O Conselho Nacional de Justiça rejeitou denúncia contra dois desembargadores feita por um engenheiro, que perdeu o apartamento após quitar 86% das parcelas e ainda ficou devendo R$ 442 mil para a construtora. O órgão era a “última esperança de justiça” de se livrar da punição imposta pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
O corregedor-nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, houve mero inconformismo de Beltino José Ferreira Bonfim, que perdeu tudo e vive às voltas com bloqueio de bens e contas por causa da dívida de R$ 442 mil. “Verifica-se que a inicial veicula mera irresignação contra matéria estritamente jurisdicional”, pontuou o magistrado.
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Com a decisão, ele determinou o arquivamento e livrou os desembargadores Sideni Soncini Pimentel e Vladimir Abreu da Silva, eleitos, respectivamente, presidente e vice-presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Eles foram afastados do cargo e passaram a ser monitorados por tornozeleira eletrônica na Operação Ultima Ratio, deflagrada pela Polícia Federal no dia 24 de outubro deste ano.
No entanto, com a reclamação de Bonfim no CNJ, os desembargadores não vão mais precisar se preocupar. “No caso em exame, verifica-se que a inicial veicula mera irresignação contra matéria estritamente jurisdicional. Em verdade, a parte requerente equivocadamente se utiliza da reclamação disciplinar como sucedâneo recursal, pretendendo escrutinar eventual erro da decisão proferida em seu desfavor, o que não se pode admitir”, avaliou Marques.
“Acrescente-se, ainda, que é inadmissível a instauração de procedimento disciplinar porquanto inexistentes indícios ou fatos que demonstrem que o magistrado tenha descumprido deveres funcionais ou incorrido em desobediência às normas éticas da magistratura”, ponderou o corregedor-nacional de Justiça.
“Ressalte-se que, caso a conduta dos magistrados revelem indício de suspeição, capaz de afastá-los do julgamento do processo, a questão deve ser tratada na esfera jurisdicional, mediante instrumento processual próprio, na forma do art. 146 do Código de Processo Civil”, aconselhou, apesar do engenheiro já ter tentando mudar a sentença em todas as instâncias do Poder Judiciário e não ter obtido êxito.
Última esperança não vingou
A história do engenheiro civil mostra a impotência do cidadão diante de um julgamento feita por turma do Tribunal de Justiça. “Um imóvel comprado em 145 prestações e destas foram pagas 124, portanto foram pagos pelo imóvel um total de 86% de seu valor, após a sentença no ACÓRDÃO, o comprador perdeu todos os valores pagos, entregou o imóvel e ainda impuseram ao apelado, uma dívida correspondente ao valor do mesmo imóvel e todas as custas advocatícias, isto é uma verdadeira afronta ao contribuinte vinda do Poder Judiciário, onde temos numa DEMOCRACIA o ultimo poder a recorrer e nos fazer justiça”, resumiu Bonfim, na denúncia encaminhada ao CNJ.
“Após o ACÓRDÃO, foram apresentados recurso, os quais eram os mesmos desembargadores que julgavam, com isto sem êxito”, lamentou.
Beltino Bonfim comprou um apartamento da Tecnifh Tecnologia e Construções em 29 de janeiro de 1997, com uma entrada de R$ 550 e 120 parcelas. Ao longo de uma década, ele efetuou o pagamento das mensalidades e ainda acertou quatro do saldo residual.
A construtora ingressou com ação na Justiça para cobrar 21 parcelas, que não foram pagas pelo engenheiro e ainda pediu a reintegração de posse do apartamento no Residencial Aruba, na Vila Margarida.
No dia 30 de novembro de 2017, o juiz Paulo Afonso de Oliveira, da 2ª Vara Cível de Campo Grande, negou o pedido de reintegração de posse e destacou que Bonfim quitou 86% da dívida.
A Tecnifh recorreu ao Tribunal de Justiça e o desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso foi designado relator. Inicialmente, ele manteve a sentença e votou pelo indeferimento do pedido da empresa.
No entanto, o desembargador Vladimir Abreu da Silva pediu vistas e comandou a reviravolta na 5ª Câmara Cível do TJMS. “Portanto, adimplido apenas 77% do valor contratual, tem-se que a hipótese não atende ao critério quantitativo, pois a inadimplência de 23% do negócio jurídico não configura percentual ínfimo da obrigação de pagar dele correspondente”, ponderou Silva.
“Ocorre que tais afirmações não prosperam ante as peculiaridades do caso concreto, pois se discordava das cláusulas contratuais, deveria ter adotado as providências pertinentes, como o ajuizamento de uma ação revisional, e não apresentar tal manifestação somente com a contestação deste feito, 16 anos após o vencimento da parcela de n° 120, em 13/02/1997”, afirmou o desembargador.
Vladimir Abreu da Silva determinou a rescisão do contrato e concedeu a reintegração de posse do apartamento para a construtora. “Condeno, ainda, o requerido ao pagamento de perdas e danos, correspondente a I% (um por cento) ao mês do valor atualizado do imóvel, a título de indenização por fruição, pelo período respectivo à inadimplência (vencimento da parcela de n° 125, em 10/07/2002, até a efetiva reintegração ne posse), valor que poderá ser compensado daquele a ser restituído pela autora”, reforçou a condenação do engenheiro.
O desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso retificou o voto e também acompanhou o voto divergente, que condenou o engenheiro a perda do apartamento, que já tinha pago 86% das parcelas, ao pagamento de indenização à construtora, das custas processuais e honorários advocatícios.
A Tecnifh tomou o apartamento do engenheiro no dia 18 de novembro de 2019. Além de perder a casa, ele ainda ficou devendo R$ 442.632,38. A construtora descontou o valor pago, que atualizado chegou a R$ 225 mil, e executou o valor de R$ 217.535 na Justiça. Atualmente, a dívida do engenheiro civil é de R$ 367.065,62. Ele já teve bens bloqueados e agora a empresa pediu a penhora de 30% do salário como servidor público.
CNJ arquiva maioria das denúncias
O CNJ era a esperança do engenheiro porque foi criado para fiscalizar o Poder Judiciário. No entanto, o conselho tem arquivado a maior parte das denúncias contra desembargadores e juízes. De acordo com o Campo Grande News, foram mais de 508 denúncias e apenas 48 magistrados do Estado não foram denunciados no CNJ.
A Amansul (Associação dos Magistrados do Estado do Mato Grosso do Sul) esclareceu, em nota, que a quase totalidade dos registros foi arquivada sumariamente em razão de serem manifestamente infundadas. “Dos poucos casos efetivamente examinados, a maioria resultou em arquivamento – e uma ínfima parte exigiu medidas da Corregedoria Nacional de Justiça”.
Apenas dois, a desembargadora Tânia Garcia Freitas Borges, punida com aposentadoria compulsória, e o desembargador Geraldo de Almeida Santiago, com dois meses de suspensão, foram condenados até o momento pelo CNJ.