Disto você sabia: dois domingos atrás (dia 9) três ladrões escalaram 18 andares, arrombaram o apartamento do ex-governador Reinaldo Azambuja (PSDB), que estava sem ninguém, entraram e levaram de lá, numa bolsa, joias e objetos de valores não revelados. O furto ocorreu à tarde no Jardim dos Estados, em um dos bairros mais valiosos de Campo Grande.
Dois dias depois, o trio gatuno foi capturado pela polícia em São Paulo, a quase mil quilômetros do local do furto. Pleito resolvido.
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Disto você não sabia: de janeiro a dezembro do ano passado, 4.272 casas foram furtadas [quando os donos não estão no local] na Capital sul-mato-grossense, uma média de 11,6 casos por dia. Raros os episódios que tiveram desfecho feliz, ou seja, a vítima teve os objetos recuperados ou viram os invasores encarcerados.
De acordo com a assessoria de imprensa da Sejusp (Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública), não há registros de casos que foram solucionados. Furtos em residências em Campo Grande são as ocorrências policiais que, ano a ano, seguem em ritmo galopante. Note:
De janeiro a maio do ano passado, dados obtidos por O Jacaré com a assessoria de imprensa da Sejusp indicam que 1.810 residências em Campo Grande foram furtadas. Simples fração aponta que de janeiro a maio de 2023, a cada duas horas uma casa foi invadida e furtada.
Já neste ano, embora o número de furtos permaneça numa escala desmedida houve queda nas ocorrências, informa dados estatísticos da Sejusp. De janeiro a maio, 1.545 moradores da cidade que tiveram as casas furtadas foram à delegacia da Polícia Civil e narraram que suas casas tinham sido invadidas e, de lá, levados objetos, como aparelho de som, televisor ou liquidificador, roupas, sapatos, chinelos e até panelas, pratos, garfos e colheres.
No comparativo com os primeiros cinco meses do ano passado, o número de furtos ocorridos no mesmo período deste ano teve baixa de 14,65%.
Ainda conforme informações da Sejusp, de janeiro deste ano até 17 de junho, segunda-feira passada, 1.681 casas, incluindo a do ex-governador, tinham sido furtadas. Isto é, do início do ano até agora, uma média de dez casas têm sido furtadas na cidade todos os dias da semana.
Tirando o caso do apartamento do ex-governador, divulgado à exaustão pela imprensa local, não há como saber o número de furtos investigados e resolvidos pela polícia.
Consta no informativo da Sejusp, o número de casas invadidas e furtadas, apenas.
O Jacaré ouviu ao menos umas oito pessoas que amargaram ocorrências de furtos. Cai a disposição da vítima em narrar o drama ao saber que seu episódio vai sustentar uma reportagem e que isso exigiria nome completo acompanhado de fotografia.
Sem recuperação
A empresária Mirian Garcia Ferreira topou contar sobre o dia que logo cedo, ao abrir a loja, percebeu que havia aumentado a estatística de vítimas de furto. Ela toca um cyber e uma loja de produtos eletrônicos na Avenida Calógeras, parte central de Campo Grande, há pelo menos duas décadas e disse que nos últimos dois anos teve seu comércio invadido, à noite, por duas ocasiões.
Numa delas, recorreu à polícia na esperança de recuperar a mercadoria furtada, sem sucesso. Noutra vez, desapontada com o primeiro episódio, aceitou o prejuízo e nem sequer registrou o furto na polícia.
No primeiro ataque, disse Mirian, o desconhecido entrou na loja pelo teto do imóvel. O furto durou cerca de quatro minutos, conforme a gravação da câmera de segurança instalada no local. O invasor levou da loja chip e carregadores de celular, pen drive e doces que ficavam num balcão.
“Ainda bem que ele [invasor] não viu os niqueis que eram guardados num saco plástico que também ficavam perto do balcão. Prejuízo seria maior”, disse Mirian que calculou a perda de ao menos R$ 500 reais, à época.
No mesmo dia que notou o furto, a empresária foi à delegacia da Polícia Civil e, lá, narrou o episódio. Levou consigo as imagens captadas que mostraram a invasão, o furto, e o assaltante.
No entanto, disse Mirian, a prova produzida pela câmera de segurança não atraiu a atenção do policial que anotou a ocorrência. “Voltei já com o sentimento de perda. Nunca [policiais] vieram aqui para iniciar uma investigação, nunca. Sei lá, poderiam pegar digitais do invasor ou algo assim que poderia contribuir com a apuração do crime”, protestou a empresária.
Já no segundo furto, Mirian nem foi à polícia. Um desconhecido subiu no teto do imóvel e furtou fios de cobre que iam até o ar condicionado. Ela teve um prejuízo de R$ 300 reais. E o criminoso só não entrou na loja, de novo, porque devido ao primeiro ataque, uma cerca elétrica foi instalada envolta do telhado.
“Acho que eles [policiais] deviam ao menos ter vindo aqui quando registrei o furto. Sei que é grande o número de ocorrências, mas sei também que há policiais para cuidar da segurança da população”, queixou-se Mirian.
Carro levado
Professora de História contou que seu carro, um Gol, seminovo, foi levado à noite de frente de sua casa, na Vila Bandeirantes. Isso ocorreu dois ou três anos atrás. Ela disse que conseguiu imagem do prédio onde morava, de vizinhos cujas casas são equipadas com câmeras e as levou à polícia.
Imagens em questão capturaram um grupo de rapazes empurrando o veículo para longe, até sumir.
Mas isso em nada adiantou. O carro da professora nunca mais foi visto. Soube-se um ano depois da descoberta de uma empresa de ferro-velho que armazenava no local peças de carros roubados. E o furto do carro da professora, esquecido. Ela nunca mais recuperou o Gol que a conduzia para o trabalho.
“Antes de tudo queria dizer que, além do avanço da criminalidade precisaríamos de uma boa disposição da polícia, daí quem sabe as estatísticas indicariam que a segurança da população estaria sendo levada a sério”, sustentou a professora que não autorizou a publicação de seu nome neste material.
Outro exemplo narrado desde que mantido a discrição da vítima ocorreu no centro de Campo Grande.
Uma negociante de roupas notou que teve diversas peças furtados à noite e foi à polícia registrar a ocorrência noutro dia.
“Notei que estava perdendo meu tempo assim que que percebi o ‘ânimo’ do policial que preparava a ocorrência. Vi uma indisposição na cara dele, até parece que estava fazendo um favor ao escrever que um desgraçado tinha me roubado”, afirmou a comerciante que, depois disse que buscou a ajuda da polícia para tentar recuperar o prejuízo, pois ela pagava seguro da mercadoria.
“Ainda assim não consegui tudo o que perdi. Situação difícil a todos nós que não temos a chamada costa quente [na gíria, ter as costas quentes, é o mesmo que não ter receio, por confiar na proteção de alguém], afirmou a vítima.
Não falta polícia
De acordo com a recomendação da ONU (Organização das Nações Unidas), o ideal de policiais numa cidade é de 1 para cada 250 habitantes. Considerando a população de Campo Grande, que tem em torno de 900 mil habitantes, o efetivo da segurança pública deveria contar com ao menos 3,6 mil policiais.
Na capital sul-mato-grossense atuam em torno de 5 mil policiais militares, 1,2 mil integram a Guarda Civil Metropolitana, fora o efetivo da Polícia Civil, cuja tarefa é a de investigar os furtos, no caso, e pedir a prisão dos culpados.
Ou seja, pelas contas da ONU, a cidade estaria com quadro completo de policiais necessários diante de seu tamanho.
Furto no apartamento do ex-governador
A polícia resolveu em tempo recorde o furto do apartamento do ex-governador graças as imagens captadas por câmeras de segurança no prédio onde mora Reinaldo Azambuja.
Até agora a polícia não informou se a entrada dos ladrões no local foi, ou não, facilitada por empregados do edifício, como suspeitou-se no dia do furto.
O trio entrou e subiu de elevador até o 18º andar, onde mora o ex-governador, arrombou a porta, entrou e levou o que quis. Depois, teria descido pela escada e, sem ser incomodado por ninguém, e ido embora.
Nem Azambuja nem o síndico do edifício comentaram o caso. A reportagem apurou que a mensalidade em condomínio do padrão da moradia do ex-governador gira em torno de R$ 3 mil a R$ 10 mil mensais, quantia empregada em benefício dos moradores, o sistema de segurança um deles.
O edifício onde mora o ex-governador foi erguido com 20 apartamentos, um por andar. Presume-se que os ladrões sabiam que o ex-governador não estava em casa. Ele tinha ido para Maracaju, cidade que foi prefeito por duas gestões.
Os três ladrões foram detidos ainda com parte dos objetos furtados. A pena deles, segundo o Código Penal, varia de 4 a dez anos de prisão. A Polícia Civil informou que os invasores são especialistas em praticar furto em prédios de luxo. Moram em São Paulo e vieram à cidade somente com a missão do furto.