O Ministério Público Federal apontou que Viviane Alves Gomes de Paula, esposa do desembargador Divoncir Schreiner Maran, dava orientações aos assessores do gabinete do magistrado. Ele também delegava as funções, já que uma assessora elaborava as minutas e outro funcionário era responsável pela assinatura dos habeas corpus em nome do ex-presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
No parecer encaminhado ao Conselho Nacional de Justiça pela condenação do desembargador, o subprocurador-geral da República, José Adonis Callou de Araújo Sá, destacou que Divoncir Schreiner Maran só deu orientação a respeito do habeas corpus protocolado pelo narcotraficante Gerson Palermo, condenado a 126 anos de prisão.
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Conforme a investigação, ele teve conhecimento do pedido antes dele ser distribuído ao gabinete e orientou o assessor, Fernando Carlana, o Bob, a conceder o HC e liberar o traficante. A minuta foi elaborada pela assessora Gabriela Soares Moraes, que trabalhou na elaboração das 21h42 do dia 20 de abril de 2020 até às 2h04 da madrugada.
Devido à periculosidade do criminoso, apontado como chefe do PCC (Primeiro Comando da Capital), ela incluiu o monitoramento eletrônico. Gabriela concedeu o benefício contrariada, porque tinha alertado o desembargador da supressão de instância – o pedido não havia sido analisado pelo juiz Mário José Esbalqueiro, da 1ª Vara de Execução Penal da Capital. Ela também tinha pontuado que não foi apresentado exames para atestar a gravidade do quadro de saúde.
No feriadão de Tiradentes de 2020, Fernando Carlana afirma, na mensagem encaminhada a colega, que já tinha assinado 10 habeas corpus sem prestar atenção.
Outro ponto destacado por José Adonis é que Viviane de Paula dava orientações aos assessores do marido sobre como deveria proceder na análise dos processos. “Dentre as mensagens de texto analisadas, em 31/3/2021 consta o diálogo entre Viviane Alves Gomes de Paula e Fernando Carlana (chamado de ‘Bob’, inclusive pelos colegas no gabinete), no qual infere-se a ingerência da primeira em processo que seria decidido pelo magistrado, cuja minuta seria elaborada pelo segundo, a quem ela transmite determinações, supostamente a pedido do companheiro”, pontua o subprocurador-geral da República.
“A naturalidade com que os interlocutores procedem às tratativas denota tratar-se de situação corriqueira, ou seja, era comum que a companheira do magistrado dirigisse determinações sobre processos judiciais específicos ao assessor do magistrado, que a ela se reportava dando retorno sobre as minutas e notícias sobre julgamentos”, destacou.
“Comprovou-se que a execução da assinatura da decisão foi feita pelo servidor que conhecia a senha do requerido e utilizava seu token, caracterizando-se uma indevida delegação de ato personalíssimo do julgador, suficiente a abalar a segurança jurídica necessária à prestação jurisdicional. A aprovação da minuta pelo magistrado não tornou regular a prática adotada e tampouco afastou a manifesta negligência de sua conduta, correspondente a uma inaceitável terceirização da jurisdição”, acusou o MPF.
“Imputa-se ao magistrado a violação do dever de cumprir com independência e exatidão os atos de ofício, bem como de manter conduta irrepreensível na vida pública e particular, previstos no art. 35, I e VIII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, além da inobservância da imparcialidade, da prudência e da cautela necessárias ao exercíciof jurisdicional, descritas nos arts. 1º, 5º, 8º, 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura Nacional, ao proferir de forma irregular decisão concessiva de ordem em habeas corpus durante o plantão judiciário, beneficiando criminoso vinculado ao crime organizado”, concluiu.
Divoncir confirmou que o assessor assinou o habeas corpus e até de que foi alertado para a irregularidade no procedimento. “Durante o interrogatório, o magistrado confirmou que foi alertado acerca da questão da supressão da instância, mas manteve seu posicionamento no sentido da possibilidade de conhecimento do HC, e que Fernando Carlana foi quem assinou a decisão”, relatou o subprocurador-geral. O MPF opinou pela condenação de Divoncir. No caso, a aposentadoria compulsória poderá ser convertida em aposentadoria-sanção.