Uma mulher culpou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que fez propaganda contra a vacinação, pela morte do marido aos 48 anos em decorrência das complicações da covid-19 e ingressou com ação com pedido de indenização de R$ 500 mil e o pagamento de pensão vitalícia de um salário mínimo da União. No entanto, em sentença, o juiz Dalton Igor Kita Conrado, da 1ª Vara Federal de Campo Grande, julgou o pedido improcedente.
Na sentença publicada no dia 30 de abril deste ano, o magistrado até admite que Bolsonaro pode ter culpa no cartório, mas pontua que a sociedade brasileira não pode pagar a conta. “Destarte, ausente demonstração específica de nexo de causalidade entre o comportamento do Governo Federal e a morte de Jeferson Corrêa Rodrigues, não parece razoável impor à sociedade brasileira que arque com a indenização pretendida”, concluiu o juiz.
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Durante a pandemia, Bolsonaro chegou a caçoar da vacina e fazia campanha sistemática contra. Ele destacava os riscos da imunização e ainda fazia propaganda de medicamentos como ivermectina e cloroquina, apontados por cientistas como ineficazes contra o coronavírus.
“Como fundamento dos pedidos, afirmam que ‘trata-se de demanda da mãe e filhos, do Sr. JEFERSON CORRÊA RODRIGUES em face da UNIÃO FEDERAL. Os Autores cujos eram dependentes do de cujos, que faleceu em 02/08/2021, aos 48 anos, vítima da Covid-19. Os Autores sofreram uma perda de caráter inestimável e irreversível, pelo qual requer da Ré pagamento de indenização a título de danos materiais e danos morais, em valor simbólico que se equipare aos danos que a Ré tem causado a toda a população brasileira”, pediram.
“A vítima era o arrimo e família, seu salário era fundamental sustento da família, donde a família utilizava para arcar com os gastos do aluguel, alimentação, remédios e além de outros itens essenciais a sobrevivência”, alegou a defesa de E.M.C. (que terá o nome preservado para evitar ataques).
“Ocorre que durante a pandemia do Covid-19, foram inúmeras as declarações do chefe do executivo do país, minando a vacinação”, pontuou. “O Presidente da República como chefe do executivo, no ato da sua nomeação, presta um compromisso com a Constituição Federal, conforme consta no artigo 78, onde ele presta um compromisso com a população e para a promoção do bem geral do povo brasileiro”, destacou.
“Juntamente com o chefe do executivo, estão os Ministros de Estados, que coordena as ações e as políticas do governo federal. No início da pandemia o Ministro de Estado da Saúde era o médico ortopedista Luiz Henrique Mandetta, onde por ter divergências com relação ao uso de medicamentos e ao isolamento social foi demitido em abril de 2020”, relata, citando a demissão do médico sul-mato-grossense, que defendia o distanciamento social e a vacinação.
“Assumindo assim Eduardo Pazuello, com a nomeação de Pazuello, foi defendido o uso de medicamento sem eficácia comprovada, conforme amplamente divulgado pela OMS, além de atrasos na divulgação da real situação da Pandemia no país”, destacou sobre a cloroquina e a Ivermectina.
A defesa de E.M.C. cita que laboratórios ofereceram 61,5 milhões de doses contra a covid-19 em 2020, mas que a oferta foi recusada pelo Governo de Bolsonaro. “Não obstante, em depoimento para a CPI da Covid-19, instaurada com objetivo de apurar irregularidades do Governo Federal no enfrentamento à pandemia da Covid-19, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, bem como o gerente-geral da Pfizer para a América Latina, Carlos Murillo, afirmaram que as propostas para fornecimento das vacinas foram ignoradas pelo Ministério da Saúde, de modo que tanto a produção como a distribuição das doses das vacinas para a União e, por conseguinte, para as demais Unidades Federativas do Brasil foram atrasadas”, relatou.
“Excelência, vários canais de mídia divulgaram a fala do chefe do Executivo que em entrevista afirmou se contrário a vacinação, alegando que ‘Se tomar vacina e virar jacaré não tenho nada a ver com isso’ quando o país já registrava 184.827 mortes”, relembraram, sobre a polêmica frase de Bolsonaro.
“Ocorre que com as declarações do Chefe do Executivo são de grande impacto na população, ainda mais quando este utiliza meios de comunicação mais próxima a população com lives no facebook e youtube”, alertaram.
“A exposição do chefe do estado não se trata apenas da pessoa do presidente e sim um ato do Estado, e sendo um ato do Estado este deve ser responsabilizado”, lembra, citando trecho da Constituição Federal.
“Somado ao descaso da União em efetivamente controlar a pandemia e as inúmeras postagens do chefe do Estado, uma parte da população não aceita a vacinação, como foi o caso do senhor Jefferson, por acreditar nas postagens vinculadas ao governo federal, mesmo estando apto a receber a primeira dose da vacina, não foi vacinado”, afirmou, acusando o ex-presidente pelo marido não ter se vacinado contra a doença.
“Ocorre Excelência, que o nível de divulgação sobre a vacinação da Covid-19 foi baixa, por parte do Executivo federal, deste modo, a União tem responsabilidade sobre os atos praticados pelo Chefe do Executivo e pelo seus Ministros de Estado”, acusou.
No entanto, os argumentos da mulher e dos quatro filhos não convenceram o juiz Dalton Igor Kita Conrado. “No presente caso, analisando o conjunto probatório trazido aos autos, não vislumbro a existência de nexo de causalidade direto e imediato entre eventual ação/omissão estatal e o óbito de Jeferson Corrêa Rodrigues, capaz de gerar a responsabilização da União no dever de indenizar”, pontuou o magistrado.
“Conforme certidão de óbito (ID 254963947), o de cujus faleceu em 02/08/2021, tendo como causa da morte ‘choque não caracterizado, pneumonia, COVID-19, insuficiência renal’”, citou, destacando a causa de milhares de vítimas da doença no mundo.
“Nesse período, apesar da desorganização e resistência do poder executivo federal, como a própria parte autora refere em sua petição inicial, é fato que, ainda que houvesse uma postura diferente na esfera governamental, não há nenhuma segurança de que isso evitaria a morte em debate”, discordou Conrado.
“Não há como negar que, objetivamente, ocorreram atrasos no início da vacinação no Brasil, bem como no andamento para a ampliação da vacinação em massa em comparação com uma série de países”, pontuou.
“Todavia, considerando que o risco de complicações da COVID-19 não é uniforme na população, sendo que o risco de agravamento e óbito está relacionado a características pessoais (sociodemográficas, presença de comorbidades, idade avançada, dentre outros), aliado às dificuldades de ampla disponibilidade de vacina no mercado mundial naquela época, não há como saber se mesmo com a antecipação da vacina, o falecido conseguiria ter feito pelo menos a primeira dose da vacina – tendo em vista o calendário de vacinação -, nem mesmo que, tendo tomado a primeira dose, o óbito não aconteceria”, rebateu.
“Ademais, não há no processo informações específicas sobre a forma concreta do contágio da doença pelo falecido, os riscos e forma de exposição frequente, os cuidados tomados por ele para evitar o contágio, as medidas pessoais de redução de riscos(como o uso permanente de máscara e prudência ao evitar aglomerações), bem como informações sobre o tempo e a forma de cuidados tomados, a procura de assistência médica após o contágio e a existência de outros fatores pessoais pré-existentes à infecção”, pontuou.
“Conforme afirmado pela União em suas alegações finais, ‘da prova colhida em audiência, extrai-se apenas a opinião das três testemunhas acerca da boa saúde do falecido em época anterior à pandemia, o que não é objeto de interesse nessa ação; bem como a informação prestada por duas delas (Wilma e Marly) de que o falecido residia na casa da autora’”, relatou o magistrado.
“Com efeito, não há nada nos autos acerca das condições específicas de contágio, carga viral e doenças preexistentes”, pontuou. “E, a par da ausência dessas informações, não se pode concluir que a causa imediata do óbito do falecido tenha sido decorrente da ausência de vacinação e demais condutas ativas e/ou omissivas do poder público”, concluiu, livrando Bolsonaro de ter responsabilidade no óbito de Jefferson.
“Desse modo, no caso dos autos, embora lamentável a situação vivenciada pelos autores, não há como se atribuir nexo de causalidade direto e imediato entre eventual ação/omissão estatal e o óbito do de cujus, capaz de gerar a responsabilização da União no dever de indenizar os danos materiais (pensão vitalícia) e morais alegadamente sofridos”, concluiu o juiz.
“Ora, diante dos documentos colacionados aos autos, não foi possível inferir-se o nexo de causalidade entre o fato alegado e o dano sofrido, de sorte a incidir o dever de indenização estatal. E, ausente o nexo de causalidade entre a suposta conduta omissiva atribuída à ré e o dano sofrido pelos autores com a morte do Sr. Jeferson, não há como responsabilizar o Poder Público”, arrematou.
E julgou o pedido improcedente.