Após a morte do indígena Neri da Silva, o Supremo Tribunal Federal homologou um acordo histórico entre produtores rurais e indígenas de Antônio João para colocar fim a um conflito de sete décadas. O Governo vai pagar R$ 198 milhões aos fazendeiros e pequenos produtores rurais em troca da entrega da terra indígena Ñande Ru Marangatu, com 9.570 hectares aos 1.349 indígenas da etnia Guarani Kaiowá.
O acordo foi homologado pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, em reunião com todas as partes nesta quarta-feira (25) em Brasília. O Governo federal vai pagar R$ 27,887 milhões pelas benfeitorias – o valor será atualizado pela inflação e taxa Selic (só pela inflação supera R$ 80 milhões). O Governo estadual vai repassar mais R$ 16 milhões.
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Apesar da Constituição não permitir a indenização pela terra nua, o acordo prevê o pagamento de R$ 102,1 milhões pela terra como parte do esforço para acabar com o conflito. Os produtores rurais se comprometeram a desocupar as propriedades 15 dias após o pagamento das benfeitorias. As famílias da Vila Campesina vão receber R$ 821 mil pelas benfeitorias e reassentadas em outro local.
O maior valor das benfeitorias, sem atualizar os valores, será o produtor rural Pio Silva, dono das fazendas Barra, Cedro e Fronteira, que vai receber R$ 13,3 milhões. Em 2º lugar fica Clarinda Barbosa Arantes, da Fazenda Primavera, com R$ 6,7 milhões.
“As partes se comprometem a suspender imediatamente os atos de hostilidade. A Polícia Militar do Estado do Mato Grosso do Sul manterá o policiamento ostensivo apenas na área da Fazenda Barra e na estrada até a Rodovia, utilizando o uso proporcional da força quando estritamente necessário”, diz a ata do encontro.
Também ficou acertado que os índios poderão realizar o funeral de Neri da Silva no próximo sábado (28). “Houve consenso quanto à possibilidade de ingresso na área do local do falecimento do indígena Neri da Silva para fins de realização dos atos fúnebres indígenas de colocação de cruz, de acordo com a cultura indígena, devendo ser permitido o ingresso no próximo dia 28 de setembro das 6h às 17h (horário local), com no máximo 300 (trezentas) pessoas, solicitando-se o apoio da FUNAI e da Força Nacional, pela comunidade indígena e pelos impetrantes, para cumprimento efetivo dessa ocupação temporária, com posterior desocupação imediata e espontânea após o fim do prazo, devendo ser cumprido por todos os envolvidos”, diz.
Com o acordo, os índios vão retornar para a área de onde foram expulsos em 1952, segundo perícia realizada pelos antropólogos da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), Jorge Eremites de Oliveira e Levi Marques Pereira.
“Os Kaiowa ocupavam tradicionalmente a área em litígio e outras áreas de seu entorno desde tempos imemoriais, isto é, desde um passado longínquo e anterior à chegada dos atuais proprietários e seus antecessores à região. Muitas famílias de Ñande Ru Marangatu alegam que de ali foram expulsas entre fins da década de 1940 e meados da década de 1950, isto é, que elas nunca abandonaram a área periciada por sua livre e espontânea vontade”, diz o estudo.
A área foi declarada terra indígena no final dos anos 90 e a briga pela área chegou à Justiça Federal de Ponta Porã em março de 2005. Há 19 anos, produtores rurais lutavam para não sair e os índios insistiam em retomar a área. O conflito foi marcado por conflitos e mortes.
Para marcar a solução do conflito, o ministro Jorge Messias, da Advocacia-Geral da União, e Sônia Guajajara, ministro dos Povos Originários, deverão visitar a terra indígena nos próximos dias.