O juiz Giuliano Máximo Martins, da 16ª Vara Cível de Campo Grande, citou a “liberdade de informação” e de “expressão” para julgar improcedente ação de Vander Loubet (PT) contra Vinicius Siqueira (MDB). O magistrado inocentou o ex-vereador por ter postado o “vídeo da quadrilha” nas redes sociais, no qual dançava a tradicional dança da festa junina em torno do deputado federal, e que teve repercussão nacional.
No vídeo postado há oito anos, em 8 de fevereiro de 2016, Siqueira, ainda só um ativista de direita, reuniu um grupo para dançar no entorno do deputado em um café na Capital. “Olha a fogueira, aiai. Olha a fogueira, oioi. Cuidado para não se queimar. Olha o Lula! É mentira…”, grita, entre uma encenação e outra. “Olha a Polícia Federal!”, grita, quando o grupo se dispersa. O vídeo teve 662 mil visualizações.
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Vander pediu a exclusão do vídeo do Facebook e a retratação permanente de Siqueira por expô-lo ao ridículo. Na época, Vander tinha sido denunciado na Operação Lava Jato por supostamente recebe R$ 1,028 milhão em propina em esquema de desvio da Petrobras. Ele foi absolvido por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal.
“Analisando o vídeo, é possível constatar que o autor estava sentado em um estabelecimento comercial com uma outra pessoa, quando foi surpreendido pelo requerido Vinícius e outras pessoas dançando ‘quadrilha’ em seu entorno, fazendo referência ao então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aos processos de investigações correntes à época dos fatos (fl. 275), dos quais o autor figurou como réu e foi absolvido pela Suprema Corte”, pontuou Giuliano Máximo Martins.
“De modo irônico e, sem dúvida, constrangedor, o vídeo indica indiretamente que o autor participa de uma quadrilha, com menção ao então ex-Presidente da República conhecido como ‘Lula’, sendo que durante a dança é mencionada a polícia federal como um impeditivo de continuar no mesmo sentido”, ponderou o juiz.
“Vale contextualizar que na época dos fatos o autor da ação estava no cargo de Deputado Federal e era investigado por um suposto delito oriundo da operação Lava-Jato. Depois de recebida a denúncia, o autor veio a ser absolvido das acusações, o que culminou no presente pedido de obrigação de fazer, sob o principal argumento de que o vídeo é vexatório e ofende sua honra”, continuou.
“Era época em que a imprensa divulgava diversas operações da Lava-Jato com acusações de corrupção durante o governo do então ex-Presidente da República. Ocorre que, não obstante as alegações do autor, não se vislumbra, no caso em questão, que a conduta e as postagens realizadas pelo réu ou a forma como estas foram veiculadas tenham ultrapassado os limites do exercício regular do direito de liberdade e de expressão, notadamente por figurarem em lados políticos opostos”, destacou, sobre Vinicius ser de direita e Vander, esquerda.
“A partir da análise dos documentos acostados aos autos, verifica[1]se que, apesar do teor crítico das publicações efetuadas pelo requerido, não há qualquer excesso ou exorbitância que implique o dever de indenização”, concluiu o magistrado.
“Cumpre observar que o requerente exerce cargo de deputado federal, ou seja, é agente político e, como tal, está sujeito à exposição, às críticas e ao inconformismo quanto à sua forma de atuação. Tratando-se de pessoa pública, inegável que o autor tem sua esfera de direitos da personalidade mitigada frente à liberdade de informação e de expressão”, frisou.
“No caso em apreço, embora o requerido tenha manifestado de forma contundente sua crítica e sua discordância com condutas imputadas em investigações ao autor e à sua ideologia política, não é suficiente para justificar o acolhimento das pretensões autorais. Anota-se que à época da manifestação, em 2016, havia investigação em andamento contra si”, explicou.
O magistrado recorre aos direitos constitucionais da liberdade de expressão, que foram ignorados por seus colegas ao analisar pedidos semelhantes feitos pelo ex-governador Reinaldo Azambuja (PSDB).
“Não obstante, a censura da manifestação contra agente político é ato excepcionalíssimo no Estado Democrático de Direito, que deve atingir o cidadão apenas em casos extremos, o que não se verifica no caso concreto, notadamente porque o autor novamente concorreu e foi eleito nas eleições de 2018, demonstrando que não houve efetivo dano à sua reputação e honra. Vale destacar que novamente foi eleito no ano de 2022, a indicar seu prestígio perante a população mesmo com os vídeos abertos em redes sociais”, pontuou, sobre o sucesso de Vander nas urnas.
“Dessa feita, se não resta evidenciado o excesso no direito de expressão e de manifestação do pensamento e se não verifica a ocorrência de dolo ou culpa nos atos praticados, resta afastada a ilicitude da conduta perpetrada pelo réu e, por consequência, não estão preenchidos os requisitos que ensejam o dever de exclusão da publicação”, avaliou.
“Dessarte, ante a ausência de ato ilícito, a improcedência dos pedidos é medida que se impõe”, concluiu, livrando Vinicius de ser punido com retratação ou pagamento de indenização ao deputado federal.
Vander Loubet poderá recorrer contra a sentença ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.