A Justiça Federal condenou o empresário João Alberto Krampe Amorim dos Santos, 71 anos, a quatro anos e nove meses de reclusão, em regime inicial fechado, por ter omitido o recebimento de R$ 23,770 milhões em rendimentos tributáveis na sua declaração de imposto de renda de 2013. O auto de infração lavrado pela Receita Federal estabeleceu, em fevereiro de 2020, o valor de R$ 14,618 milhões referente ao imposto devido, juros e multa.
Conforme a sentença da juíza Maria Isabel do Prado, da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo, acórdão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) fixou os rendimentos omitidos em R$ 23.770.469,28 e o imposto de renda de pessoa física sonegado em R$ 6.527.800,67, acrescido da multa de ofício de R$ 4.895.850,50 e dos juros de mora. O débito foi constituído definitivamente em 18 de março de 2020, não havendo registros de pagamento, parcelamento ou outras causas de suspensão ou extinção da dívida.
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Inicialmente, foi estabelecido que os rendimentos tributáveis omitidos somavam R$ 24.020.469,28. O valor é referente a quatro depósitos na conta de João Amorim, decorrentes de cheques compensados de titularidade de Ana Paula Amorim Dolzan, sua filha, durante o ano de 2012, que totalizaram R$ 416 mil.
Além disso, foram o omitidos do imposto de renda dois depósitos efetuados pelo empresário em conta bancária própria que somaram R$ 2.631.530,00; setenta créditos em contas correntes do acusado, oriundos da empresa Proteco Construções Ltda., da qual o réu é sócio, no total de R$ 20.382.996,72. E outros oito depósitos na conta do empresário totalizando R$ 589.942,56.
Justificavas
Em relação aos quatro depósitos recebidos de Ana Paula Amorim Dolzan, a Receita Federal considerou que “a coincidência de valores e datas entre os créditos em conta do fiscalizado e os cheques emitidos por Ana Paula Amorim Dolzan não são suficientes para comprovar a origem (procedência e natureza) dos referidos depósitos tendo em vista que apenas indicam a procedência dos valores, mas não justificam a que título foram creditados ao contribuinte”.
No que diz respeito aos dois depósitos supostamente recebidos de Elza Cristina Araújo dos Santos, a defesa apresentou instrumento particular de confissão de dívida assinado em 20 de novembro de 2012, com firma reconhecida, entre Amorim, na condição de confitente devedor, e Elza Cristina, na qualidade de credora.
Conforme os termos do instrumento de confissão de dívida, Elza Cristina seria credora de R$ 2.631.530,00, alusivo a empréstimo pessoal realizado ao sócio. Ao que Amorim informou este montante na DIRPF do ano-base 2012, na ficha “dívidas e ônus reais” referente ao empréstimo.
Porém a juíza Maria Isabel do Prado aponta que João Amorim “nunca apresentou comprovantes de restituição dos valores emprestados”.
“O fisco considerou que o termo de confissão de dívida e os dois comprovantes de depósitos efetuados pelo próprio favorecido não indicam a procedência dos valores nas contas de Elza e não esclarecem a que título os créditos foram efetuados na conta de JOÃO ALBERTO. A RFB considerou ser “imprescindível para a comprovação da origem dos referidos créditos que se possa verificar na documentação […]”, relata a magistrada.
Já os setenta créditos identificados como oriundos da empresa Proteco Construções Ltda, a defesa apresentou setenta contratos de mútuo celebrados entre a construtora (mutuante) e João Amorim (mutuário).
Embora os instrumentos mencionem as partes, o valor da dívida, prazo de devolução e juros remuneratórios, a Receita Federal Brasileira constatou irregularidades nos contratos de mútuo apresentados.
“À luz dessas circunstâncias, a Receita Federal entendeu que “a apresentação de documentos particulares, coincidentes em datas e valores, destinados a comprovar a mesma relação jurídica, ou seja, o contrato de mútuo, mas divergentes quanto à assinatura do mutuante e testemunhas, efetuada pelo contribuinte em suas duas manifestações não constituiu meio suficiente para comprovar e justificar a origem dos créditos efetuados em suas contas bancárias”. Foi referida, além disso, a falta de comprovação de pagamentos feitos pelo acusado para restituir os alegados empréstimos”, relata a juíza.
Por fim, para os demais oito depósitos/créditos na conta de Amorim, totalizando R$ 589.942,56, o réu não ofereceu explicações nem apresentou documentos, motivo pelo qual tais valores foram glosados e considerados como rendimentos omitidos.
“Dessarte, o Fisco concluiu que, embora JOÃO ALBERTO KRAMPE tenha trazido elementos para comprovar a procedência da maior parte dos créditos, não logrou comprovar a sua natureza jurídica, isto é, a que título os valores foram recebidos, apesar de ter sido o contribuinte reiteradamente intimado a documentar a natureza dos recursos utilizados em cada operação a crédito”, prossegue a magistrada.
Empréstimo de R$ 20 milhões nunca pago
Em julgamento de recurso, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) somente excluiu da base de cálculo o valor de R$ 250 mil, referente a empréstimo tomado de Ana Paula Amorim. Com isso, o valor final omitido ficou em R$ 23.770.469,28.
Em depoimento ao juízo, Elza Cristina Araújo dos Santos, ouvida como informante, por ser sócia do réu nas empresas Proteco, Ase e Kamerof, confirmou que fez empréstimo para o acusado no ano de 2012, em valor aproximado de R$ 2,4 milhões.
A sua intenção era de ser reembolsada, pois o valor foi retirado da distribuição de lucros a que fazia jus na empresa Kamerof. A negociação foi formalizada por meio de confissão de dívida, e tudo foi registrado na contabilidade de pessoa física e jurídica. Declarou, ainda, que assinou os contratos de mútuo da Proteco em favor de João Amorim por procuração.
A juíza Maria Isabel do Prado, porém, afirmou em sua sentença que a “narrativa do acusado, da defesa técnica e da informante Elza Cristina quanto à natureza dos valores, contudo, é inverossímil e dissonante da robusta prova produzida, encontrando-se isolada nos autos”.
A magistrada argumenta que em relação aos valores recebidos da pessoa jurídica Proteco Construções Ltda., na monta de R$ 20.382.996,72, embora comprovadamente tenham advindo da empresa, não foi demonstrado que tenham ocorrido a título de mútuo.
“Pelo contrário, o acervo probatório é seguro ao demonstrar que os créditos constituíram rendimentos tributáveis do acusado e que os setenta contratos de mútuo foram simulados pelo acusado para disfarçar a natureza das operações”, definiu.
“Causa estranheza que os três funcionários da empresa que assinaram os contratos como testemunhas, inquiridos em juízo, nada souberam dizer sobre o teor e conteúdo dos contratos, apesar da grande importância e impacto dos supostos contratos de mútuo sobre a esfera jurídica da empresa, por envolver o empréstimo de mais de vinte milhões de reais para o sócio majoritário, JOÃO ALBERTO”, discorre.
A suposta dívida com a Proteco, que deveria constar na ficha “dívida e ônus reais” da DIRPF, nem sequer foi declarada pelo empresário.
“A experiência comum indica ser improvável que alguém que verdadeiramente tomasse empréstimo de mais de vinte milhões de reais num ano pudesse esquecer de informar esse fato na declaração de ajuste anual, ainda mais considerando que o acusado apresentou declaração retificadora e novamente deixou de consignar os supostos empréstimos”, pondera a juíza.
“Inconcebível”
Antes de estabelecer a pena, Maria Isabel do Prado afirmou ser “absolutamente inconcebível que um empresário bem sucedido, sócio majoritário de uma empresa com capital social superior a R$ 5 milhões, que declara ser proprietário de duas salas comerciais, três casas residenciais, entre outros bens e valores que perfazem um patrimônio de mais de R$ 22 milhões, nada tenha recebido a título de renda ou proventos durante todo o ano de 2012, que não os valores decorrentes dos supostos mútuos”.
“Essa circunstância soma-se ao sólido conjunto probatório a comprovar a fraude perpetrada pelo réu, que auferiu renda de ao menos R$ 23.770.469,28 no ano de 2012; omitiu os valores na sua declaração de ajuste anual; sonegou e suprimiu o imposto de renda devido naquele ano (como se vê na DIRPF, o acusado não pagou um único centavo de imposto de renda no ano de 2012); e, enfim, para assegurar a ocultação, a impunidade e a vantagem da evasão fiscal, celebrou negócios jurídicos simulados (setenta contratos de mútuo e termo de confissão de dívida), para encobrir os rendimentos como se fossem oriundos de empréstimos, com o propósito de tentar enganar a Receita Federal.”
“A versão do réu, portanto, não apenas não se fez acompanhar de provas aptas a respaldá-la, apesar do ônus que lhe cabia (art. 156 do CPP), mas também não encontra lastro no sólido e coeso acervo probatório angariado na investigação e instrução”.
“O acusado, no entanto, com vontade livre e consciência, entregou ao Fisco a declaração de ajuste anual (DIRPF) do exercício de 2013 com a omissão de valores creditados em contas bancárias suas, impedindo o conhecimento por parte da autoridade fazendária da ocorrência do fato gerador do imposto devido no ano-calendário de 2012, sobre os rendimentos que lhe representaram acréscimo patrimonial.”
“Desse modo, a versão fantasiosa e implausível dos fatos apresentada pelo acusado, destituída de respaldo probatório idôneo, não logrou suscitar qualquer dúvida sobre a sua responsabilidade criminal, que, isto sim, foi provada à saciedade pelas provas em apreço, de modo que a acusação se desincumbiu do ônus que lhe cabia”, finaliza a magistrada.
O empresário João Alberto Krampe Amorim dos Santos foi condenado pela juíza da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo à pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 225 (duzentos e vinte e cinco) dias-multa, no valor unitário de 5 (cinco) salários-mínimos mensais vigentes à época dos fatos, aumentada a multa ao triplo.
A sentença foi publicada no Diário Oficial Eletrônico da Justiça Federal de segunda-feira, 7 de outubro. João Amorim poderá recorrer da sentença.