Este assunto aqui é debatido desde a segunda metade dos anos de 1960, entre autoridades políticas e empresariais, o esvaziamento da parte central de Campo Grande. Contudo, o tamanho do desfecho para a questão, embora os quase 60 anos de discussões, ainda é microscópico. E o tema retoma os debates, em escala maior, principalmente no período de eleições, no caso, as municipais. Daí surgem as ideias, umas boas, outras desconcatenadas, ao menos entre os concorrentes à chefia do município.
O Jacaré, para destrinchar o assunto ouviu os candidatos a prefeito da cidade, arquitetos especializados no assunto e ex-secretário municipal ligado à questão. Nesta primeira reportagem, a opinião dos especialistas.
Veja mais:
Candidatos expõem problemas da Capital e deixam Adriane na defensiva no 2º debate
Candidatos a prefeito da Capital terão maratona de seis debates no primeiro turno
MS tem 82 candidatos a prefeito milionários e só três são da Capital; 11 superam R$ 10 mi
No último levantamento, divulgado pela Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano), em agosto do ano passado, apontou que o Centro de Campo Grande, perdeu nas últimas três décadas em torno de 20 mil moradores.
Ângelo Arruda, professor aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, arquiteto e urbanista, músico e compositor com mestrado e doutorado, o primeiro presidente da Planurb, a Agência Municipal de Planejamento Urbano, lá em 1987, quase quatro décadas atrás indica números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, que ratificam a questão do esvaziamento do centro da Capital.
Arruda indica os dados que apontam que, em 1991, há 23 anos, a população do centro somava 81,4 mil moradores. Nove anos depois, em 2000, a população caiu para 75,6 mil e, 2010, o contingente da parte central decresceu para 71 mil moradores. E, em 2022, a população era de 61,6 mil.
Conclui-se que os dados do IBGE indicam que em 30 anos a população da região central perdeu em torno de 20 mil moradores.
Ângelo Arruda citou que mesmo com a execução do conhecido Reviva Centro, obra que consumiu US$ 56 milhões e que beneficiou o comércio de uma rua só, a Rua 14 de Julho, a parte central de Campo Grande não contribuiu com o crescimento populacional da cidade.
“E olha que a região tem todas as partes estruturadas com rede esgoto, comércio, linhas de ônibus, tudo”, afirmou o arquiteto. No entanto, para ele, conter o esvaziamento na região não é só um problema municipal. “Deve envolver governo estadual e federal, empresários”, é a aposta o professor.
Do contrário, segundo Arruda, a parte central corre risco de seguir esvaziando. “A cidade espraiou, correu para bairros, periferia, que é mais barato”, afirmou o arquiteto.
Um dos pontos que deve ser enxergado pela classe política como uma alternativa para impedir o esvaziamento seria o de utilizar prédios antigos e transformá-lo em moradia”.
Ainda segundo o arquiteto, o centro precisa de destaques, como diversão, por exemplo, sem isso o centro não sobrevive. E quem [autoridades] atentar a isso contribuirá com a região”.
Antiga rodoviária em point 24 horas
Fayez José Rizk, também arquiteto e urbanista, outro notável conhecedor das causas do esvaziamento da parte central da cidade, ex-presidente da Planurb, aponta uma série de iniciativas que poderiam conter o esvaziamento e deveriam ser postas em práticas em forma de ações coordenadas.
Fayez assim começou: “a atração de público para o Centro, através de horários especiais de funcionamento, especialmente no período noturno, de certas atividades, com incentivos fiscais e culturais”.
Apontou, também, a “adoção, em regime de urgência, do sistema de transporte por ônibus, tendo o Centro como atração, com tarifa subsidiada (quase zero)”.
O arquiteto sustenta ainda como meio de afastar o esvaziamento: “o incentivo à reforma de edificações, através de um fundo financeiro, com financiamento e redução de impostos e taxas, incentivando-se, preferencialmente, as moradias e locais de atração”.
Fayez acrescentou em suas medidas também o “Incentivo à construção de edificações, dentro de um planejamento local, com redução de impostos e taxas e a transformação do prédio da antiga rodoviária em um grande centro de saúde, com funcionamento 24 horas”.
A adoção do IPTU progressivo para edificações que não atendam o interesse social (desocupadas) e redução de impostos para edificações enquanto ocupadas, também são opções contra o esvaziamento, segundo o arquiteto.
Ainda segundo o raciocínio de Fayez: “penso que deveríamos incentivar a ocupação do Centro, com atividades como bares e restaurantes, que funcionassem, por exemplo, até a meia noite e que abrigassem atividades culturais, como música, teatro, exposições, etc. Aliás, timidamente, essa atividade, sem incentivo, já está acontecendo na Rua 14 de julho, entre a Maracaju e a Antônio Maria Coelho”.
Retrofit
Ex-presidente da Agência Municipal de Habitação de Campo Grande, Eneas José de Carvalho Netto, disse que na gestão do ex-prefeito Marquinhos Trad, hoje PDT, o município tentou pôr em prática dois projetos criados com a intenção de reduzir o esvaziamento do Centro de Campo Grande.
Uma das ideias, disse Netto, foi a prefeitura planejar a compra do hotel Campo Grande, erguido no miolo da parte central da cidade e que havia fechado as portas há décadas.
Se o plano desce certo, os cerca de 70 apartamentos do hotel virariam moradia e ali viveriam famílias tidas como de baixa renda.
O propósito não seguiu adiante porque o projeto foi reprovado na Câmara dos Vereadores que suspeitou que o preço do prédio poderia ter sido superfaturado.
Netto contesta até hoje a interpretação do legislativo municipal. Isso porque na avaliação dos parlamentares não se levou em conta que o hotel foi erguido no centro da cidade e a estrutura aos arredores do prédio está pronta e não precisaria de arranjo algum para a mudança dos novos moradores.
Houve ainda manifestações contrárias à iniciativa da prefeitura por parte de alguns líderes empresariais que temiam o que chamaram de criação de uma “favela encaixotada” no local.
Netto disse ainda que à época viajou para São Paulo, primeiro estado a pôr em prática o Retrofit, que é um termo que se refere ao processo de modernização ou revitalização de estruturas ou equipamentos antigos com o objetivo de melhorar a estética e a funcionalidade. Ou seja, o que deveria ser feito no hotel Campo Grande.
O ex-diretor da Agehab revelou ainda que era plano de a prefeitura construir moradias na região da Orla Ferroviária. As casas ou apartamentos seriam construídas para a classe artística da cidade. A ideia, contudo, não seguiu adiante.