O Conselho Nacional de Justiça pode abrir procedimento para investigar o presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, desembargador Sérgio Fernandes Martins, e a nova desembargadora, Elizabeth Rosa Baisch, pela “manobra” para viabilizar o desmatamento de 18,6 hectares do Parque dos Poderes. A denúncia foi feita pelo juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, que anulou a sentença da magistrada homologando o acordo para desmatar a área.
Conforme a petição protocolada no último dia 12 deste mês ao corregedor-nacional de Justiça, ministro Luís Felipe Salomão, a direção do tribunal pressionou o magistrado para viabilizar a construção da obra do Palácio da Justiça. Além de não estar na escala de juízes substitutos, Elizabeth Baisch ignorou a ordem de vários processos que aguardavam sentença há mais de 100 dias.
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Corrêa também deixa claro que a juíza foi promovida a desembargadora como “prêmio” pela sentença que homologou o acordo para permitir o desmatamento do Parque dos Poderes. Ela foi promovida por merecimento na quarta-feira (24).
O magistrado também deixou claro que o caso teve repercussão negativa na sociedade campo-grandense, mas foi ignorado pelo presidente do TJMS. Não houve investigação para apurar se houve alguma irregularidade no processo envolvendo o desmatamento do Parque, defendido pelo Ministério Público, Governo estadual, Defensoria Pública e pelo Tribunal de Justiça.
Com 27 anos de carreira, Ariovaldo Nantes Corrêa se mostra a altura da frase citada pelo advogado Carmelino Rezende, de que há “juízes em Berlim”. O defensor do meio ambiente poderá acrescentar que também “há juízes em Campo Grande”. “O requerente sabe que seu ato terá consequências, será doravante um pária, mas é o preço que se paga em alguns momentos para a defesa daquilo que se mostra como o mais correto a se fazer”, admitiu o magistrado, sobre as consequências de não concordar com a pressão e levar o caso ao CNJ.
Desmatamento é prioridade
O juiz descreve todo o processo, desde o início, quando o promotor pediu a suspensão da área de 3,3 hectares para a ampliação do prédio da Secretaria Estadual de Fazenda, até o pedido para homologar o acordo para desmatar 186 mil metros quadrados do Parque.
“Nesse meio tempo, outros cidadãos também solicitaram a admissão como assistentes litisconsorciais e foi determinada a prévia manifestação das partes em atenção aos artigos 9º e 10 do CPC, mas, no curso das férias do titular da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos desta comarca e do prazo para manifestação das partes, foi designada, fora da escala de substituição e sem qualquer justificativa por parte da administração do TJ/MS, a Juíza Elizabeth Rosa Baich para substituir o titular da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos desta comarca, que solicitou ao cartório a remessa dos autos a ela e proferiu sentença”, contou o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa.
“Na sentença, a juíza em substituição inadmitiu o ingresso das pessoas físicas como assistentes do requerente Ministério Público do estado de Mato Grosso do Sul, excluiu da lide aquelas pessoas físicas que haviam sido admitidas na qualidade de assistentes litisconsorciais considerando equivocadamente que teriam sido admitidos como assistentes simples, bem como homologou o acordo como proposto”, pontuou.
“É importante destacar ainda que, embora tenha sido deferida tutela de urgência naqueles autos para determinar aos requeridos que se abstivessem de iniciar, executar e concluir o desmatamento nas áreas excepcionadas pela Lei Estadual nº 5.237/2018 (fls. 1.249-57), o próprio Presidente do Tribunal de Justiça deste Estado à época cassou a liminar então concedida por este juízo nos autos do Pedido de Liminar nº 1415892-56.2020.8.12.0000, sendo posteriormente lançada a pedra fundamental de onde seria supostamente construída parte das sedes administrativa e judicial do TJ/MS objetivando a expansão da estrutura física para os próximos anos, inclusive contratado o projeto arquitetônico do ‘Palácio da Justiça’”, contou.
“Cabe aqui esclarecer também que não há nos autos notícia de que outro órgão estadual interessado no objeto dessa lide, com exceção do TJ/MS, tenha realizado qualquer intervenção na área em disputa judicial”, apontou, deixando claro o interesse da direção da corte no desfecho favorável.
“Não parece razoável ao gestor público inovar na área objeto de disputa judicial porque, na hipótese de desfecho desfavorável da ação judicial, haverá prejuízo ao erário por gastos realizados em área sobre a qual sabidamente pende discussão judicial”, alertou. “Outro ponto que merece destaque é que a conduta do gestor do TJ/MS ao inovar na área objeto de disputa judicial e realizar despesas acaba por gerar uma pressão indevida e desnecessária a quem for julgar a causa”, lamentou.
A missão da juíza
“A conduta da juíza em substituição nesta vara destoa daquilo que é praxe entre os juízes quando se substituem em período de férias, pois se ocupam do andamento de processos e medidas urgentes, deixando para o titular os processos mais complexos que são do conhecimento dele, jamais alterando decisão do titular, a não ser em evidente equívoco ou contrariedade à lei, o que não era o caso”, relatou.
Em seguida, o magistrado deixa claro que a missão de Elizabeth Baisch era liberar a construção da monumental obra do TJMS. “Tirar da rotina própria um processo que está aguardando decurso de prazo para eventual manifestação das partes, que não é urgente, em período de recesso ou feriado forense (07 a 20/01/2024 / Lei Estadual nº 3.056/2005), sendo que a medida liminar havia sido apreciada muito tempo atrás, para proferir rapidamente sentença em processo complexo e do qual não tinha qualquer conhecimento por não haver atuado, mesmo após esclarecimento feito pelo titular, não parece ser uma conduta a ser desconsiderada, sobretudo por haver sido designada em desatenção à ordem de substituição desta vara e com evidente interesse da administração do TJ/MS na homologação do acordo e no prosseguimento da obra do ‘Palácio da Justiça’”, disse.
“Como se vê, a conduta da juíza em substituição é algo, aparentemente, inexplicável”, destacou.
Em seguida, o juiz revela que foi pressionado por emissários da cúpula do tribunal para concluir o julgamento do processo. “O requerente esclarece ainda que foi procurado por juiz auxiliar da presidência do TJ/MS após apresentada a petição para homologação de acordo e antes de sua homologação que, embora não tenha feito qualquer pedido explícito, explicou sobre o interesse da administração na homologação do acordo, sendo que posteriormente, antes de sair de férias, foi procurado por um outro colega, que atua em cargo de confiança na atual administração, que lhe disse que ‘queriam’ que julgasse logo o processo, independentemente do que decidisse, momento em que afirmou que apenas julgaria quando entendesse que o processo estivesse pronto, maduro para tal finalidade”, revelou.
“Após esse último fato, o requerente ficou com a sensação de que nas suas férias a administração do TJ/MS designaria alguém para proferir a sentença, o que acabou ocorrendo”, denunciou.
“Ao designar, sem qualquer justificativa no ato, uma juíza que ocupa cargo de confiança na administração atual e obter uma sentença de acordo com o interesse da administração também é algo no mínimo curioso, como também é curioso o comentário que se ouve nos corredores do fórum de que a próxima desembargadora em concurso de promoção pelo critério de merecimento em curso é aquela que acabou coincidentemente proferindo sentença de acordo com o interesse da atual e da próxima administração do TJ/MS, bem como que isto seria resultado da sentença homologatória”, contou. Elizabeth Baisch foi promovida a desembargada nesta semana.
Pedido de investigação
“Essa sucessão de atos não parece ser mera coincidência, mas o requerente não tem competência para apurar, obviamente, mas tanto ele quanto as partes e interessados da mencionada ação judicial, bem como a população campo[1]grandense, merecem um esclarecimento”, pediu.
“O ato do requerente de propor esta medida não é inconsequente ou de alguém que não se importa com o seu resultado, mas de um magistrado com mais de 27 anos de carreira, 10 anos como servidor público do Poder Judiciário neste Estado, que, às vésperas de completar seu direito à aposentadoria, vê-se na obrigação de fazer o que ainda lhe cabe para que situações como essas não se repitam mais”, explicou, sobre o ato de se insurgir contra a cúpula do Judiciário sul-mato-grossense.
“O fato é que o requerente teve interferência em sua atuação jurisdicional com a designação de quem não fazia parte da escala legal de sua substituição que acabou por interferir na condução que até então fazia de uma ação judicial de extrema complexidade e relevância para a comunidade local. Cabe esclarecer que em momento algum houve esclarecimento pela administração do TJ/MS sobre esses fatos apesar da repercussão negativa perante a população do município de Campo Grande, segundo divulgado na mídia local”, concluiu.
O caso é mais um capítulo na polêmica sobre o desmatamento do Parque dos Poderes. Apesar do alerta de ecologistas e ambientalistas, de que a medida poderá ter graves consequências na Capital, como alagamentos e enchentes, autoridades insistem em acabar com a parte da área verde.