A morosidade da Justiça levou a prescrição da denúncia por peculato, associação criminosa e estelionato contra o médico Adalberto Abrão Siufi, 75 anos. Há 11 anos, em março de 2013, ele foi alvo da operação Sangue Frio, da Polícia Federal por comandar a Máfia do Câncer, como ficou conhecido o grupo por desvios recursos públicos destinados ao tratamento do câncer em Mato Grosso do Sul. A ação apontava o desvio de R$ 35,4 milhões do SUS (Sistema Único de Saúde)
Inicialmente, a ação penal começou a tramitar na 5ª Vara Federal de Campo Grande e a denúncia foi feita em 20 de novembro de 2016. Durante cinco anos, advogados questionaram a competência federal e acabaram convencendo o magistrado de que não havia desvio de recursos do SUS.
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O processo foi encaminhado para a Justiça Estadual em fevereiro de 2021. A juíza May Melke Amaral Penteado Siravegna, da 4ª Vara Federal, chegou a manter o sequestro dos bens de Siufi, da sua filha, Betina Siufi Hilgert, Blener Zan, Luiz Felipe Terrazas Mendes e Issamir Farias Saffar.
A magistrada marcou o julgamento para setembro de 2022, mas a audiência foi suspensa por determinação do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Somente após o julgamento dos agravos, May Melke Siravegna acabou realizando o julgamento em 21 de outubro do ano passado, dez anos após a deflagração da Operação Sangue Frio.
Em decorrência da morosidade da Justiça, Adalberto Siufi completou 75 anos e o tempo de prescrição caiu pela metade. No caso dos crimes apontados na Máfia do Câncer, de 16 para oito anos.
“Dito isso, com efeito, verifico ter decorrido efetivamente o lapso prescricional em abstrato dos delitos imputados aos acusados Adalberto Abrão Siufi e Blener Zan, assim como do réu Luiz Felipe Terrazas Mendes, conforme requerido, referidos acusados completaram 70 (setenta) anos de idade, consoante documentação pessoal e qualificação dos mesmos, condição que reduz pela metade o prazo prescricional, nos termos do art. 115, do CP”, destacou a magistrada.
“Pelo exposto, reconheço a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva em abstrato e, por consequência, com fundamento no art. 107, IV combinado art. 109, II, c/c art 115, ambos do Código Penal, DECLARO EXTINTA A PUNIBILIDADE dos acusados Adalberto Abrão Siufi, Luiz Felipe Terrazas Mendes e Blener Zan em relação aos delitos a eles imputados”, concluiu.
Ela manteve a ação penal em relação Issamiar Saffar, que ainda não teve a sorte de chegar a sete décadas de vida.
A ação criminal contra o médico Adalberto Siufi, que virou símbolo da Máfia do Câncer, acaba se tornando na maior derrota dos órgãos de combate à corrupção. O escândalo teve repercussão nacional, principalmente, no caso de Betina Siufi ao negar um remédio caro para um doente com câncer. Ela acabou morrendo em decorrência de câncer no fígado.
Para a sociedade, que acompanhou os detalhes das revelações da PF, o caso acabou em impunidade. Para o médico, que foi alvo da Operação Sangue Frio e de ampla exposição, perda do cargo de presidente do Hospital do Câncer Alfredo Abrão, foi um longo tempo de “injustiça”.
Siufi dedicou 50 anos à medicina e vai ter paz merecida aos 75 anos, diz defesa
Para os advogados de defesa, Lucas Rosa e Renê Siufi, a sentença da juíza May Melke Amaral Penteado Siravegna trará “paz merecida”. No entanto, eles destacaram que o profissional, após 50 anos se dedicando à medicina, teria condições e farta documentação para provar a inocência.
“Adalberto Siufi é homem de bem; dedicou sua vida à medicina; quase cinquenta anos; salvou a vida e cuidou da saúde de dezenas de milhares de pessoas; continua até hoje”, pontuaram Rosa e Siufi. “Após mais de uma década, terá a paz merecida; aos 75 anos de idade”, destacaram.
“Acusação foi sepultada; mas a prescrição infelizmente impediu o reconhecimento judicial da inocência; há farta prova documental nos autos; em breve seria produzida a testemunhal”, pontuaram.
“Investigação já nasceu equivocada; desvio de foco profundo. A defesa – desde o início – sempre demonstrou: a documentação colhida já na fase investigativa revela que nunca houve verba pública envolvida; as verbas eram privadas; as relações, contratuais”, explicaram, sobre a relação entre o HC e a clínica Neorad.
“Depois, o Tribunal de Contas da União analisou e decidiu: não houve transferência de recursos públicos à fundação ou ao hospital, nem estes geriram recursos de tal espécie; houve exclusivamente pagamento – do SUS à entidade privada – a título de remuneração por serviços previamente prestados; verbas que, incorporadas a patrimônio privado, eram livremente geridas”, frisaram.
“O Tribunal Regional Federal da 3ª Região igualmente decidiu: não houve prejuízo ao SUS. Recentemente, também o Tribunal de Justiça decidiu na área cível (improbidade): ‘Fundação Carmem (uma fundação de natureza privada) nunca foi gestora de recursos públicos’; ‘apenas recebia a contraprestação por serviços prestados, mediante contrato’, ‘os recursos em questão, embora provenientes de pagamentos feitos pela Municipalidade, adentraram à esfera patrimonial da Fundação’”, destacaram.
“Certamente – mais adiante – também na ação penal (extinta em relação a Adalberto Siufi) isso será reconhecido. Ela continua em face de outro réu”, anteciparam Lucas Rosa e Renê Siufi.