Exatos vinte e quatro anos dividem o sábado inteiro de buscas por encaixar palavras para falar, mais uma vez, da maternidade e o último nascer de sol sem a menor noção da realidade do ser mãe.
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Vinte quatro anos atrás, eu tinha 24 anos, mais cabelo, menos paciência, mais dúvidas, menos recursos, mais saúde, nenhuma experiência. Quase nada naquelas duas décadas serviriam para ajudar aquela menina que fui tocar dois turnos de trabalho, amamentar, trocar fraldas, conhecer sobre genética, decifrar choros, compreender o limiar de febres, observar xixis, duvidar da consistência de cocôs, administrar aluguéis de casas, gerir parcos orçamentos domésticos, planejar férias nunca gozadas.
Enquanto meu primeiro menino crescia, caminhava, caía de camas (ou sofás), passava semanas inteiras em hospitais sendo picado por agulhas ou testado para um novo medicamento, o mundo profissional há muito cobrava uma competência nunca devolvida. Na redação, pela manhã, de café tomado e banho em dia, não entram as recordações de noites mal dormidas em casa ou em quartos de hospitais a segurar aquela mãozinha cheia de acessos para veias minúsculas.
Os olhinhos do meu primeiro menino já enxergavam pedidos de socorro, decepção comigo, solicitações de esclarecimento, aprovação e satisfação. No decorrer dos anos, o olhar dele mudou de direção, se antes era de baixo para cima, agora é de cima para baixo. Nossas posições também não são as mesmas, porque meu colo ainda o comporta, mas são os braços dele que erguem, me bailam, me rodam.
Ao ver essas performances, meu segundo menino demonstra na face a expectativa de, um dia, também segurar levar nas mãos a mãe dele e do irmão. Quando me olha de cima para baixo, lembro daquela segunda chegada, daquela segunda maternidade também antecedida por um nascer de sol. Nele há um pouco de todos nós, do Mano (assim mesmo em letra maiúscula como demonstra a grandeza da fraternidade deles) e de uma mãe conformada. Há conformismo em prazos não cumpridos diante de noites em claro, da espera por exames, do desejo de interromper tudo e da desistência diante da grandeza dos homens que eles vão se tornando.
Ao contemplar dessas obviedades da natureza onde meninos crescem; mães diminuem; mães ensinam, meninos aperfeiçoam; mães oferecem, meninos retribuem; meninos vão, mães ficam; ainda posso ostentar a medalha de campeã olímpica de guerra de polegares e o posto piloto de fuga. Para a primeira modalidade, treino meus dedos (cada vez menores diante dos deles) a antecipar cada movimento e sou implacável (como o tempo tem sido conosco) e eles me fazem acreditar que eu, ainda, estou à frente. Já para a segunda, sou capaz de chegar com nossa caranga (automóvel para os jovens como eles) a escolas, a exames e a passeios, ainda que o caminho de casa seja muito conhecido e, talvez, fosse trilhado mais rapidamente sem minha intervenção.
Hoje, os contemplo cheios de imensa estatura cidadã e física; experts em compaixão e empatia; aprendizes do amor, passarinhos prontos para voar sem aquela vontade de voltar, e espero, sabendo ser a mãe que foi possível ser, permanecer, ao menos, ágil (risos) para liderar a liga de guerra de dedão (disputada por nossa divisão olímpica de três). As fugas para as portas de escolas e programinhas me esperam por alguns aninhos, poucos, vou aproveitá-las e fugir para eles, enquanto assim permitirem.