A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região negou habeas corpus para trancar a ação penal contra seis réus acusados de fazerem parte da “Máfia do Coração” e causarem prejuízos de R$ 950,3 mil ao Hospital Universitário de Campo Grande. Com isso, ficam mantidas as audiências de instrução e julgamento marcadas para começar na próxima quinta-feira, 21 de novembro.
O habeas corpus foi ajuizado pela defesa de Emanuela Cardoso Freire e Figueiredo. Segundo a denúncia do Ministério Público Federal, ela teria colaborado com a prática do crime de lavagem de capitais pelo seu marido, Pablo Augusto de Souza e Figueiredo, para esconder a propina recebida pelas fraudes em processos de licitação do Hospital Universitário de Campo Grande, no ano de 2016.
Veja mais:
Réus da “máfia do coração” começam a ser julgados por prejuízos de R$ 950,3 mil ao HU
Autismo de filha nem doença grave garantem liberação de bens de acusado por desvios no HU
Ação contra cardiologista pelo desvio de R$ 3,4 mi no HR tramita em sigilo na 4ª Vara Criminal
Emanuela teria recebido valores em suas contas bancárias entre 2012 e 2017 de seu marido, que é acusado de fraudar licitações e por isso ela o teria auxiliado na lavagem de capitais.
A defesa alega que a denúncia é genérica e não descreveu adequadamente as condutas que teriam sido cometidas por ela, que caracterizariam a sua colaboração para a prática da lavagem de capitais.
Os advogados dizem que Pablo Augusto é o proprietário da empresa Amplimed, que venceu alguns processos licitatórios mencionados na denúncia, mas como um casal eram realizadas transferências de valores entre eles, mas disso não se pode concluir que resta caracterizada a lavagem de capitais pela ré.
Apesar do processo tramitar em segredo de justiça na 3ª Vara Federal de Campo Grande, o voto do relator do caso na 5ª Turma do TRF3, desembargador André Nekatschalow, expõe algumas informações da acusação.
Os acusados são o médico cardiologista Mércule Pedro Paulista Cavalcante e sua esposa, Karina Pedrini Morales Cavalcante, bem como Pablo e sua esposa Emanuela, além de Jorge da Costa Carramanho Junior e José Roberto Alcantara.
Mércule, José Roberto e Pablo são proprietários de empresas ligadas ao setor de saúde: Mércule, da Intercath; José Roberto, da QL Med; Pablo, da Amplimed.
À época dos supostos crimes, o cardiologista exercia a chefia do departamento de hemodinâmica tanto do Hospital Regional do Mato Grosso do Sul (HRMS) quanto do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (HUMAP) da Fundação Universidade de Mato Grosso do Sul (UFMS).
“No exercício dessa função, Mércule é acusado de ter desviado valores que alcança a ordem de R$3,4 milhões. Além disso, entre 18.01.16 e 04.03.16, teria incidido em dispensa ilícita de licitação. A acusação é de que teria atuado diretamente nas contratações da Amplimed de Pablo e da QL Med de José Roberto”, relata o desembargador.
“A denúncia faz referência a alguns elementos indicativos desse conluio. Consta que Pablo é amigo íntimo de Mércule, a ponto deste e sua esposa, Karina, figurarem como fiadores em favor da empresa Amplimed para a locação de um imóvel para uso de filial da empresa em Campo Grande. Por outro lado, em diligência de busca e apreensão, veio a ser encontrada uma escritura pública de compra e venda de determinada sala comercial em nome de Mércule, que se encontrava nas dependências da Amplimed”, prossegue o magistrado.
“Além disso, apurou-se ter havido pagamentos de dívidas, passagens aéreas, hospedagens por parte de Pablo em favor de Mércule. No que se refere a José Roberto, malgrado não se tenha notícia de uma íntima amizade, nem por isso esse deixou de prestar semelhantes favoreces ao responsável pelo setor de hemodinâmica”.
“Longe disso, a QL Med, pertencente a Pablo, participou da aquisição de um equipamento de hemodiálise avaliado em um milhão de reais e que se encontra na Intercath. Essa empresa de Mércule conta, como sua fornecedora exclusiva, exatamente a QL Med de Pablo”.
“Como se vê, a denúncia retrata, a partir de uma relação pessoal e íntima, um cipoal de relações promíscuas e espúrias pelas quais se lograva o desvio de recursos do erário. As esposas de Mércule e Pablo, respectivamente Karina e Emanuela, à luz da denúncia, não deixavam de aderir a esse clima de licenciosa criminalidade”, afirma André Nekatschalow.
A denúncia do MPF menciona que as esposas se prestavam ao papel de testas de ferro dos maridos. Afirma-se ter ocorrido não apenas depósitos contaminados por esse caráter, como especialmente saques em espécie, que encontram alguma correspondência com depósitos em conta de Mércule. Nesse sentido, a denúncia faz referência ao período compreendido entre 2012 e 2016, apontando para a cifra na ordem de R$686 mil.
O relator decidiu que “não prosperam as alegações deduzidas” no pedido de habeas corpus.
“O recebimento da denúncia foi feito com decisão satisfatoriamente fundamentada, consoante transcrito acima. A irresignação da parte é natural, mas não implica acolhimento a fortiori. Também aqui é conveniente recordar a natureza formal dos crimes imputados à paciente, o que torna de duvidosa pertinência a irresignação no sentido de que faltariam indícios ou prova de materialidade”, diz o desembargador André Nekatschalow.
“No mais, a matéria suscitada na impetração evoca fatos complexos que não comportam dilucidação na via estreita do habeas corpus. Cumpre dar andamento a ação penal para que tenha lugar a instrução criminal a respeito dos fatos”, finaliza.
O voto do relator foi seguido de forma unânime pela 5ª Turma, cujo acórdão foi publicado no Diário Oficial Eletrônico da Justiça Federal de quinta-feira, 14 de novembro.
Repetição da Sangue Frio
A ação penal é resultado da Operação Again, deflagrada pela Polícia Federal para apurar desvios na área do coração. Eles viraram réus pelo suposto desvio de R$ 3,4 milhões no Hospital Regional de Mato Grosso do Sul Rosa Pedrossian e de R$ 950 mil no Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian.
A primeira audiência de instrução e julgamento ocorre no próximo dia 21 de novembro, às 14h30 (DF), quando serão ouvidas as testemunhas de acusação e comuns a defesa de Karina e Mércule, e depois prosseguem nos dias 26, 27 e 28 deste mês com as demais oitivas; e continuam em 3, 4 e 5 de dezembro.
De acordo com as investigações, o esquema fraudava licitações causando sobrepreço nos produtos adquiridos. A apuração constatou ainda o recebimento de produtos com prazo de validade e qualidade inferiores ao previsto nos contratos.
Além disso, os integrantes da suposta organização criminosa desviavam os materiais hospitalares – comprados com a finalidade pública de atender à população – para serem utilizados em clínicas particulares.
A operação foi batizada de Again em alusão ao fato de se tratar de esquema semelhante ao desarticulado pela Operação Sangue Frio, em março de 2013, dessa vez com novos integrantes.