A Operação Ultima Ratio jogou nova luz sobre a sentença que liberou o desmatamento do Parque dos Poderes. No contexto das investigações sobre suposto esquema de venda e direcionamento de sentenças, a Polícia Federal reforça a tese de que houve manobra do presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, desembargador Sérgio Martins, para colocar a então juíza Elizabeth Rosa Baisch na 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo Grande, para decidir o processo no lugar do magistrado titular.
O juiz Ariovaldo Nantes Corrêa estava de férias, em janeiro deste ano, quando Elizabeth assumiu seu posto, mesmo não estando na escala de substitutos naturais, e, na semana seguinte, deu o aval para o acordo entre o Ministério Público Estadual e o Imasul (Instituto de Meio Ambiente de MS) que permite a retirada de 18,6 hectares do Parque dos Poderes. Seis meses depois, em julho, ela foi promovida a desembargadora.
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Assim que retornou do descanso, Corrêa anulou a sentença da “intrusa”. O magistrado apontou que a cúpula do Poder Judiciário tem interesse em liberar o desmatamento para a construção do Palácio da Justiça, obra considerada prioridade pelo então presidente, desembargador Sérgio Martins. E ainda lamentou que a corte tenha gasto dinheiro no projeto antes do desmatamento ser liberado pela Justiça.
Ariovaldo Nantes Corrêa também foi ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) citando pressão para viabilizar a construção da obra do Palácio da Justiça e que Elizabeth Baisch ignorou a ordem de vários processos que aguardavam sentença há mais de 100 dias.
Corrêa também deixou claro que a juíza foi promovida a desembargadora do TJMS como “prêmio” pela sentença que homologou o acordo para permitir o desmatamento do Parque dos Poderes.
No entanto, o conselheiro Caputo Bastos, do Conselho Nacional de Justiça, alegou “falta de provas” de que houve “manobra ilegal” para publicar a sentença que homologou o acordo e rejeitou a abertura de procedimento administrativo disciplinar contra a nova desembargadora Elisabeth Rosa Baisch.
Diante da oportunidade, o desembargador Sérgio Martins contra-atacou e pediu a investigação do juiz. O presidente do TJMS ressaltou que houve respeito à escala de juiz natural e não houve manobra para viabilizar o desmatamento. O dirigente até pediu para o CNJ investigar Ariovaldo Nantes Corrêa por ter usurpado competência da corte revisora e ainda pela suposta morosidade no julgamento da ação, que passa de quatro anos.
PF vê sentença “anormal” e reforça tese de manobra
Quando o imbróglio parecia ter ficado no passado, veio a deflagração da Operação Ultima Ratio, em 24 de outubro, que apura a suspeita de um verdadeiro balcão de negócios de compra e venda de sentenças no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul e gerou um novo olhar sobre o “toma lá, dá cá” na mais alta cúpula do Judiciário do Estado.
O ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça, definiu que “os fatos até então constatados evidenciam a existência de graves irregularidades e ilegalidades envolvendo a negociação de decisões judiciais no âmbito” do TJMS. O magistrado determinou o afastamento de cinco desembargadores da corte, entre os quais, o presidente Sérgio Martins.
A Polícia Federal não deixou passar batido o imbróglio envolvendo o desmatamento do Parque dos Poderes e reforça a tese de manobra para homologar o acordo.
“Entendemos que os fatos são graves, pois, conforme será exposto, o processo aguardava manifestação das partes, contudo ELIZABETH BAISCH, uma semana após assumir a substituição, proferiu sentença favorável aos interesses do TJMS, tratando-se de um processo complexo, polêmico e com alta repercussão social, envolvendo desmatamento de floresta dentro da cidade de Campo Grande”, dizem os investigadores no inquérito enviado ao STJ.
“A nosso ver, as circunstâncias em que tal sentença foi proferida fogem à normalidade, resultando em fortes indícios de que tenha ocorrido para satisfazer os interesses de SÉRGIO MARTINS em construir novo prédio do TJMS em troca da promoção da juíza a desembargadora, pois se um processo de tal envergadura nem mesmo estava concluso para sentença, por qual motivo a magistrada teria proferido tal decisão com tamanha velocidade, tendo diversos outros processos nas duas varas pelas quais estava respondendo”, defendem.
A Polícia Federal cita o acórdão da 2ª Câmara Cível do TJMS que, no fim de setembro, por dois votos a um, indeferiu agravo do Governo do Estado que buscava reverter a decisão do juiz Ariovaldo Nantes Corrêa que anulou a sentença da então juíza Elisabeth Rosa Baisch.
“Tal decisão, a nosso ver, reforça ainda mais as graves acusações formuladas pelo juiz ARIOVALDO CORRÊA contra o desembargador SÉRGIO MARTINS”, afirma a PF.
Os investigadores defendem que o “grave conflito” envolvendo o presidente do TJMS e o titular da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo Grande, que acarretou em denúncia ao Conselho Nacional de Justiça, “reforçam os indícios de que tal desembargador esteja envolvido em vendas e direcionamentos de decisões judiciais”.