O Tribunal Regional Federal da 3ª Região decidiu inocentar o médico Kleder Gomes de Almeida, após ele recorrer da condenação por ter prestado informações falsas e ter recebido R$ 217,6 mil ilegalmente do Hospital Universitário de Campo Grande, entre 2006 e 2011.
Conforme a denúncia do Ministério Público Federal, o médico Kleder Gomes de Almeida era contratado do HU na condição de professor assistente do Centro de Ciência Biológicas em regime de dedicação exclusiva e jornada de 40 horas semanais. No entanto, ele assinou falsa declaração de que não mantinha atividade particular ou como autônomo em termo de compromisso.
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O documento deixava explícito que o profissional tinha ciência das normas pertinentes ao regime de dedicação exclusiva e das consequências advindas de suas transgressões, inclusive penais, e assumiu o compromisso de não exercer outra atividade remunerada.
Durante o contrato, o médico registrou frequência todos dias da semana, durante cinco anos, das 7h às 11h e das 13h às 17h. No período de 1° de dezembro de 2010 a 31 de março de 2011 registrou frequência das 7h às 11h30 e das 13h às 17h30 para suposta reposição de recesso de final de ano.
O MPF comprovou que Kleder Gomes é associado da Unimed Campo Grande desde abril de 1996, como cirurgião plástico, prestando consultas regulares desde então. “A grande maioria exatamente naqueles horários em que falsamente registrou sua frequência na Universidade Federal”, diz a denúncia.
A denúncia por estelionato foi recebida em dezembro de 2018 pela 5ª Vara Federal de Campo Grande. A juíza Franscielle Martins Gomes Medeiros considerou ter ficado comprovado que o médico cometeu o crime e o condenou à sentença de dois anos, dois meses e 20 dias de reclusão, no regime aberto, que foi convertida em prestação de serviços à comunidade e pagamento de seis salários mínimos.
Recurso e absolvição
A defesa de Kleder Gomes recorreu, então, ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, alegando que o acusado foi sancionado na esfera administrativa, na esfera cível, e também na esfera penal, em inobservância aos princípios da intervenção mínima, da subsidiariedade e da fragmentariedade.
Apontou ainda que, para configuração do crime de estelionato, é imprescindível que haja prejuízo para a vítima, e que, em ação cível por improbidade administrativa restou apontado que não houve prejuízo financeiro por parte da UFMS.
Alegou que, na época dos fatos, o acusado era o único microcirurgião atuante nesta subespecialidade da cirurgia plástica, sendo chamado para atender principalmente casos de reimplantação de amputados em acidentes, em cirurgias decorrentes de queimaduras de grandes extensões e em outros casos graves, sempre em regime de urgência e emergência.
O relator da apelação na 11ª Turma do TRF3 foi o desembargador José Lunardelli. O magistrado considerou que o caso “apresenta contornos um tanto peculiares, estando em um limiar cinzento”.
“Não houve ocultação dos rendimentos auferidos com as atividades exercidas fora da Universidade. Deveras, os atendimentos particulares foram objeto de declaração fiscal por parte de KLEDER (ID 287268301 – p. 31 a ID 287268304 – p. 1), e puderam ser acessados pela UFMS no procedimento administrativo disciplinar, por meio do sistema RAIS”, argumentou Lunardelli.
“Como as provas colhidas não demonstram ter o réu agido deliberadamente no sentido de ocultar da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul informação acerca dos atendimentos particulares por ele prestados, não há como afirmar a intenção de induzir a instituição de ensino em erro mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.”
“Acrescente-se que, em que pese indevido o recebimento do adicional relativo à dedicação exclusiva, nas provas testemunhais não houve nenhum apontamento no sentido de que tenha sido comprometido o exercício das funções da docência por parte do acusado.”
“Deveras, apesar de o prejuízo à instituição de ensino não ser mensurável, unicamente, em expressão monetária, não há notícias nos autos de que o réu não tenha se dedicado às atividades de formação que desempenhava, tampouco um desprestígio na qualidade do docente em suas atribuições.”
“Soma-se a isto que o indevido recebimento do acréscimo remuneratório vinculado à dedicação exclusiva foi sanado com a sanção administrativa de ressarcimento ao Erário, realizada de forma parcelada mediante desconto em folha, a partir de julho de 2015 (ID 287268102, p. 19), bem como com pena fixada na esfera cível”, relatou o desembargador.
José Lunardelli definiu que para que haja decreto condenatório é imprescindível a formação de juízo de certeza com a presença de provas concretas da autoria, materialidade e culpabilidade do acusado, diante da hesitação quanto à presença do dolo, a absolvição é medida que se impõe, prevalecendo o princípio do in dubio pro reo.
Diante disso, o relator votou para dar provimento ao recurso da defesa e absolver o médico Kleder Gomes de Almeida do crime de estelionato. O parecer foi seguido de forma unânime pelos demais integrantes da 11ª Turma do TRF3.
O acórdão foi publicado na edição do Diário Oficial Eletrônico da Justiça Federal desta segunda-feira, 6 de janeiro.