A trama supostamente engendrada por Francisco Cezário de Oliveira, 78 anos, presidente afastado da Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul, alcançou até a cúpula nacional da CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Interceptações telefônicas indicam que o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues Gomes, 70, teria, numa operação ainda não especificada pelos investigadores, mandado R$ 100 mil a Cezário, conforme conversa captada em julho do ano passado.
O dinheiro envolvido no esquema seria parte de um “acordo” fechado entre os mandatários nacional e regional. Denunciado pelo suposto desvio de R$ 10 milhões, Cezário foi preso pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) no dia 21 do mês passado e solto 16 dias depois, em 6 de junho, por força de uma liminar definida pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
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O presidente afastado da FFMS, sofreu um princípio de infarto na prisão, ficou em estado grave, foi levado para o hospital, submetido a um cateterismo e, de lá, monitorado por tornozeleira eletrônica, seguiu para a casa, onde cumpre prisão domiciliar.
Conversa comprometedora
Em trecho da denúncia do Gaeco, preparada em 253 páginas, as quais O Jacaré teve acesso, é reportado o diálogo entre Francisco Cezário e Romeu Castro, que é assessor da presidência da CBF para as seleções femininas de futebol, no qual os dois conversam sobre o envio de R$ 100 mil que Ednaldo, o chefão da CBF teria mandado para Cezário.
Castro, o interlocutor de Cezário, é, além da assessoria da CBF, vice-presidente da FFMS. Pelo descrito na interceptação, a investigação do Gaeco mostra que Romeu, que usa número de telefone celular do Rio de Janeiro na conversa com Cezário trata de assunto com certa destreza indicando que sabe como funciona a CBF e os meios de captar recursos ilegalmente. Veja trecho da denúncia.
“No dia 19/07/2023, homem identificado como Romeu liga para FRANCISCO CEZÁRIO DE OLIVEIRA (“CEZÁRIO”) e informa que o “WhatsApp está com problemas e que não está dando para falar por ele”, revelando que evitam falar ao telefone, com receio de serem monitorados”.
Em seguida, conforme o Gaeco, os dois falam de cifras:
“Ato contínuo, Romeu liga para FRANCISCO CEZÁRIO DE OLIVEIRA (“CEZÁRIO”) e questiona se o Presidente da Confederação Brasileira de Futebol – CBF, Ednaldo Rodrigues, teria cumprido a promessa (“EDINALDO cumpriu o que prometeu pra CESARIO”), quando recebe a resposta “ele mandou 100 mil reais (…) EDNALDO prometeu que vai dar o resto, e que cortou pela metade o que ele iria manda”.
Ou seja, a “promessa”, então, seria o envio de R$ 200 mil, já que o mandatário nacional teria “cortado pela metade”. Nota-se, também, que não é dito os motivos do repasse de R$ 100 mil, e o que a soma ia bancar, algum projeto, nada, nada é dito.
“Dias depois, em 25/07/2023, FRANCISCO CEZÁRIO DE OLIVEIRA (“CEZÁRIO”) volta a falar com Romeu e pergunta se “nós não temos um jeito de inventar um projeto pra nós ganhar dinheiro cara, um projeto ali por exemplo (n/c) ali no interior de SÃO PAULO tem um projeto da, das, dos times de futebol das prefeituras, não sei se você conhece esse projeto o ADACHITO uma vez trabalhou nele, você lembra ou não?”.
Prossegue o diálogo; até nome de deputado petista é mencionado:
“No decorrer da conversa, FRANCISCO CEZÁRIO DE OLIVEIRA (“CEZÁRIO”) fala que “Vamos ter que tentar pelo menos um, ou dois, ou três projetos. Um projeto de fazer sabe, hoje o PT, o VANDER, o DEPUTADO VANDER [Loubet, deputado federal do PT de MS] é um cara amigo nosso aqui e tal, OS CARAS ESTÃO COM MUITO DINHEIRO HOJE, FALA MUITO, MUITO, MUITO DINHEIRO, de repente arrumar uma área aqui em CAMPO GRANDE da prefeitura e nóis fazer [sic] um projeto de um CT (Centro de Treinamento) entendeu?”.
Ainda de acordo com o diálogo, os dois seguem tratando de dinheiro, não de modo institucional, legal. Dá para entender que os valores eventualmente captados seriam de forma ilegal, construída por supostas trapaças.
“Em dado momento, enfatiza “ENTENDE ROMEU? EU ESTAVA PENSANDO VAMOS, TÁ LOUCO RAPAZ NÓS PRECISAMOS GANHAR DINHEIRO DESSE FUTEBOL”, restando evidente que usa da Federação de Futebol para auferir vantagens indevidas e que, muito disso, provém de desvio de verba pública”, cita os investigadores do caso, na denúncia contra Cezário.
Os dois, Cezário e o interlocutor, mencionam exemplos deixando a entender que sabem como funciona um esquema de desvio de recurso.
“Tanto que, ao tratarem dos projetos para ganharem dinheiro, Romeu usa como exemplo outro Estado da Federação: “Em TOCANTINS né com o GOVERNO cada evento desse dá pra girar um dinheiro bom DOIS MILHÕES E MEIO (R$ 2.500.000,00) DOIS E QUATROCENTOS (R$ 2.400.000,00)”.
Na conversa, Cezário e Romeu falam em usar clubes de futebol sul-mato-grossenses, como Três Lagoas, Corumbaense e de Aquidauana, para captar recurso de modo ilegal. Falam ainda de usar o estádio Morenão, em Campo Grande, promover evento nele para, também, captar dinheiro por meio de fraude.
Gaeco e denúncia
O Gaeco denunciou Francisco Cezário de Oliveira e mais 11 pessoas, inclusive quatro sobrinhos, pelo desvio de R$ 10 milhões. Eles foram denunciados pelos crimes de peculato, organização criminosa e até furto qualificado.
O dinheiro desviado da federação foi repassado pelo Governo do Estado, através da Fundesporte, e pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol), segundo a denúncia.
O Gaeco denunciou Cezário e os sobrinhos – Aparecido Alves Pereira, 63 anos, Francisco Carlos Pereira, 65, Marcelo Mitsuo Ezoe Pereira, 40, Umberto Alves Pereira, 64 – o vice-presidente da federação, Marcos Antônio Tavares, o Marquinhos, 61, e seu filho, Marcos Paulo Abdalla Tavares, 33, Luiz Carlos de Oliveira, 66, o gerente de TI da FFMS, Edson Bogarin Barbosa, 41, e Jamiro Rodrigues de Oliveira, 79.
Cúmplices presos
A desembargadora da 1ª Câmara Criminal do TJ-MS, Elizabeth Anache, que mandou soltar Cezário, rejeitou o pedido dos outros seis encarcerados pela suposta trama conduzida pelo presidente afastado do FFMS. Ou seja, seguem presos os implicados no caso de desvio milionário da entidade esportiva, incluindo os sobrinhos de Cezário.
O que diz a defesa
André Borges, advogado de Francisco Cezário, assim se manifestou:
“Cezário reafirma que nada do que recebeu de dinheiro é ilícito. No momento certo e perante o Judiciário as provas e os esclarecimentos serão prestados. Quem tiver paciência saberá da inocência, ao final do processo”.
O Jacaré entrou em contato com a assessoria de imprensa da CBF por meio de mensagem pelo whatsapp para tentar ouvir o que dizem o mandatário da entidade, Ednaldo Rodrigues e o assessor Romeu Castro.
Até o fechamento deste material a CBF não havia se manifestado.