Com 72 metros de comprimento, cinco metros de largura e custo de R$ 1,3 milhão, a ponte sobre o Rio Santo Antônio, que colapsou em 2 de janeiro de 2016, teve um festival de falhas. Problemas, que começaram a ser apontados desde a queda da ponte, foram endossados pela perícia determinada pela 2ª Vara da Comarca de Jardim. Portanto, a queda não foi obra da força da natureza.
Inaugurada em abril de 2012, a ponte ficava na MS-382, em Guia Lopes da Laguna, até cair como um dominó, para espanto geral. A vistoria da Linear Perícia & Consultoria Ltda, com escritórios em Campo Grande e Cuiabá, foi realizada no dia 25 de abril de 2024.
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O documento foi anexado ao processo de “produção antecipada de provas” que o governo do Estado move desde 2017 contra a Wala Engenharia Ltda e Wilson Roberto Mariano de Oliveira, o Beto Mariano, ex-servidor da Agesul (Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos).
A ponte de concreto armado pré-moldado substituiu uma travessia de madeira. Mas, a obra foi executada em ponto onde o barranco já tinha processo erosivo, como mostra imagem de satélite do ano de 2007. A desnudação do solo era resultado da força da correnteza do Rio Santo Antônio.
“Quanto à escolha do local para a implantação da ponte, nos parece que foi escolhido ponto imediatamente ao lado da ponte de madeira antiga que existia no local. Sem problemas de início, ocorre que conforme imagens aéreas que capturamos pelo aplicativo Google Earth, essa região já possuía uma zona de degradação/erosão com desbarrancamento da margem direita do Rio Santo Antônio”.
A obra derivou de um único projeto para erguer mais de 80 pontes no Estado, apesar desse modelo por “atacado” não ser o recomendável, pois cada rio tem suas particularidades. A construção seguiu apenas um projeto básico, ainda por cima bastante falho, e não um projeto executivo.
“Esse projeto de ponte foi executado de forma idêntica em uma quantidade grande no estado (possivelmente superior a 80 pontes), ou seja, o governo do estado “adquiriu” esta solução e resolveu implementá-la em diversos locais onde havia demanda por ponte de concreto armado. Entretanto, como é do conhecimento básico da engenharia de estruturas e fundações, notadamente a engenharia de pontes, um projeto estrutural de uma ponte nem sempre é aplicável a diferentes locais, principalmente as contenções e suas fundações”.
Segundo a perícia, é extremamente inadequado utilizar um projeto de estruturas e contenções para uma ponte de concreto armado como solução única de forma indiscriminada.
Neste caso, não foram apresentados dados históricos do nível do rio, das chuvas ou dados de hidrologia que subsidiassem o estudo dos níveis da ponte.
“O projeto da ponte em questão é um projeto estrutural básico, genérico, que deveria apenas servir de base para estudos de implantação de novas pontes, principalmente quanto a custos, mas não poderia ser utilizado como executivo, dado a precariedade de detalhes e informações”.
Obra acelerou a erosão
Com a ponte de pé, o processo erosivo se acelerou, possivelmente com uma boa contribuição do regime turbulento da água que ocorre na implantação de pilares e fundações no leito do rio. Porém, o talude não recebeu a proteção adequada para controlar o processo erosivo, como enrocamento (colocar pedras para estabilizar o terreno) ou colchão de reno (gabião em formato de colchão).
“Os pilares e encontros dentro da calha do rio constituem obstáculos que modificam o mecanismo da correnteza, aumentando a velocidade, a vorticidade e a turbulência, gerando cavidades (ou fossas) de erosão que podem causar o solapamento das fundações, especialmente durante as grandes precipitações e cheias, quando os danos decorrentes do processo erosivo são bastante ampliados e acelerados”.
Anatomia da queda
O começo da ruína foi quando a erosão no barranco deslocou a fundação numa das extremidades, os pórticos foram caindo em cadeia até toda estrutura desabar no leito do rio.
“Após o colapso da cortina a ponte colapsa em efeito dominó, o chamado colapso progressivo, derrubando toda a estrutura da ponte. Como apresentado neste laudo, a ruptura por erosão das cortinas/contenções de arrimo são extremamente comum e possivelmente o maior agente causador de colapso de ponte sobre cursos d`água. A não consideração deste risco foi o fator preponderante para o colapso desta ponte”.
Contudo, uma adequada manutenção poderia ter livrado da ponte do colapso. “A ausência de proteção do talude da margem direita como demonstrado neste laudo foi fator preponderante para o colapso da ponte, mas a inadequada manutenção do talude executado nesta margem acelerou o processo de ruína da ponte”.
Com base na documentação fornecida, a impressão é de que a manutenção foi sempre realizada apenas por operadores de maquinários, sem adequada qualificação, fazendo serviços apenas de recomposição do aterro de encontro, sem avaliação mínima da segurança estrutural da ponte, cortina e sem manutenção do talude de proteção da cortina junto ao rio. “No entanto, esta imperícia da manutenção não diminui o erro de cálculo, concepção e detalhamento do projeto”.
Ainda de acordo com a perícia, a travessia deveria ser mais longa. “Conforme demonstrado neste Laudo Pericial, a ponte foi executada num nível inferior ao ideal. Ou seja, a ponte deveria ter sido executada num nível mais elevado, portanto, teria um comprimento maior”.