Presidente afastado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul na Operação Ultima Ratio, o desembargador Sérgio Fernandes Martins foi relator e teve papel decisivo na anulação de três sentenças, impediu a devolução de R$ 34,6 milhões aos cofres públicos e inocentou cinco réus na Operação Lama Asfáltica. O julgamento teve ainda a participação dos desembargadores Divoncir Schreiner Maran e Marcos José de Brito Rodrigues, também investigados pela Polícia Federal.
Martins não foi o relator, mas participou do julgamento que anulou a condenação por improbidade administrativa e evitou a perda do cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado por Osmar Domingues Jeronymo, afastado da função e monitorado por tornozeleira eletrônica por determinação do ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça.
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Aliás, a condenação do ex-deputado Wilson Roberto Mariano de Oliveira, o Beto Mariano, e do ex-secretário estadual de Obras, Edson Giroto, irritou Martins a ponto de o desembargador comprar uma briga pública e nos autos contra o juiz David de Oliveira Gomes Filho, da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos. O embate entre o desembargador investigado e o magistrado com mais de duas décadas de carreira.
Graças ao TJMS, nenhum denunciado por corrupção e desvio milionário na Operação Lama Asfáltica foi condenado em Mato Grosso do Sul. Giroto foi condenado duas vezes e chegou a ficar preso por quase dois anos graças a Justiça Federal. O ex-governador André Puccinelli (MDB) sempre conseguiu se livrar dos julgamentos ao longo dos nove anos.
Enriquecimento ilícito
Giroto foi condenado por enriquecimento ilícito ao não provar a origem de R$ 3,6 milhões, que supostamente seriam provenientes de desvios dos cofres estaduais. O juiz David de Oliveira Gomes Filho o condenou a pagar R$ 9,6 milhões, o que incluía o ressarcimento do montante corrigido, multa civil e indenização por danos morais.
No dia 15 de junho de 2021, a 1ª Câmara Cível do TJMS anulou a sentença e livrou o ex-deputado federal de pagar R$ 9,6 milhões. O relator do recurso foi Sérgio Martins, que integrou o primeiro escalão junto com Giroto na gestão de Puccinelli na Prefeitura de Campo Grande.
A anulação da sentença foi aprovada por unanimidade com o voto dos desembargadores Marcos José de Brito Rodrigues, que foi afastado do cargo e é monitorado por tornozeleira junto com Martins na Operação Ultima Ratio, e Marcelo Câmara Rasslan.
O próximo a ser “salvo” foi o engenheiro João Afif Jorge, condenado por David de Oliveira Gomes Filho a devolver R$ 5,494 milhões corrigidos por não ter provado a origem da fortuna. O relator, mais uma vez foi Sérgio Martins. Ele foi acompanhado por mais dois investigados na Operação Ultima Ratio – o ex-presidente do TJMS, Divoncir Schreiner Maran, e Marcos José de Brito Rodrigues – e Geraldo de Almeida Santiago.
Além de “inocentar” o réu na Operação Lama Asfáltica, Martins usou o acórdão para fazer pesados ataques contra o juiz. “Muitas vezes, e não se pode desconhecer essa realidade, ocorre uma simbiose na atuação do magistrado com o órgão acusador, na busca da verdade real, e sempre, naturalmente, buscando a punição de crimes complexos que são perpetrados aos borbotões e acabam impunes nos mais diversos recantos do país, porém, cediço que ao julgador cabe guardar certa distância desse tipo de agir, eis que o dever de produção das provas é do órgão acusador, prerrogativa que não é e nem pode ser estendida ao julgador, vez que este, por óbvio, é mero detentor da análise da prova e não aquele que a produz”, acusou o desembargador.
Uma família inteira inocentada
Beto Mariano, a esposa, Maria Helena Miranda de Oliveira, e a filha, a médica Mariane Mariano de Oliveira Dornellas, foram condenados por enriquecimento ilícito e improbidade administrativa porque não provaram a origem dos R$ 2,9 milhões investidos na compra de duas fazendas, lotes em residencial de luxo, apartamento da Plaenge e depósito bancário de R$ 250 mil. A sentença também foi de David de Oliveria Gomes Filho, que vinha se sobressaindo da morosidade da justiça estadual nos julgamentos de casos envolvendo corrupção.
Além de determinar a perda do montante, o juiz determinou o pagamento de dinheiro para reparação do dano moral. No total, a família Mariano deveria pagar R$ 19,5 milhões aos cofres públicos.
Novamente, a sentença foi anulada pelo relator, Sérgio Martins, e pelos desembargadores Marcos José de Brito Rodrigues, Divoncir Schreiner Maran e Geraldo de Almeida Santiago. Apenas o desembargador Marcelo Câmara Rasslan votou pela rejeição do recurso e manutenção da sentença.
Sob ataque de Sérgio Martins, o juiz acabou se defendendo das acusações. “Não há motivos para receio ou para medo por parte do excipiente, pois o magistrado em questão é honesto, é experiente, é fiel aos princípios da ética e da honradez e jamais seria capaz de usar do seu cargo de forma indevida, seja para prejudicar, seja para beneficiar alguém”, defendeu-se Gomes Filho.
“O Dr. David de Oliveira Gomes Filho quando veste a toga é um homem solitário, sem amigos e sem inimigos. E mesmo na vida pessoal, é bom que se diga, trata-se de homem pacato, com alguns amigos e com nenhum inimigo”, ressaltou.
“Ele não conhece pessoalmente o Sr. João Afif Jorge, a não ser pelo depoimento pessoal colhido em audiência, ocasião em que não aconteceu nenhum desentendimento entre ambos, mas até pelo contrário, houve muita cordialidade”, relembrou, ressaltando o óbvio.
Martins não respondeu, porque já tinha trabalhado com alguns dos réus, como foi o caso de Giroto na gestão de André Puccinelli na prefeitura .
Socorreu conselheiro
A 1ª Câmara Cível do TJMS também anulou a condenação de Osmar Jeronymo e o livrou de devolver R$ 1,2 milhão aos cofres municipais e ainda de perder o cargo de conselheiro do TCE. Mais uma vez a sentença era do “desafeto” de Martins, o juiz David de Oliveira Gomes Filho, da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos.
Osmar Jeronymo foi condenado por improbidade administrativa quando foi secretário municipal de Governo de Campo Grande na gestão de André Puccinelli, mesmo período em que Martins integrou o primeiro escalão.
O juiz David de Oliveira Gomes Filho o condenou a devolver R$ 508 mil, pagamento de multa civil de R$ 750 mil, suspensão dos direitos políticos por sete anos, proibição de contratar com o poder público por cinco anos e a perda do cargo de conselheiro, que lhe garante um supersalário no TCE.
O relator no TJMS foi o desembargador João Maria Lós. A votação, que teve os votos de Sérgio Martins e Divoncir Schreiner Maran, foi unânime pela anulação da sentença e absolvição dos réus, como Wilson Cabral Tavares, o empresário Hugo Sérgio Siqueira Borges e a empresa Apoio Comunicação Total. No total, o grupo foi condenado a devolver R$ 7,087 milhões, que deveriam ser atualizados pela inflação.
Vídeo
Sérgio Martins também foi o responsável pela liminar pedida por Reinaldo Azambuja (PSDB) para tirar do ar o vídeo em que o vereador Tiago Vargas (PP) o chamava de corrupto, bandido e canalha. Denunciado na Operação Vostok por supostamente ter recebido R$ 67,7 milhões em propina da JBS e ter causado prejuízo de R$ 209,7 milhões aos cofres estaduais, o tucano se livrou do vídeo após apelar ao Tribunal de Justiça.
As brigas de Sérgio Martins com os juízes, inclusive o titular da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, Ariovaldo Nantes Corrêa, para viabilizar o desmatamento do Parque dos Poderes, são citados pela PF na Operação Ultima Ratio.
Com base no acórdão do presidente afastado do TJMS, a defesa dos réus na Operação Lama Asfáltica pediu a suspeição do magistrado, o que é considerado uma mancha na carreira. Prevendo uma derrota, David de Oliveira Gomes Filho pediu para sair da Vara de Direitos Difusos.
Além de Martins e Brito, o STJ determinou o afastamento e o monitoramento por tornozeleira eletrônica dos desembargadores Alexandre Bastos, Vladimir Abreu da Silva e Sideni Soncini Pimentel. Os outros dois investigados são Divoncir Schreiner Maran, que já foi alvo da Operação Tiradentes, e Júlio Roberto Siqueira Cardoso.