A Justiça Federal condenou Alcides Manuel do Nascimento pelo crime de corrupção passiva a cinco anos e sete meses de prisão, no regime semiaberto, e a perda dos bens apreendidos até a soma de R$ 1,330 milhão em favor da União. O empresário foi alvo da Operação Sangue Frio, da Polícia Federal, e denunciado como ‘laranja’ do ex-diretor geral do Hospital Universitário, o médico José Carlos Dorsa Vieira Pontes, e teria sido beneficiado pelo pagamento de propina.
Conforme denúncia do Ministério Público Federal, Alcides é um dos sócios da Cardiocec Serviços, Comércio e Representações, porém, na realidade, a empresa era de propriedade e administrada de fato por José Carlos Dorsa. A descoberta foi feita através de depoimentos e interceptações telefônicas obtidas na operação deflagrada em 2013.
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Alcides e José Carlos teriam recebido R$ 695,7 mil em 44 transferências bancárias. E também ocultaram e dissimularam a natureza, origem e propriedade do valor total de R$ 595,7 mil proveniente de recebimento de vantagem indevida, por meio de 43 transferências para a empresa Cardiocec.
Todas as transferências foram feitas pela Biotronik Comercial Médica Ltda, por ordem de Daniel Eugênio dos Santos, em contrapartida à aquisição, pelo hospital, de materiais hospitalares fornecidos pela empresa.
Os pagamentos e transferências eram realizados para José Carlos Dorsa e outros membros da Máfia do Câncer por favorecimentos à Biotronik, vencedora de licitações para o fornecimento de materiais hospitalares utilizados em procedimentos médicos cirúrgicos em pacientes do HU.
Na Operação Sangue Frio foram apreendidos documentos com anotações de Dorsa e planilhas nos endereços dos investigados, que foram confrontados com os procedimentos realizados e com transferências bancárias realizadas pela Biotronik, o que demonstraria tratar-se de pagamento de contrapartidas pela empresa favorecida.
Apenas Alcides Manuel responde a estas acusações, porque José Carlos Dorsa morreu em uma sauna da Capital, em março de 2018. Já Daniel Eugênio teve decretada a extinção de sua punibilidade por prescrição.
Sentença
O juiz Bruno Cezar da Cunha Teixeira, da 3ª Vara Federal de Campo Grande, concluiu que restou suficiente comprovado que Alcides Manuel e José Carlos Dorsa possuíam sociedade em mais de uma pessoa jurídica e que a Cardiocec foi criada a partir da iniciativa do ex-diretor do Hospital Universitário, junto a técnicos perfusionistas que já lhe prestavam serviços, com intuito de constituir uma empresa prestadora de serviços junto aos hospitais públicos, que pudesse participar de licitações e ser remunerada com recursos públicos.
Em juízo, Alcides Manoel confirmou que era companheiro de Dorsa, residiam no mesmo endereço e tinham “uma vida em comum, com certa confusão patrimonial, pois dividia as despesas da casa, do dia-a-dia, de viagem, de reformas, de automóvel que comprou”.
A inclusão do empresário no quadro societário da Cardiocec foi idealizada pelo então diretor do Hospital Universitário, que o indicou para que atuasse como administrador da empresa. O outro sócio, em depoimento durante o julgamento, relatou nunca ter participado da gestão da firma nem tinha acesso ao seu faturamento, o que passou a ser feito por Alcides a pedido de Dorsa.
As conversas telefônicas obtidas pela Operação Sangue Frio comprovaram que Dorsa , além de idealizador da Cardiocec, também era o seu gestor, visto que orientava Alcides acerca de formalização de contratos, emissão de notas fiscais, participação em licitação, investimentos, pagamento de imposto e outras obrigações.
“Ocorre que os diálogos interceptados afastam qualquer dúvida quanto à interferência e à gestão de JOSÉ CARLOS DORSA, em parceria com ALCIDES MANUEL DO NASCIMENTO, da empresa CARDIOCEC. A partir dessa premissa, é possível concluir que ambos se beneficiavam dos valores que ingressavam na conta da CARDIOCEC, supostamente como pagamento de vantagem indevida em razão da função pública exercida por DORSA, o que será analisado adiante”, relata o magistrado.
No período de gestão de José Carlos Dorsa junto ao Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (Humap), a empresa Biotronik Comercial Medica Ltda. foi vencedora em sucessivos processos licitatórios para o fornecimento de marca-passos e outros materiais a serem utilizados em procedimentos médico-cirúrgicos e sua prestação de serviços estendeu-se até a deflagração da Operação Sangue Frio, em março de 2013.
A quebra de sigilo bancário mostrou operações financeiras envolvendo a Biotronik, a Cardiocec, e Alcides Manuel.
No período de 15 de julho de 2009 a 28 de agosto de 2012, a Biotronik repassou à Cardiocec, no total de R$ 595.775,30, o que corresponde a quase 17% do valor recebido em razão dos contratos junto ao HU no mesmo período. Já para a conta pessoal de Alcides, a Biotronik transferiu R$ 100 mil, em 11 de novembro de 2011.
De acordo com nota técnica da CGU, ficou evidente que Alcides e José Carlos Dorsa eram os reais beneficiários dos valores que ingressaram na conta da Cardiocec. O ex-diretor do HU recebia pagamentos fixos da Biotronik de R$ 17 mil. Um adiantamento de R$ 100 mil líquido, é a quantia exata recebida por Alcides em novembro de 2011.
“Nada obstante, alguns diálogos interceptados demonstram que havia um certo “combinado” entre o Diretor HUMAP e as empresas fornecedoras de materiais hospitalares, que se relacionavam a licitações e contratos do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian e do Hospital Regional Rosa Pedrossian, conforme analisado no Relatório de Inteligência […]”, relata o juiz Bruno Cezar Teixeira.
No verso de planilha apreendida na residência de Dorsa e do parceiro, foram encontradas anotações feitas manualmente pelo ex-diretor do HU, tendo ele confirmado, perante a autoridade policial, serem “de seu punho os escritos lançados no verso do citado documento”.
Os manuscritos se referem a valores líquido/mês e bruto/mês reajustados e o montante de R$ 17 mil coincide com o “PGTO FIXO BIOTRONIK”, indicado no anverso do documento. Também um adiantamento de R$ 100 mil líquido, tratando-se da quantia exata recebida por Alcides, e R$ 25 mil relacionados a “diferença acerto”, condizente com os R$ 25.529,42 indicados como “ACERTO DA DIFERENÇA” no anverso do documento, bem como com a transferência do dia 26/09/2011, no valor de R$ 24.011,16 para a Cardiocec (com um percentual de subtração muito próximo aos 6.15% utilizado nas transações).
A defesa de Alcides Manuel do Nascimento alegou que os valores recebidos pela Biotronik eram contraprestação por serviços prestados nos procedimentos de implantação e avaliação marca-passo nos hospitais. Além disso, afirmou que a acusação não é verdadeira, que em nenhum momento Dorsa participou da administração da Cardiocec, que ele era a pessoa que administrava e em nenhum momento o companheiro interveio nisso ou participava dessa administração.
Os representantes da Biotronik ouvidos em juízo, porém, disseram desconhecer a existência de acordo contratual com a Cardiocec. E as provas apontaram que os pagamentos eram feitos por ordem do próprio responsável da empresa, Daniel Eugênio dos Santos, que teve decretada a extinção de sua punibilidade por prescrição.
“A versão defensiva não encontra respaldo nas provas produzidas nos autos. A ausência de formalização do contrato entre CARDIOCEC e BIOTRONIK impossibilita a verificação de quaisquer elementos do suposto acordo, em especial do objeto contratado. Esta circunstância, por si só, já chama a atenção pela aparente inconsistência com a vultosidade dos valores envolvidos; ademais, a informalidade contratual não é característica em contratações com empresas que prestam serviços e fornecem produtos com alto grau de especialidade e, tanto menos, no espectro da preparação de contratações públicas em que ambas, por um liame claro, se ligavam a DORSA”, discorre o magistrado.
“À vista de todo o exposto, verifico que o cotejo dos elementos probatórios permite formar o convencimento deste juízo, acima de qualquer dúvida razoável, no sentido de que o réu, agindo de forma livre e consciente, em concurso e com unidade de desígnios com JOSÉ CARLOS DORSA VIEIRA PONTES, recebeu, para si ou para outrem, no período de 15/07/2009 e 28/08/2012, vantagens indevidas consistentes no valor total de R$ 695.776,02”, concluiu o magistrado.
Além do crime de corrupção, Alcides Manuel do Nascimento também é réu por lavagem de dinheiro. No entanto, o juiz Bruno Cezar da Cunha Teixeira entendeu que “houve o mero aproveitamento” dos recursos obtidos ilegalmente e o absolveu desta acusação.
Alcides Manuel foi condenado a penas de cinco anos, sete meses e 15 dias de reclusão, no regime semiaberto, mais 120 dias-multa, fixado o valor de cada dia-multa em 1/10 (um décimo) do maior salário mínimo vigente ao tempo do crime.
Também foi decretado o perdimento em favor da União dos bens apreendidos em nome do empresário até o montante total atualizado de R$ 1.330.170,97, na data da denúncia.
A sentença foi publicada no Diário Oficial Eletrônico da Justiça Federal de terça-feira, 15 de outubro. O condenado poderá apelar em liberdade.