Seis anos após a denúncia ser sepultada pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, o ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça, “ressuscitou” ação por improbidade administrativa contra o ex-prefeito de Campo Grande, Marquinhos Trad (PSDB), por ter sido efetivado e promovido sem concurso público na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul.
De acordo com despacho do magistrado, publicado no Diário Oficial da corte nesta quarta-feira (29), as ações do Ministério Público referente a concurso público não prescrevem, conforme jurisprudência do STJ e do Supremo Tribunal Federal.
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A ilegalidade da contratação de Marquinhos pela Assembleia foi destacada pelo juiz David de Oliveira Gomes Filho, então titular da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, quando aceitou a denúncia feita pelo promotor Adriano Lobo Viana de Resende, da 29ª Promotoria de Justiça.
A ilegalidade da efetivação e promoção também foi constatada pela 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. No entanto, em julgamento realizado em março de 2018, os desembargadores Renato Dorival Pavan, Odemilson Roberto Castro Fassa e Claudionor Miguel Abss Duarte, acataram pedido do ex-prefeito e rejeitaram a ação sob alegação de que houve prescrição.
Marquinhos foi contratado como comissionado no gabinete do pai, Nelson Trad, em 10 de junho de 1986, quando ainda cursava Direito em uma faculdade do Rio de Janeiro, como técnico parlamentar, de nível médio. Apesar da Constituição de 1988 determinar a contratação mediante concurso público, ele foi efetivado e promovido a assistente parlamentar, de nível superior, em 1º de janeiro de 1991.
No entanto, o caso só virou escândalo nas eleições de 2016, quando ele disputou o cargo de prefeito da Capital e foi eleito no segundo turno. Ao tomar conhecimento, o promotor Adriano Lobo não deixou barato, como fizeram os antecessores, e ingressou com ação por improbidade administrativa.
“É induvidoso que a nomeação de servidor sem concurso público atenta contra o disposto no artigo 37, II, da Constituição Federal. Todavia, se analisada a questão em face das circunstâncias do caso concreto, em que a ação foi proposta 26 anos após a prática do ato administrativo, nem sempre sua anulação será a melhor solução”, pontou o relator do caso no TJMS, desembargador Renato Dorival Pavan.
Na época, o desembargador destacou o longo tempo para a proposição da ação pelo MPE. “O acórdão recorrido compreendeu que ‘em que pese o fato de que o ato foi praticado em desconformidade com o disposto no artigo 37, II, da CF, a se considerar o ato de 1991, o decreto de sua anulação implicaria violação ao princípio da segurança jurídica, também objeto da proteção constitucional e que deve prevalecer a se aplicar o postulado da razoabilidade/proporcionalidade, na medida em que os administrados não podem estar sujeitos indefinidamente (mormente após 26 anos) à uma instabilidade decorrente não de um ato praticado pelo administrado, mas pela própria administração”.
“Há um tempo transcorrido que se consolida em favor do recorrente, preservando a higidez do ato como forma de se assegurar tanto a estabilidade da relação funcional como, mais do que isto, da segurança jurídica que se operou em seu benefício”, pontuou Pavan, para livrar Marquinhos da denúncia.
No entanto, a Procuradoria Geral da República manifestou-se pela procedência do recurso do MPE, que estava parada no STJ desde 29 de setembro de 2018. “O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça possuem entendimento de que é inaplicável a decadência administrativa prevista no art. 54 da Lei nº 9.784/1999 em situações de flagrante inconstitucionalidade, como é o caso de ascensão funcional sem concurso público devendo ser afastada o reconhecimento da prescrição neste caso, com o regular prosseguimento da ação civil pública em primeiro grau”, opinou o Ministério Público Federal.
O ministro Herman Benjamin observou a jurisprudência do STJ e do STF a respeito do assunto. “Merece reforma o acórdão recorrido. Isso porque a jurisprudência do STJ firmou o entendimento de que, nas hipóteses em que o Ministério Público busca, em juízo, providências cabíveis para proteger o princípio constitucional do concurso público, não incidem os institutos da prescrição e decadência, tendo em vista que o decurso do tempo não tem o condão de convalidar atos de provimento efetivo em cargos públicos de pessoas que não foram previamente aprovadas em concurso público, sendo a situação flagrantemente inconstitucional”, concluiu.
Com a decisão, a ação de improbidade administrativa contra Marquinhos volta a tramitar na 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, comandada pelo juiz Marcelo Ivo de Oliveira.
Caso seja julgada procedente, o ex-prefeito pode perder a aposentadoria especial.
Marquinhos informou que já era esperada a decisão do STJ. No entanto, ele sinalizou que deverá recorrer ao Supremo Tribunal Federal que possui um entendimento diferente a respeito do assunto. Conforme o ex-prefeito, a anulação do ato que o efetivou em 1991 poderá atingir cerca de 2 mil servidores do legislativo, entre ativos e inativos.