A 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul acatou pedido do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) e condenou o empresário Jamil Name Filho, quatro guardas municipais, um advogado e um policial civil por obstrução de investigação de organização criminosa. Eles foram condenados a 34 anos de prisão pelo “limpa” no apartamento do empresário e pela coação da testemunha chave na Omertà.
A decisão é uma reviravolta no caso porque os nove réus foram absolvidos em sentença pelo juiz Roberto Ferreira Filho, da 1ª Vara Criminal de Campo Grande. Em abril de 2022, o magistrado concluiu que faltavam provas de que houve coação de testemunha e obstrução da investigação com a retirada de documentos e armas do apartamento de Jamilzinho.
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Em julgamento realizado no dia 13 deste mês, conforme acórdão publicado nesta segunda-feira (19), o relator, desembargador Luiz Gonzaga Mendes Marques, entendeu que havia provas suficientes para condenar os nove réus pelos crimes de obstrução de investigação com o sumiço de provas e a coação de Eliane Benitez Batalha dos Santos, esposa de Marcelo Rios.
A turma, por unanimidade, com os votos dos desembargadores José Ale Ahmad Netto e Jonas Hass Silva Júnior, condenou Jamil Name Filho a sete anos e seis meses de prisão no regime fechado; os guardas municipais Rafael Antunes Vieira (seis anos e seis meses), Robert Vitor Kopetski (três anos e seis meses), Alcinei Arantes da Silva (três anos) e Rafael Carmo Peixoto Ribeiro (três anos e seis meses); o advogado Alexandre Gonçalves Franzoloso (três anos e seis meses), o policial civil Vladenilson Daniel Olmedo (quatro anos) e Elton Pedro de Almeida (três anos).
Os guardas municipais foram condenados ainda a perda do emprego público na Guarda Civil Metropolitana.
O caso
Jamilzinho decidiu obstruir a investigação após a prisão do guarda civil Marcelo Rios, ocorrida no dia 19 de maio de 2019, com um arsenal de armas de grosso calibre em uma casa no Bairro Monte Libano.
“As referidas condutas dizem respeito ao suposto ‘limpa’ feito no apartamento do réu Jamil Name Filho, iniciado horas após a prisão em flagrante de Marcelo Rios, no dia 19/05/2019. Segundo a acusação, nos dias 19 e 20 de maio de 2019, os réus 1) Rafael Antunes Vieira, 2) Alcinei Arantes da Silva, 3) Andrison Correia e 4) Eltom Pedro de Almeida, todos eles agindo a mando e sob as instruções do réu 5) Jamil Name Filho, foram até o apartamento deste último (cobertura duplex) e retiraram diversas sacolas plásticas, caixas e malas que estavam no local. O intuito seria eliminar qualquer vestígio material capaz de servir como prova para elucidação do grupo criminoso e das atividades então levadas a efeito pelos membros do grupo, garantindo a impunidade tanto dessas atividades quanto das lideranças da organização criminosa”, relatou Marques.
“Conforme o relato acusatório, realizada a prisão em flagrante de Marcelo Rios, Jamil Filho anteviu a possibilidade de deflagração de medida de busca apreensão em seu apartamento, o que efetivamente ocorreu em diligência posterior, judicialmente autorizada, que, todavia, foi inexitosa, pois ocorrida já após a suposta ‘limpa’ no apartamento”, ponderou o desembargador.
“Nesse contexto, portanto, Jamil Filho teria promovido a remoção integral de materiais existentes no seu apartamento, com o fim de impedir a coleta de elementos probatórios para a persecução penal dos fatos relacionados à organização criminosa da qual é apontado como líder”, destacou o magistrado, já que o empresário era apontado como chefe da organização criminosa ao lado do pai, Jamil Name.
Puxão de orelhas em juiz
No acórdão, o desembargador dá um puxão de orelhas no juiz Roberto Ferreira Filho, que exigiu provas da obstrução da Justiça para condenar os réus. Luiz Gonzaga Mendes Marques explicou que não havia como provar já que a obstrução teria sido bem sucedida.
“Em que pese o costumeiro acerto do Magistrado prolator da sentença, respeitosamente, assento que na minha compreensão, o questionamento formulado na sentença é inadequado e impertinente. Não faz sentido exigir prova do conteúdo dos objetos removidos, se o crime se consuma exatamente com a obstrução, com a ocultação, referente à remoção dos materiais. Assim, se foram removidos e não se obteve acesso à totalidade dos referidos materiais, é impossível para a acusação saber o conteúdo integral, até porque tal exigência em verdade resultar-se-ia em mera impunidade decorrente do embaraço às investigações”, rebateu o desembargador.
“É cediço a dificuldade em se perquirir crimes lidados a grandes organizações criminosas, os quais são particularizados pela clandestinidade, eis que estas possuem todo um aparato estruturado e vigente para se evitar a lei e eventual fiscalização, objetivando a proteção de seus membros e da própria organização, ainda mais em relação à cadeia de comando, sendo certo na grande maioria dos casos a ausência de prova direta acerca da infração penal”, frisou.
“Nada obstante, de todos os elementos colhidos nos autos, as provas indiretas, conjugadas com as diretas que se conseguiu, apontam sem sombra de dúvidas a prática do crime de obstrução de justiça em razão da ‘limpa’ do apartamento de Jamil Name filho, pelos Rafael Antunes Vieira, Alcinei Arantes da Silva, e Eltom Pedro de Almeida, a mando do denunciado Jamil Name Filho, logo em seguida da prisão de outro integrante do grupo criminoso, Marcelo Rios. Esclareço que o denunciado Andrison Correia participou da retirada de objetos, mas as provas do dolo de sua conduta não restaram suficientemente demonstradas no autos”, pontuou.
“A respeito do referido suporte de armas, urge destacar que é similar àqueles utilizados pelas Polícias Civil e Militar para a guardar/armazenar fuzis e a outros ofertados à venda na internet, elemento que se conecta com a prisão em flagrante de Marcelo Rios, funcionário de Jamil e Jamil Filho, integrante da organização criminosa, na posse de diversas armas de grosso calibre, como fuzis”, ponderou.
Contradições no depoimento
“O que se extraí do depoimento de Jamil Filho são dois indícios concretos que concorrem em desfavor de todos os denunciados, primo, o fato de ter sido orientado a fugir, tanto ele como seu irmão Jamilson, em razão da prisão de Marcelo Rios com armas, elemento que aponta clara ligação de Marcelo, e possivelmente das armas apreendidas, com a Organização Criminosa liderada pela Família Name”, destacou Marques.
“Das circunstâncias colhidas nos autos, denota-se claramente que Jamil Name Filho anteviu uma busca domiciliar após a prisão de um dos membros de sua organização criminosa, e, por este motivo, resolveu retirar do apartamento itens de conteúdo sensível e possivelmente incriminador ao grupo criminoso”, relatou.
“Outro elemento concreto nos autos corresponde ao forte esquema de segurança existente no apartamento, especialmente na estrutura das portas de entrada e nas portas internas de acesso aos cômodos, constituindo verdadeira fortaleza, o que desvirtua sua natureza meramente residencial, declarada por Jamil Name Filho, em seu interrogatório judicial”, destacou o relator.
“Embora o apelado Jamil Name Filho, no seu interrogatório judicial, mencione que seu apartamento, por se tratar da cobertura e ter uma saída de incêndio, seja um dos mais vulneráveis, verifica-se claramente que o sistema de segurança do local foge à normalidade, além de desvirtuar a natureza da qual declaram o bem, qual seja, meramente residencial”, afirmou, citando as portas de madeira grossa no escritório, com grades, correntes grossa e cadeado.
Coação de testemunha
A turma também condenou o grupo por coagir a testemunha chave na Operação Omertà. Inicialmente, Eliane Batalha se prontificou a entregar a organização criminosa e até se dispôs a integrar o programa de proteção à testemunha. No entanto, ela mudou de ideia e passou a acusar os integrantes da Força-Tarefa.
“A acusação é de que os réus em questão, quais sejam, Flávio, Rafael Antunes, Vladenilson, Robert e Márcio Cavalcanti, coagiram e ameaçaram Eliane em diferentes oportunidades, efetuaram pagamentos em dinheiro e ofertaram outras vantagens econômicas, tudo a mando dos líderes da organização, Jamil Name e Jamil Name Filho, visando calar a testemunha quanto às informações de que dispunha sobre o grupo criminoso, ou mesmo causar nela influência para negar a verdade”, destacou o desembargador.
“É importante relatar que as ofertas e pagamentos em dinheiro feitos a Eliane constituíam meio substancialmente eficaz para o alcance das finalidades almejadas pelos membros da organização, que era o silêncio da testemunha. É que, com a prisão de Marcelo Rios e a seu afastamento da Guarda Municipal, o sustento mensal de Eliane e seus filhos ficou prejudicado, visto que a renda familiar advinha exclusivamente do trabalho desenvolvido por Marcelo”, ponderou.
O papel do advogado também é destacado no acórdão. “Pontuou Peró que após todas as visitas do advogado e réu Alexandre Franzoloso, Marcelo chorava, ficava agitado e, por fim, se retratava do que falava. Mas que as informações de Marcelo eram fidedignas, pois conseguiram apreender armas ante ao seu depoimento”, frisou o relator.
“Aliás, muito pelo contrário a violência à que Eliane foi submetida no curso da investigação adveio da própria organização criminosa, como alhures ressaltado, e fica claramente demonstrada no excerto da 3ª parte de seu depoimento prestado perante os Promotores do GAECO, no qual externa abertamente o medo de ser assassinada”, destacou o desembargador.
Essa é mais uma condenação as outras já aplicadas a Jamil Name Filho e outros integrantes da organização criminosa. A defesa deverá recorrer contra a sentença da 2ª Câmara Criminal do TJMS.