Para forçar a Prefeitura Municipal de Campo Grande a resolver, de uma vez por todas a gravíssima falta de remédios nos postos de saúde, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul manteve a multa de até R$ 500 mil definida em sentença de primeira instância. O problema é crônico e ocorre há 11 anos, sem solução por parte do gestor, enquanto a doentes sem recursos sofrem pela falta de tratamento adequado.
A decisão ocorre em meio a polêmica envolvendo a pré-candidata a prefeita, Rose Modesto (União Brasil) e a prefeita Adriane Lopes (PP). A falta de remédios, inclusive dipirona, foi duramente criticada pela ex-superintendente da Sudeco no lançamento da sua candidatura à prefeitura. A progressista rebateu dizendo, por meio de nota da Secretaria de Saúde, de que não falta medicamentos.
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No entanto, Adriane recorreu à Justiça, em fevereiro deste ano, contra sentença que prevê multa de meio milhão caso não consiga garantir o estoque de 100% dos medicamentos nas farmácias das unidades de saúde do município.
O município alegou que garante de 75% a 80% dos remédios obrigatórios. No entanto, os 20% restantes seriam em decorrência de circunstâncias alheias à vontade do poder público, como ausência de matéria prima, licitações fracassadas e não entrega de medicamentos pelos vencedores dos certames.
“A perícia que baseou a decisão apelada foi realizada em 18/10/2018 e informou que faltavam 54 medicamentos de uma lista de mais de 268 itens. Após esta perícia, outros documentos foram juntados nos autos, os quais demonstraram haver expressamente uma variável de 20% a 30% da falta de medicamentos na rede pública municipal”, pontuou o relator, desembargador Marcos José de Brito Rodrigues.
Em sentença, o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, condenou o município a resolver o problema, abrindo uma esperança de que a situação terá uma resposta do poder público.
“Destarte, em razão dos argumentos expostos, julgo em parte procedentes os pedidos formulados na inicial para condenar o requerido a (i) efetuar a aquisição de todos os insumos essenciais e medicamentos que constam na Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (REMUME) para abastecer o Almoxarifado, a Farmácia Central do Município (Coordenadoria de Assistência Farmacêutica) e as Unidades de Saúde da rede municipal de Campo Grande/MS, bem como a (ii) manter a regularidade do abastecimento dos estoques respectivos de modo a evitar que ocorra sua falta, sob pena de aplicação de multa diária de R$10.000,00 limitada a R$ 500.000,00”, determinou.
A sentença foi mantida pelo relator e pelos desembargadores João Maria Lós e Waldir Marques, da 1ª Câmara Cível.
“O direito fundamental à saúde, consagrado pela Constituição Federal em seu art. 6º e 196, não abrange apenas o fornecimento de um acesso igualitário e universal às medicinas preventiva e curativa, mas também abarca o fornecimento de medicamentos essenciais a este desiderato”, pontuou Rodrigues no acórdão publicado na última terça-feira (28).
“No presente caso, de acordo com as provas carreadas nos autos, constatou-se que o Município de Campo Grande, ao menos desde 2013, não vem cumprindo com a obrigação de regularizar e manter regularizados os estoques da Farmácia Central da Secretaria Municipal de Saúde (CAF), assim como os estoques das unidades de saúde municipais, conforme listagens de estoque fornecidas pelo próprio apelante”, lamentou o desembargador.
“Deste modo, o desabastecimento (estoque zero) e níveis de estoque crítico (poucas unidades de medicamentos) é situação visualizada em todos os Relatórios de Estoque apresentados neste processo seja pelo Município, seja pelo Ministério Público”, destacou.
“Ademais, sem razão quanto à alegada intervenção do Poder Judiciário, em ofensa à separação dos poderes. É certo que havendo falha de gestão no implemento de Políticas Públicas de fornecimento de medicamento essencial, como no caso, o Ministério Público e o Poder Judiciário passam a ter tarefa fundamental, para garantir o regular exercício do direito à saúde”, explicou o magistrado.
“Portanto, não se cogita em ingerência indevida do Poder Judiciário, pois não se busca inovar ou modificar a Política Pública de fornecimento do remédio na rede pública de saúde, sendo a atuação jurisdicional apenas sobre a falha na adoção de procedimentos eficazes pela Administração Pública para garantir a manutenção do estoque do medicamento, para repô-lo em tempo mínimo hábil no caso de esgotamento, de modo a diminuir os danos causados aos pacientes beneficiados, pela interrupção abrupta do tratamento de saúde, não havendo, portanto, de se cogitar em ofensa à separação de poderes, consagrada pela Carta Magna”, justificou-se o desembargador sobre a acusação do município de intromissão em outro poder.
O problema é crônico e tem marcado as últimas gestões municipais. Em nota sobre a acusação de Rose, a prefeitura informou que já tinha garantido a maior parte do estoque de medicamentos.