O ex-governador Reinaldo Azambuja (PSDB) exigiu o pagamento de R$ 1 milhão em troca do Governo do Estado contratar a Compenet Tecnologia, empresa responsável pelo SIGO (Sistema Integrado de Gestão Operacional), que deu prejuízo de R$ 45,180 milhões aos cofres públicos. O suposto acerto foi denunciado pelo empresário Adriano Aparecido Chiarapa em carta protocolada na Governadoria no dia 22 de junho de 2016 e apreendida pelo Ministério Público Estadual.
O ofício, denominado de “Memória de acordos entre Adriano Aparecido Chiarapa e o Governo do Estado de Mato Grosso do Sul” estava junto com a medida cautelar e, agora, foi inclujída junto com as alegações finais do promotor Adriano Lobo Viana de Rezende, coordenador do GECOC (Grupo Especial de Combate à Corrupção) na última quinta-feira (5) na ação civil pública que cobra a anulação do contrato do SIGO e a devolução da fortuna desviada aos cofres estaduais. A ação principal é de acesso público e não está sob sigilo como a cautelar.
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A carta de Chiarapa, apreendida durante um dos cumprimentos de mandado de busca e apreensão na empresa, é o grande trunfo da promotoria de que houve acerto para a contratação ilegal da empresa sem licitação. Rezende destacou que a “fraude foi decidida em 2014 em decorrência de corrupção”.
O acerto do suposto pagamento de R$ 1 milhão foi acertado em 2014. O empresário revela que pagou R$ 800 mil e efetuou os depósitos para as pessoas indicadas pelo empresário Ivanildo da Cunha Miranda, indicado pelo advogado Rodrigo Souza e Silva, que ele chama no documento de “Rodrigo Azambuja”, filho do tucano, para concluir as negociações.
No entanto, a Compenet só foi contratada pelo Governo estadual, com dispensa de licitação, apenas em setembro de 2016, três meses após Adriano Chiarapa protocolar o ofício revelando como ocorreu o acerto para o pagamento de R$ 1 milhão e a retirada das ações contra a Itel Informática, empresa de João Roberto Baird, o Bill Gates Pantaneiro.
Promotor destaca corrupção para contrato
O promotor Adriano Lobo Viana de Rezende aponta que houve corrupção no contrato do SIGO, que causou prejuízo de R$ 45.180 milhões aos cofres públicos. O MPE pede a anulação do contrato, o ressarcimento do erário e o repasse da tecnologia do sistema para o Governo do Estado.
Nas alegações finais, o MPE destaca o ofício encaminhado pelo empresário ao Governo do Estado no dia 22 de junho de 2016 com detalhes de como as negociações teriam ocorrido. “Na visão do requerido Adriano Chiarapa, mesmo pagando vultosas vantagens indevidas e atendendo aos anseios particulares de agentes públicos e privados, até então (junho/2016) não tinham cumprido o ‘acordo’ ilícito entabulado, isto é, ele e sua empresa não tinham sido contemplados com substancioso contrato administrativo”, pontuou Adriano Rezende.
“E é em razão desse inconformismo que elaborou o documento por ele assinado, junto com documentos também apreendidos, o qual nominou de ‘Memória do ACORDO entre AAC – SERVIÇOS E CONSULTORIA LTDA e Governo do Estado de Mato Grosso do Sul’, onde categoricamente reconhece ter praticado um ‘crime’ e, em tom de ameaça, diz que ‘o logro era permanecer com os contratos e seus respectivos valores. Contrapartida o pagamento de R$ 1.000.000,00 e a desistência do processo da ITEL Informática Ltda.’”, destacou o promotor.
“Note-se: o documento foi formalmente apresentado ao Governo no dia 22 de junho de 2016, momento imediatamente anterior ao ilícito procedimento de inexigibilidade de licitação (objeto desta ação), que por fim culminou na contratação indevida em benefício dos requeridos Adriano Chiarapa e sua empresa Compnet Tecnologia”, apontou o promotor.
A empresa foi contratada sem licitação em setembro de 2016. Na ocasião, para justificar a dispensa de licitação, a Superintendência de Gestão de Informação, comandada por Alessandro Menezes de Souza, atestou que a Compenet era a única no País a ter a tecnologia do SIGO.
No entanto, ao longo da investigação e durante o julgamento na 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, o MPE provou que sistema semelhante é oferecido por várias empresas no Brasil. Até citou uma que fornece modelos semelhantes para estados do Ceará, São Paulo e Rio de Janeiro.
“A ‘dependência’ não é aos sistemas SIGO e SIGO CADG, reconhecidamente defeituosos, os quais não representam a única solução tecnológica possível à administração pública, longe disto, a suposta ‘dependência’ nada mais é do que a consequência dos atos de corrupção do tipo ‘toma lá, dá cá’”, aponta Adriano.
A negociação
Conforme o ofício, Ivanildo da Cunha Miranda procurou Adriano Chiarapa no dia 1º de dezembro de 2014. O delator da Operação Lama Asfáltica agendou uma reunião, na qual revelou que o governador eleito em outubro, Reinaldo Azambuja, “tinha mudado de ideia” e estava disposto a continuar com o contrato com a empresa.
No entanto, Adriano Chiarapa deveria pagar R$ 1 milhão e desistir das ações contra a empresa do Bill Gates Pantaneiro na Justiça e no TCE. Em outro trecho, o empresário diz que participou de reuniões com “Rodrigo Azambuja” para acertar o pagamento e a retirada das ações. Nos encontros, o herdeiro garantia que tinha o aval do pai para negociar o acordo.
Em outro trecho, ele diz que foi acordado “diretamente” com o “dr. Reinaldo Azambuja”, na presença de secretários e até do então diretor-presidente do Detran, o atual presidente da Assembleia Legislativa, Gerson Claro (PP). A empresa também tinha contrato com o Detran na época.
Ele acabou pagando R$ 800 mil. Mesmo com o dispêndio desse valor, ele não teve êxito em manter o contrato com o Governo. Em outro trecho, o empresário reclama que ficou com dívidas, que somavam R$ 14 milhões.
Somente após ele protocolar o “ofício” com os detalhes da “memória” do suposto acordo, a Compenet acabou ganhando o contrato, sem licitação, em setembro de 2016. O MPE ainda fala que houve o pagamento em quatro meses de serviço previsto para quatro anos.
Ele pretendia receber R$ 1,4 milhão por mês, mas o Governo acertou o pagamento de R$ 760 mil. O valor era 62% superior ao pago anteriormente pelo SIGO, conforme o MPE.
Conclusão do MPE
“Mais uma vez as provas revelam-se robustas e coerentes, e sistematicamente demonstram que decidiram, de forma ilegal e imoral, por afastarem o devido processo licitatório, meio pelo qual direcionaram indevidamente a contratação em benefício ilícito da ora requerida Compnet Tecnologia Ltda. A nulidade do ato e o ressarcimento devido ao erário são consequências inafastáveis do ilícito”, destacou Adriano Lobo Viana de Rezende.
“O argumento é falso, buscam ludibriar. As provas revelam que tudo não passou de simulação dolosa empregada com vistas a criar uma realidade (inexigibilidade de competição) falsa, desconexa da realidade, TUDO COM O NÍTIDO OBJETIVO DE BENEFICIAR O EMPRESÁRIO CORRUPTOR”, frisou, sobre o argumento de que não havia outra empresa para fornecer o sistema para a segurança pública.
“Houve, portanto, uma elevação ilícita, inquestionavelmente justificada em dados falsos, dolosamente manipulados, e em inegável lesão ao erário”, concluiu.
A denúncia tramita desde 7 de novembro de 2019 na 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, comandada pelo juiz Marcelo Ivo de Oliveira.
O Jacaré tentou falar com a assessoria de Reinaldo Azambuja, mas não houve retorno. A posição do ex-governador será publicada assim que houver manifestação a respeito desta denúncia.