Alvo da Operação Toque de Pedra, deflagrada pela Polícia Federal para investigar o desvio de R$ 23 milhões em Três Lagoas, uma construtora de Campo Grande transformou em pesadelo o sonho da casa própria de 85 famílias em Amambai. Elas fizeram sacrifícios e se viraram nos 30, literalmente, para pagar a entrada, mas as obras ainda nem começaram, apesar do contrato prever a entrega das chaves no fim deste ano.
A Groen Engenharia e Meio Ambiente, do empresário Murilo Feliciano Alexandre de Oliveira, foi declarada vencedora do chamamento público realizado pela Prefeitura Municipal de Amambai no final de 2019, quando o programa ainda se chamava Casa Verde Amarela, de Jair Bolsonaro (PL).
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O programa voltou a ser chamado Minha Casa Minha Vida, uma das marcas do Governo Lula (PT). No primeiro semestre do ano passado, 895 famílias se inscreveram e 85 foram selecionadas. A um passo de realizar o sonho da casa própria, com valor subsidiado pelo Governo federal e pelo município, que deu R$ 14,8 mil (valor do terreno) para cada contemplado.
A obra terá investimento de R$ 11,356 milhões e a previsão é durar 24 meses. A conclusão estava prevista para dezembro deste ano, quando termina o mandato do atual prefeito, Ednaldo Bandeira, o Dr. Bandeira (PSDB). No entanto, faltando seis meses, a construtora ainda nem limpou a área.
Famílias se desdobraram para pagar o valor inicial. A diarista Angélica R. Siqueira se desdobrou para pagar os R$ 2 mil de entrada. “Paguei por um ano”, contou ela, que fez sacrifícios para realizar o sonho. “A gente espera a vida inteira por esse sonho”, contou.
No entanto, a Groen ainda nem começou a construção de nenhuma casa. O terreno no Residencial Analy segue tomado pelo matagal. “É decepcionante ver um sonho virar um pesadelo”, lamentou.
“Não sei explicar a sensação com palavras, é muito difícil você deixar de comprar alguma coisa pros seus filhos pra poder pagar as prestações certinho pra no final, você esperar e não ver seu sonho se concretizar”, afirmou Angélica.
“É muito fácil para os grandes não se importar com o sonho dos outros já que os políticos e o outros já têm a casa própria agora agente que batalha pra realizar e quando você pensa que vai conseguir vem só dor de cabeça, é frustrante”, resumiu a diarista, indignada com a situação.
A mesma frustração é enfrentada pela dona de casa Keila Travessin, que já desembolsou R$ 5,3 mil e deixou de pagar duas prestações, de R$ 531 cada, por temer o calote. “Eu me sinto enganada”, lamenta. Além de pagar a prestação, ela ainda paga R$ 550 de aluguel pela casa de um tio.
“Porque fizeram tantas promessas. E eu fiquei na confiança que seria um projeto sério, (mas) me sinto enganada”, lamenta. “Tirei da onde não tinha p poder pagar acreditando que teria minha casinha”, contou Keila, que se inscreve nos programas em busca da casa própria desde 2012.
Outro morador de Amambai espera pela casa própria há nove anos. Por temer represálias, ele pediu para não ser identificado. Neste caso, o pagamento inicial foi de R$ 11 mil para o programa Minha Casa Minha Vida.
O homem foi ao desespero ao buscar informações do projeto na Caixa Econômica Federal e ser informado que nada foi aprovado para a Groen Engenharia construir a casa. A situação fica mais dramática ao ver a área, onde o conjunto residencial será construído, ainda tomada pelo mato e sem qualquer vestígio da obra, um ano após a assinatura do contrato.
Prefeitura culpa pandemia e exigência de rede de esgoto pelo atraso na obra
A Prefeitura Municipal de Amambai informou que o projeto sofreu atraso por causa da pandemia da covid-19 e pela exigência de rede de esgoto pela Caixa. No entanto, a Groen Engenharia teria garantido que mantém o projeto das 85 casas e só aguarda o aval do banco estatal para iniciar as obras.
“Reiteramos que a empresa Groen foi habilitada no Chamamento Público nº 002/2019 e credenciada junto à Caixa Econômica Federal, conforme os documentos em anexo. O credenciamento e a habilitação da empresa são reconhecidos pelo órgão financeiro”, informou, em nota.
“Reafirmamos nosso compromisso com a transparência e a continuidade das obras, visando entregar o Loteamento Analy às famílias beneficiadas o mais breve possível, celebrando junto aos munícipes seu futuro lar”, garantiu o prefeito, por meio da assessoria.
A empresa foi selecionada em dezembro de 2019. No entanto, por causa da pandemia, houve atraso de 24 meses. As famílias só acabaram selecionadas em junho do ano passado. No entanto, a exigência de esgotamento sanitário suspendeu a obra.
O projeto previa a construção de fossa séptica. De acordo com a prefeitura, a Groen já apresentou o projeto de construção de rede de esgoto, estação elevatória e das ligações domiciliares à Sanesul, que teria aprovado a obra.
“A empresa Groen também enviou um comunicado reafirmando seu compromisso com o empreendimento habitacional do Residencial Analy. No comunicado, a Groen esclareceu que a investigação não impacta suas atividades de rotina nem os demais empreendimentos da empresa, incluindo o projeto amambaiense”, informou a prefeitura.
Sobre a Operação Toque de Pedra da PF, o município diz que não tem competência para investigar a construtora. “A Prefeitura de Amambai destaca ainda que existe mesmo uma investigação do Ministério Público Federal em relação à empresa Groen, mas afirma que não possui competência para investigar ou questionar o processo atual, sendo essa responsabilidade exclusiva dos órgãos de fiscalização, Polícia Federal e da Prefeitura de Três Lagoas. Ressaltamos que o caso de outro município não tem qualquer relação com o projeto de Amambai”, concluiu.