parcela – ao menos R$400.000,00 -, não possuem origem lícita demonstrada. Isso, aliado aos indícios consistentes da prática de crimes antecedentes em favor da Cast/DataEasy, a serem indicados adiante, permite a afirmação, na forma do art. 2º, §1º, da Lei 9.613/98, que o montante é oriundo dos crimes antecedentes citados”, acusou a procuradoria.
Ao pagar a 3ª parcela, o conselheiro deixou mais rastros do uso do dinheiro desviado do TCE. Ele deu três casas em pagamento, sendo duas no valor de R$ 102 mil e uma de R$ 80 mil. A última foi devolvida ao conselheiro.
A PF encontrou repasses da Docsysnet para a empresa de Abelardo Teixeira Fraga – um repasse de R$ 40 mil e outros seis de R$ 20 mil. O dinheiro sempre era transferido após repasse da Dataeasy para a Docsys. Para “legalizar” o pagamento, o dono da empresa, Sérgio Corrêa, simulou um contrato de prestação de serviços com Abelardo. No entanto, ambos admitiram na PF que não houve prestação de serviço, apesar do vendedor da “casa de ouro” ter recebido R$ 160 mil.
“O pagamento de R$160.000,00 em favor de Abelardo Fraga, com utilização de valores desviados do TCE/MS, não passou de mecanismo para pagamento de vantagem indevida percebida pelo Conselheiro Waldir Neves Barbosa, por meio da quitação de dívida que o agente público tinha com aquele, pela venda da casa da Rua Euclides da Cunha (e posterior devolução de um imóvel dado em pagamento)”, concluiu o MPF.
“O procedimento licitatório TC/16575/2015 (pregão nº 7/2015), que resultou na contratação da Cast pelo TCE/MS, teve seu caráter competitivo frustrado mediante ajustes entre os responsáveis pela contratação no TCE e os representantes das empresas, a partir da tipologia conhecida como proposta fictícia ou proposta de cobertura, a mesma utilizada para a contratação da DataEasy no final de 2017. Em razão desse crime antecedente, Conselheiro Waldir Neves Barbosa, presidente do TCE/MS ao tempo da contratação, recebeu vantagem indevida de pelo menos R$400.000,00, que foi utilizada por ele para, em espécie, quitar a primeira parcela da aquisição do imóvel na rua Euclides da Cunha, de Abelardo Fraga, em 2016”, destacou, sobre o dinheiro usado para pagar a primeira parcela.
A PF descobriu que Abelardo depositou o dinheiro na conta do filho, na mesma data em que houve o pagamento da primeira parcela por Waldir Neves.
A denúncia vai ser analisada pela Corte Especial do STJ. O relator é o ministro Franciso Falcão.