A Polícia Federal suspeita que a advogada Camila Cavalcante Bastos tenha ocultado patrimônio em sua Declaração de Imposto de Renda de pessoa física e seu escritório, beneficiado com decisões do seu pai, o desembargador Alexandre Aguiar Bastos, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Após o escândalo revelado pela Operação Ultima Ratio, ela pediu afastamento da vice-presidência da OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil, seccional de MS).
Os investigadores apontam que foi identificado uma Declaração de Operação Imobiliária (DOI), de 27 de fevereiro de 2020, em que Camila Bastos e seu então marido como compradores, cada um responsável por 50%, de um imóvel no valor de R$ 600 mil, com pagamento à vista. No entanto, a advogada não informou tal propriedade em sua Declaração de Imposto de Renda ano-calendário 2020, nem em qualquer outra, segundo a PF.
Veja mais:
Afastado por corrupção, presidente do TJ ganhou R$ 1,2 milhão em salários em apenas 9 meses
Filho de presidente eleito do TJ tem 6 empresas sem funcionários, mas capital de R$ 12 mi
STF assume inquérito sobre venda de sentenças envolvendo desembargadores do TJMS
O relatório da PF informa, também, que não foram identificadas outras DOIs que pudessem indicar a venda do imóvel. “Desse modo, é possível que CAMILA BASTOS esteja ocultando tal patrimônio”, conclui a investigação.
Ainda chamou a atenção dos investigadores um Relatório de Inteligência Financeira no qual, aparentemente, refere-se à operação de compra e venda do imóvel. Isso porque, conforme relato, Camila Bastos e seu então marido teriam realizado parte do pagamento através de R$ 144 mil em espécie.
“Ocorre que, conforme DIRPF de CAMILA BASTOS, ela não declara possuir valores em espécie, levantando o questionamento da origem e licitude de tais recursos”, destaca a PF.
Informações do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) apontaram operações suspeitas efetivadas por servidores do TJMS e assessores do desembargador Alexandre Aguiar Bastos, envolvendo dinheiro em espécie e efetivação de pagamento de boletos, também em espécie, em favor do magistrado.
Alexandre Bastos assumiu seu posto no TJMS na vaga de advogado indicada pela OAB-MS, pelo Quinto Constitucional, em dezembro de 2016. Antes, ele era dono do escritório em que sua filha, Camila, trabalha atualmente. A Polícia Federal afirma que o Coaf identificou que o escritório estaria movimentando valores superiores à sua capacidade financeira aparente, tendo recebido valores de diversos órgãos públicos.
O escritório de advocacia teria contrato com a Prefeitura de Costa Rica. Ainda segundo o relatório, o desembargador Alexandre Bastos teria sido relator em dois julgamentos de processos relacionados à Prefeitura de Costa Rica, um no dia 29 de julho de 2022 e o outro no dia 04 de dezembro daquele ano, período contemporâneo ao envio de recursos do município para o escritório.
“Ou seja, conforme os dados obtidos, ALEXANDRE BASTOS julga processos de prefeitura que possui contrato firmado por inexigibilidade de licitação com o escritório de sua filha”, diz a PF.
Outra informação do Coaf é que entre os principais destinatários dos recursos do escritório de Camila Bastos está a empresa Consalegis Ltda, com sete lançamentos no total de R$ 53,5 mil.
“Acontece que, conforme banco de dados disponíveis, a empresa CONSALEGIS já teve ALEXANDRE BASTOS como um de seus sócios, e o afastamento de sigilo bancário apontou que ALEXANDRE BASTOS constaria como procurador de ao menos uma conta bancária da referida empresa ainda em 2024”, diz a investigação.
“Desse modo, chama a atenção o fato de ALEXANDRE BASTOS ter julgado processos de uma prefeitura que seria cliente de sua filha e que os vínculos financeiros demonstram interligação com ele”, argumenta a PF.
As informações constam na decisão do ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça, em que autorizou a Operação Ultima Ratio e a expedição de 44 Mandados de busca e apreensão nas cidades de Campo Grande, Brasília (DF), Cuiabá (MT) e São Paulo (SP), na quinta-feira, 24 de outubro.
O ministro do STJ autorizou a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Camila Bastos e outros investigados, e busca e apreensão na residência e no escritório da advogada.
Francisco Falcão definiu que “os fatos até então constatados evidenciam a existência de graves irregularidades e ilegalidades envolvendo a negociação de decisões judiciais no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul”.
Como a suspeita de negociações de sentenças chegou ao envolvimento de ministros do Superior Tribunal de Justiça, o inquérito foi enviado ao Supremo Tribunal Federal na sexta-feira, 25 de outubro.
Além de deixar a vice-presidência da OAB/MS, Camila Bastos foi substituída como vice na chapa de Bitto Pereira, que busca a reeleição como presidente da entidade. Em seu lugar, entrou a advogada Marta do Carmo Taques.
Advogada nega irregularidades
Em entrevistas, Camila nega qualquer envolvimento com suposto esquema de comércio de sentenças no TJMS e que foi foi citada na decisão apenas como “alvo de busca” para fins de esclarecimento de fatos. Afirma não ser investigada, indiciada, tampouco denunciada.
“O imóvel em questão, o único de minha propriedade inclusive, foi adquirido enquanto eu estava casada. Na ocasião foi dada uma entrada de 20%, parcelada, e o restante financiado pela conta do meu esposo, à época. Por esta razão foi informado tudo na declaração de Imposto de Renda do meu marido. Não há qualquer ocultação de patrimônio, o imóvel foi devidamente declarado e está financiado até a data de hoje”, disse a advogada ao Campo Grande News.