O ex-governador de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), venceu a ação movida contra o repórter Edivaldo Bitencourt, editor de O Jacaré. O juiz da 2ª Vara Criminal de Campo Grande, Eduardo Eugênio Siravegna Junior, condenou o jornalista a nove meses e dez dias de detenção em regime aberto. A pena por crime de calúnia em duas reportagens foi convertida em prestação de serviços.
Na queixa-crime, o ex-governador aponta que três matérias extrapolaram o “mero conteúdo informativo”. As reportagens mencionadas são: “Reinaldo intervém em ação para ajudar ‘amigo’ citado pela JBS a desmatar o Pantanal”, “Projeto malfeito permite desvios, promotor exige licitação e mela pacto para concluir Aquário” e “É o Brasil! Desembargador vê afronta de promotor ao cobrar a lei para concluir Aquário”.
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“Na primeira matéria (f. 26-30) o querelado afirma que o querelante, então Governador do Estado, “decidiu intervir na ação judicial para ajudar” pecuarista, citado na delação da JBS, a desmatar área no Pantanal, atuação essa que se subsumiria ao tipo penal descrito no art. 321 do CP (Advocacia Administrativa)”. Advocacia administrativa é patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário público.
“No atinente à segunda matéria (f. 31-36), o querelado declara que uma ação promovida por um promotor de justiça teria “melado o pacto” do querelante com o “procurador geral de Justiça” e o “presidente do Tribunal de Contas do Estado”, o qual “previa a contratação de duas empresas sem licitação”. Afirma, ainda, que haveria o risco do próximo governador não dar continuidade a obra indicada na matéria “devido ao vício legal, falta de licitação”.
“Na espécie, o comportamento atribuído pelo querelado ao querelante ajusta-se ao crime de dispensa ou inexigibilidade indevida de licitação (art. 89, da Lei n.° 8.666/93, atualmente tipificado no art. 337-E do CP)”.
Quanto à terceira reportagem, Reinaldo Azambuja viu crime de calúnia no trecho do texto que dizia que o governador “só se preocupou com a conclusão do Aquário após deixar a obra parada por três anos. E só decidiu retomá-la no último ano de mandato, em plena campanha eleitoral”.
Neste caso, embora o ex-governador alegue que a afirmação desague na imputação de advocacia administrativa, o pedido foi rejeitado pelo juiz.
“No caso dos autos, restou comprovado que o acusado executou duas calúnias”, decidiu o juiz Eduardo Siravegna. Ao calcular a pena do jornalista, a calúnia foi majorada porque Reinaldo Azambuja exercia função pública e o meio empregado no delito: divulgar o conteúdo na internet (rede mundial de computadores). O editor de O Jacaré também foi condenado a pagar multa e as custas do processo.
Confiança na Justiça
A defesa do jornalista Edivaldo Bitencourt divulgou nota manifestando confiança na Justiça. O documento é assinado pelos advogados Cezar Lopes e Rhiad Abdulahad.
“A defesa respeita a sentença proferida pelo juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Campo Grande/MS, datada de 28 de abril de 2024, porém discorda dos fundamentos lançados na mesma para embasar a condenação de um jornalista que sempre se pautou pela ética em sua profissão e com respeito aos ditames legais e constitucionais”
As matérias condenadas
A reportagem “Reinaldo intervém em ação para ajudar ‘amigo’ citado pela JBS a desmatar o Pantanal”, publicada em 18 de abril de 2018, informava que o desmatamento da fazenda do pecuarista Élvio Rodrigues tinha sido suspenso pela 1ª Vara de Fazenda de Corumbá e Tribunal de Justiça.
Para reverter a decisão contrária ao desmatamento, a Procuradoria-Geral do Estado alegou grave risco financeiro e conseguiu liminar junto ao então presidente do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), desembargador Divoncir Schreiner Maran, para autorizar a supressão vegetal de 20,5 mil hectares de fazenda no Pantanal.
Elvio Rodrigues foi assessor de Reinaldo quando foi prefeito de Maracaju. Na delação premiada da JBS, o pecuarista foi acusado pela Polícia Federal de ter emitido R$ 9,1 milhões em notas frias para viabilizar o pagamento de R$ 67,791 milhões em propinas pelo frigorífico ao então governador do Estado.
A mesma reportagem já havia motivado outra decisão da Justiça de Mato Grosso do Sul favorável ao ex-governador. O jornalista Edivaldo Bitencourt pagou indenização de R$ 15 mil a Azambuja, dono de patrimônio de R$ 38 milhões.
Já a matéria “Projeto malfeito permite desvios, promotor exige licitação e mela pacto para concluir Aquário” utiliza um termo muito difundido no jornalismo nacional. O “melar” indica o surgimento de algo inesperado em meio a acordo que parecia fadado ao sucesso, considerando a aprovação de todas as partes interessadas.
Publicada em 12 de junho de 2018, a reportagem informa que o então titular da 30ª Promotoria do Patrimônio Público, promotor Marcos Alex Vera de Oliveira, havia ingressado com ação na Justiça para obrigar a realização de nova licitação para concluir o Aquário do Pantanal, que poderia custar R$ 38,7 milhões aos cofres públicos. Depois, o local foi rebatizado de Bioparque Pantanal.
O processo foi uma reação ao acordo entre o governador Reinaldo Azambuja, o procurador geral de Justiça, Paulo Cezar dos Passos, e o presidente do Tribunal de Contas do Estado, conselheiro Waldir Neves. O pacto previa a contratação de duas empresas sem licitação.
Apesar da anuência do então chefe do Ministério Público, o promotor entrou com a ação porque há independência constitucional entre os membros. Lançado em 2011 pelo ex-governador André Puccinelli (MDB) o Aquário já tinha denúncia de corrupção na operação Lama Asfáltica, deflagrada pela PF (Polícia Federal).
O desfecho foi de que as obras foram licitadas. Primeiro, a Justiça acatou o pedido do promotor, exigindo a licitação. Depois, o TJMS liberou o fim do Aquário sem procedimento licitatório. Na sequência, o MPMS desistiu do acordo. Desta forma, o governo optou por fazer as licitações.