O narcotraficante Gerson Palermo, apontado como um dos chefes do PCC, rompeu a tornozeleira eletrônica e fugiu após o desembargador Jonas Hass Silva, revogar o habeas corpus e restabelecer a prisão preventiva. Além de responsabilizar o outro magistrado pela fuga, o desembargador aposentado Divoncir Schreiner Maran afirmou, na defesa encaminhada ao Conselho Nacional de Justiça, que não sabia da condenação do criminoso de alta periculosidade a 126 anos de prisão.
Nas alegações finais, apresentada pelos advogados DanieL Castro, Thiago Grillo e Vinícius Menezes dos Santos, o desembargador nega ter recebido qualquer vantagem indevida para revogar a prisão do criminoso e destaca ter seguido a recomendação do CNJ para conceder prisão domiciliar aos presos com problemas de saúde devido à pandemia da covid-19.
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O CNJ abriu procedimento disciplinar administrativa contra Maran por ter concedido habeas corpus a Gerson Palermo, apesar da alta periculosidade e da condenação a 126 anos. O magistrado não ouviu o Ministério Público, não respeitou a supressão de instância nem exigiu exames médicos para comprovar as comorbidades apresentadas pelo bandido.
Fora do presídio, o narcotraficante rompeu a tornozeleira, fugiu e nunca mais foi encontrado pela polícia brasileira nem pela Interpol.
Na defesa apresentada ao CNJ, Divoncir Schreiner Maran culpa o desembargador Jonas Hass Silva, que revogou o habeas corpus e decretou a prisão de Palermo no dia seguinte, pela fuga do bandido.
“Nessa consecução, a liminar concedida foi devidamente fundamentada e respaldada em precedentes jurisprudenciais (inclusive do próprio TJMS), não havendo, portanto, qualquer ilegalidade do ato, e mais, há registro de que o sentenciado GERSON PARLEMO estava efetivamente cumprindo as determinações contidas na liminar e, apenas e tão somente, depois da revogação (pelo Desembargador Relator) o sentenciado rompeu sua tornozeleira (rompimento ocorreu em 22/04/2020 às 20h14min, enquanto a decisão que revogou a liminar foi liberada nos autos em 22/04/2020 às 17h26min)”, apontaram os advogados.
“O mandado de prisão do sentenciado foi expedido apenas no dia seguinte a supracitada decisão (23/04/2020 às 08h33min), havendo, portanto, um intervalo de 15 (quinze) horas, tempo suficiente para que o paciente fosse comunicado (muito provavelmente por seu advogado), ocasião em que rompeu o sistema de monitoramento”, supôs o ex-presidente do Tribunal de Justiça.
Outro ponto alegado por Divoncir é que ele só tomou conhecimento da periculosidade do bandido e da condenação a mais de 100 anos de prisão pela imprensa. A defesa alega que o desembargador nem a assessora Gabriela Soares Moraes tinham conhecimento da sentença secular.
“Verificou-se, ainda, que a ‘alegada existência de outra condenação oriunda de Londrina/PR’ sequer havia sido unificada na Guia de Recolhimento (GR) do sentenciado, portanto, não havia qualquer menção de que GERSON PALERMO cumpria pena de mais de 100 (cem) anos de prisão, conforme veiculado pela ‘mídia’”, alegou o magistrado.
“Registrou, por fim, que outras decisões também foram proferidas naquele mesmo plantão (inclusive outros HC´s), de modo que não houve qualquer privilégio ou favorecimento pessoal ao sentenciado, e não poderia ser diferente, já que o REQUERIDO é magistrado há 43 (quarenta e três) anos, destes, 20 (vinte) apenas como Desembargador, jamais respondendo a qualquer processo administrativo ou disciplinar durante todos esses anos, tendo, inclusive, exercido cargos de Corregedor e de Presidente do E. TJMS, de modo que sua boa reputação e cautela o precede”, alegou Daniel Castro.
A defesa ainda destacou que Gerson Palermo fazia parte da lista de presos passíveis de prisão domiciliar elaborada pela Agepen com base nas orientações da resolução do CNJ. Ele só foi excluído após o juiz Mário José Esbalqueiro Júnior, da Vara de Execução Penal, realizar um pente fino e excluir os bandidos de alta periculosidade.
“Das informações prestadas, 3 (três) questões merecem total atenção por parte deste C. CNJ: i. a primeira, é o fato do d. magistrado reconhecer que o nome do sentenciado figurou na lista encaminhada pela AGEPEN; ii. a segunda, informar uma suposta decisão (excluindo o sentenciado – aí sim, informando ser membro de facção criminosa, pena elevada etc. – a qual é inexistente nos autos e; por fim, iii. informar que o sentenciado havia sido condenado em outro Estado da Federação, sendo que referida pena ainda não HAVIA SIDO incluída na Guia de Recolhimento de GERSON PALERMO)”, resumiram os advogados na defesa de 86 páginas protocolada na segunda-feira (20) no CNJ.
“E mais, conforme se verifica do acervo probatório colacionado aos autos, o REQUERIDO não conhecia o sentenciado (muito menos o seu advogado), não recebeu qualquer vantagem ao proferir tal decisão, quiçá agiu em favorecimento de PALERMO, visto que conforme esclarecido, a decisão foi pautada na sobredita Recomendação CNJ, nos documentos que instruíram o HC e na inércia do magistrado singular em analisar o pedido na origem (sendo que dia após dia os casos de COVID19 em Mato Grosso do Sul triplicavam)”, justificaram.
A defesa citou o ex-deputado federal Fábio Trad (PSD), que foi presidente da OAB/MS. Advogado criminalista, ele também disse, em depoimento ao CNJ, que nunca tinha ouvido falar de Palermo. O bandido tem uma fama notória, que inclui até o sequestro de um avião da VASP.
Sobre o fato do desembargador ter tomado conhecimento do habeas corpus antes dele ser encaminhado ao seu gabinete, a defesa argumentou que o telefone do magistrado de plantão é disponibilizado no site do Tribunal de Justiça.
“Verifica-se, portanto, que era possível (e ainda é) que advogados contatassem diretamente o Desembargador plantonista, bem com sua assessoria, em seu telefone pessoal, não havendo, portanto, qualquer ilegalidade/indícios de favorecimento, o fato do advogado do sentenciado ter contatado previamente o REQUERIDO (tão logo tenha impetrado o ‘writ’) para informar do caso (despacho) passando a numeração dos autos, qual seja: 1404522- 80.2020.8.12.0000”, explicou.
Ele também refutou de que o assessor, Fernando Carlana, o Bob, tenha assinado o habesa corpus sem seu conhecimento. “O depoimento do ex-assessor FERNANDO (analisado conjuntamente com o depoimento de GABRIELA), confirmam que DIVONCIR analisou o caso apresentado via ‘writ’, decidindo que o caso era de concessão de liminar (com base na Recomendação n. 62 CNJ, nas provas apresentadas nos autos, bem como em precedentes do próprio TJMS), bem como que a decisão foi concluída por volta das 2h da madrugada (entre os dias 20 e 21/04) – registrando, ainda, que não havia qualquer impedimento ou recomendação do TJMS de que decisões do plantão não poderia ser confeccionadas de madrugada -, e que, por volta das 6h – 6h30min da manhã, FERNANDO avisou o REQUERIDO que a decisão estava pronta”, relatou.
“Nota-se, ainda, que o Desembargador teve aproximadamente 2h (duas) horas – intervalo entre as 6h / 6h30min até as 8h / 8h30min – para analisar a decisão (bem como eventuais dúvidas sobre o processo), eis que a mesma foi assinada e liberada nos autos apenas por volta das 8h – 8h30min. Portanto, nunca houve inversão de papéis sobre a jurisdição”, pontuou, rebatendo a tese do MPF, de que a assessora elaborou a minuta do HC e o assessor assinou a soltura do narcotraficante.
Para minimizar o fato dele ter solto um criminoso de alta periculosidade, os advogados criticam os meios de comunicação por não terem dado a mesma publicidade para o Tribunal Regional Federal que absolveu Gerson Palermo em uma das denúncias por tráfico internacional.
“Estranhamente, a mesma ‘mídia’ e opinião pública que acusaram DIVONCIR, não agiram do mesmo modo ao tomarem conhecimento da decisão acima, certamente que isso não ocorreu por se tratar de decisão/entendimento de natureza jurisdicional, assim como ocorreu no caso do RECORRIDO. Por todos esses elementos de prova, DIVONCIR merecer ser absolvido das imputações e, por consequência, o PAD merece ser arquivado”, concluíram os advogados.
Agora, com o parecer do MPF pela condenação do desembargador com aposentadoria-sanção e da defesa, pela absolvição, o relator, o conselheiro João Paulo Schocair, deve encaminhar o caos para julgamento no plenário do CNJ.