A denúncia do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) contra o comando da Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul aponta que um dos esquemas de desvio ocorria por meio de uma espécie de ‘cashback’ do dinheiro pago com hospedagem dos times participantes do campeonato estadual. A FFMS pagava R$ 6 mil a hotéis por duas diárias e recebia de volta a metade deste valor, já que as delegações das equipes ficavam hospedadas por apenas um dia.
Despesas com arbitragem, transporte, diárias e alimentação eram pagos com recursos do convênio da FFMS com o Governo do Estado, por meio da Fundesporte (Fundação de Desporto e Lazer de Mato Grosso do Sul). A Federação recebeu, em 15 anos, R$ 11,5 milhões de verba pública, somente por meio de convênio. Desse total, R$ 3,2 milhões foram repassados nos últimos três anos.
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Apesar dos repasses de verba pública terem crescido nos últimos anos, a FFMS fechou com um déficit em 2023 de R$ 218 mil. Além disso, tinha apenas R$ 23 mil em caixa, segundo o Gaeco.
O Ministério Público afirma o presidente da Federação de Futebol, Francisco Cezário de Oliveira, deu aval ao sobrinho Aparecido Alves Pereira, o Cido, para atuar especificamente no desvio de dinheiro das diárias dos clubes de futebol participantes do campeonato sul-mato-grossense.
Diálogos obtidos com a quebra de sigilo telefônico dos acusados revelam negociações entre Cido e um funcionário do Hotel Casabella, de Chapadão do Sul, para a emissão de uma nota fiscal de hospedagem no valor de R$ 6 mil, em fevereiro de 2023. O montante seria referente a duas diárias para cada um dos 25 integrantes dos times de futebol.
“Na oportunidade, APARECIDO ALVES PEREIRA (“CIDO”) explica que nem todos os times utilizariam 2 (duas) diárias, mas que mesmo assim era para emitir a nota fiscal no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais) para toda hospedagem dos clubes”, diz a denúncia do Gaeco.
O esquema não é novo, tanto é que o funcionário do hotel responde, “igual a outra vez”. Ao que Cido confirma e, depois de fazer algumas considerações, finaliza dizendo “a gente vai fazendo aquele bem bolado lá”.
Dias depois, Aparecido Alves conversa com o João Felix Marinho Boteselle, presidente da Sociedade Esportiva e Recreativa Chapadão – SERC, que o orienta a pedir no hotel que devolvam os valores referentes às diárias não utilizadas em dinheiro.
Para confirmar o esquema, policiais do setor de Operações e Inteligência do Gaeco foram até Chapadão do Sul acompanhar um jogo do Esporte Clube Comercial. O elenco do Colorado se hospedou no dia 17 de fevereiro de 2023, uma sexta-feira , no Hotel Casabella. A partida seria no dia seguinte, por volta das 10h, contra a SERC, em Costa Rica.
Os agentes confirmaram o retorno do Comercial a Campo Grande, após o almoço depois do jogo, onde chegaram por volta das 19h do sábado. Ou seja, o clube utilizou apenas uma diária, sendo que foram pagos duas. O passo-a-passo foi registrado por fotografias das equipes de campo do Gaeco.
Em outro caso, Aparecido Alves, o Cido, conversa com a recepcionista do Hotel Beira Rio, localizado no município de Costa Rica. Ela pede a transferência de 50% dos valores das diárias (2 diárias para 25 pessoas no valor individual de R$ 120,00) para poder confirmar a reserva.
Mesmo a recepcionista informando que recebeu a informação de que seriam somente 23 pessoas, Cido pede que seja emitida nota fiscal de duas diárias para 25 pessoas, acertando entretanto que fosse devolvido metade dos R$ 6 mil pagos, referente às diárias não utilizadas, “cujos valores eram desviados em benefício do grupo criminoso”, segundo o Ministério Público Estadual.
Em mais uma diligência para confirmar o esquema, policiais do Gaeco acompanharam nos dias 15 e 16 de abril de 2023, em Dourados, quando constataram que a equipe do Operário Futebol Clube se manteve hospedada por apenas uma diária no hotel Turis, reforçando a continuidade do esquema de peculato.
A delegação do Operário se hospedou no hotel em 15 de abril, sendo que no dia seguinte jogou a partida no estádio Douradão e, após o jantar, seguiu rumo a Campo Grande pela BR-163, indicando que utilizaram somente uma diária na hospedagem.
“Portanto, patente a prática do peculato continuado, que já perdurava há anos, nos mais diversos campeonatos”, define o Gaeco. “O esquema era acompanhado de perto pelo líder da organização criminosa, FRANCISCO CEZÁRIO DE OLIVEIRA”.
O MPE aponta como prova documentos apreendidos em um dos imóveis do presidente da Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul com um controle de pagamento de diárias, alimentação, arbitragem do campeonato feminino, que também contava com incentivo financeiro do Fundesporte. “No qual constava expressamente, a caneta, as reais despesas custeadas pela entidade, que eram muito inferiores àquelas estabelecidas no convênio”, relata a denúncia.
“Observa-se que a Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul recebeu R$ 328.830,00 (trezentos e vinte oito mil, oitocentos e trinta reais) do Estado de Mato Grosso do Sul para custear as despesas do campeonato feminino de futebol, mas somente gastou R$ 170.000,00 (cento e setenta mil reais), sendo que o restante foi desviado para os integrantes da organização criminosa, mediante a prestação de contas fictícia”, diz a acusação.
Assim como ocorria com o campeonato masculino, a Federação de Futebol recebia duas diárias de hotel para 25 pessoas por equipe por jogo fora de casa, mas somente pagava uma, desviando a outra.
Havia a previsão de 750 diárias no total, mas na prática somente pagaram 350. Está escrito no controle de Cezário, à caneta, “350 hospedagem – 1 diária”.
O mesmo acontece com a alimentação, cuja a previsão eram de 2.250 unidades para 25 integrantes da delegação visitante: 1 jantar e 2 almoços (30 jogos), mas abaixo no documento, à caneta, estava escrito “1050 alimentação”.
O Gaeco aponta que para justificar os gastos inexistentes, muitas vezes os integrantes da suposta organização criminosa, quando não se valiam da anuência de gerentes ou responsáveis dos hotéis no esquema, falsificavam documentos com tais despesas, usadas na prestação de contas.
Durante o cumprimento das buscas na Operação Cartão Vermelho, em 21 de maio, foram encontrados na sede da FFMS 189 carimbos de hotéis e restaurantes, de diversos municípios do Estado, que eram utilizados pelos integrantes do grupo para fazer a prestação de contas para a Fundesporte das verbas públicas recebidas, via convênio.
“Tal fato demostra a extrema organização do grupo criminoso, bem como a sistêmica falsificação de documentos para maquiar o desvio de verbas públicas”, conclui o Gaeco.
O Gaeco denunciou o presidente da Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul, Francisco Cezário de Oliveira, 78 anos, e mais 11 pessoas, inclusive quatro sobrinhos, pelo desvio de R$ 10 milhões. Eles foram denunciados pelos crimes de peculato, organização criminosa, lavagem de dinheiro, e até furto qualificado.
Foram acusados Aparecido Alves Pereira, 63 anos, Francisco Carlos Pereira, 65, Marcelo Mitsuo Ezoe Pereira, 40, Umberto Alves Pereira, 64 – o vice-presidente da federação, Marcos Antônio Tavares, o Marquinhos, 61, e seu filho, Marcos Paulo Abdalla Tavares, 33, Luiz Carlos de Oliveira, 66, o gerente de TI da FFMS, Edson Bogarin Barbosa, 41, e Jamiro Rodrigues de Oliveira, 79.