O Ministério Público Federal deu parecer pela condenação do ex-presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, desembargador Divoncir Schreiner Maran, pela concessão de habeas corpus ao narcotraficante Gerson Palermo, condenado a 126 anos de prisão no regime fechado. A aposentadoria compulsória por ter completado 75 anos no dia 6 de abril deste ano não interrompe o procedimento no Conselho Nacional de Justiça.
O parecer é do subprocurador-geral da República, José Adonis Callou de Araújo Sá. O CNJ poderá mudar a aposentadoria do magistrado de compulsória para aposentadoria-sanção e deixar registrada na ficha do magistrado a condenação por ter soltado um bandido de alta periculosidade.
Veja mais:
Divoncir decidiu sobre HC antes de pedido ser ajuizado e distribuído a seu gabinete, diz PF
PF propõe indiciamento de ex-presidente do TJ por corrupção passiva e lavagem de dinheiro
Processo contra desembargador que soltou chefe do PCC entra na fase final no CNJ
A procedência no CNJ pode complicar a situação penal de Divoncir. A Polícia Federal pediu o seu indiciamento pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. No entanto, a ministra Isabel Gallotti, do Superior Tribunal de Justiça, optou por encaminhar o inquérito para uma das varas criminais da Justiça estadual em Campo Grande e não analisou o pedido.
Sem foro especial, Maran deve ser condenado pelo CNJ, conforme parecer do MPF. Ele se gaba de nunca ter uma mancha na ficha funcional ao longo de 43 anos como magistrado em Mato Grosso do Sul.
“Todo o quadro descrito demonstra que ao conceder a medida liminar no HC nº 1404522-80.2020.8.12.0000, na forma delineada na presente manifestação, o requerido, cuja atenção deveria ter sido redobrada ao analisar o pedido de prisão domiciliar em plantão judiciário, violou os deveres de cumprir com imparcialidade e exatidão as disposições legais e de manter conduta irrepreensível na vida pública, impostos no art. 35, I e VIII, da Lei Complementar nº 35/1979. A conduta do magistrado revelou, ainda, manifesta negligência em seu atuar, bem como inobservância aos princípios da imparcialidade e da prudência, insculpidos nos arts. 1º, 5º, 8º, 24 e 25, todos do Código de Ética da Magistratura Nacional”, concluiu Sá.
“Caracterizadas, assim, a autoria e a materialidade das infrações funcionais imputadas ao magistrado, a desafiar a aplicação da sanção administrativa”, ressaltou o subprocurador-geral da República.
“Em face do exposto, o parecer do Ministério Público Federal é pela procedência da imputação formulada no processo administrativo disciplinar, com a aplicação da sanção de aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao magistrado requerido”, solicitou.
Conforme o MPF, Divoncir Schreiner Maran teve conhecimento do habeas corpus antes dele ser distribuído ao seu gabinete e orientou os funcionários, o chefe de gabinete, Fernando Carlana, que tinha o token para assinar as decisões do desembargador, e Gabriela Soares Moraes, que elaborava as minutas, para conceder a prisão domiciliar ao chefão do PCC, mediante o uso de tornozeleira eletrônica.
“Apesar de não existir uma hierarquia formal entre os assessores do requerido, as provas de natureza documental e testemunhal a seguir analisadas demonstram que, à época dos fatos, Fernando Carlana coordenava as atividades do gabinete, tinha contato direto com o magistrado e transmitia suas orientações aos servidores, bem como assinava as minutas de decisão com o certificado digital do requerido”, pontuou o MPF.
“A testemunha acrescentou que o HC nº 1404522-80.2020.8.12.0000 foi protocolado às 18h34 e distribuído às 21h42, sendo que, nesse interregno, a tela encaminhada pelo magistrado a Fernando Carlana, posteriormente repassada para Gabriela Soares Moraes, somente poderia ser acessada por quem tivesse o perfil de distribuição, não sendo comum que os desembargadores o possuíssem. Não há nos autos notícias de que o requerido ou seu assessor tivessem o referido perfil”, destacou o MPF, sobre o depoimento de Éder Gilson da Silva Vargas, responsável pela distribuição dos processos no TJMS.
“Mais tarde, após Gabriela Soares Moraes entrar em contato com o setor de distribuição, ela passou uma mensagem de áudio para Fernando Carlana, às 20h41, esclarecendo sobre a necessidade de o desembargador ou a pessoa interessada ligar para o servidor da distribuição colocar o processo no fluxo do plantão. Fernando Carlana então responde: ‘Blz então’ e ‘Vou avisar o Desembargador’”, pontua o subprocurador-geral da República.
Gabriela informou à Polícia Federal que havia supressão de instância, mas não foi ouvida. Ela até diz para Bob, como Fernando é conhecido, de que teria realizado uma “gambiarra” para soltar Palermo e acatar a determinação de Divoncir.
“Durante o interrogatório, o magistrado confirmou que foi alertado acerca da questão da supressão da instância, mas manteve seu posicionamento no sentido da possibilidade de conhecimento do HC, e que Fernando Carlana foi quem assinou a decisão”, frisou o subprocurador-geral da República.
“Registra-se que, dos 11 processos distribuídos durante o plantão, somente o HC impetrado em favor de Gerson Palermo mereceu a atenção do magistrado, de modo a repassar a orientação sobre o sentido a ser adotado na minuta apenas nesse caso, inclusive citando a jurisprudência transcrita pelo advogado do paciente na inicial, antes mesmo da distribuição para o gabinete, a demonstrar a ciência que o requerido tinha desse documento previamente ao seu ingresso no sistema processual do TJMS”, destacou.
No mesmo plantão, no dia 19 de abril de 2020, Maran negou um habeas corpus sob a alegação de supressão de instância. Ou seja, ele ignorou uma regra do Judiciário apenas para conceder HC ao narcotraficante.
“Comprovou-se que a execução da assinatura da decisão foi feita pelo servidor que conhecia a senha do requerido e utilizava seu token, caracterizando-se uma indevida delegação de ato personalíssimo do julgador, suficiente a abalar a segurança jurídica necessária à prestação jurisdicional. A aprovação da minuta pelo magistrado não tornou regular a prática adotada e tampouco afastou a manifesta negligência de sua conduta, correspondente a uma inaceitável terceirização da jurisdição”, lamentou.
A defesa de Divoncir negou que houve irregularidade. “A decisão ora sob análise consubstancia ato jurisdicional, assemelhada a milhares de outras proferidas nas mesmas condições com fundamento na Recomendação CNJ nº 62/2020, abarcada, portanto, pela independência funcional garantida aos magistrados no exercício da atividade judicante”, explicou.
“Não havia como prever o rompimento da tornozeleira e a fuga do paciente”, afirmou, sobre a fuga misteriosa do narcotraficante. “A demora no exame do pedido pelo juízo de 1º grau caracterizou negativa de prestação jurisdicional, suficiente a justificar a atuação em segunda instância”, justificou, sobre a supressão de instância.
“A urgência do pedido de liminar, a situação da COVID e a Recomendação CNJ nº 62/2020 fundamentaram a necessidade de análise no plantão”, pontuou.
“A periculosidade do paciente e supostas inverdades contidas na inicial do habeas corpus não eram de seu conhecimento à época da decisão”, minimizou, sobre a folha corrida de Palermo, que incluiu o sequestro de um avião.
Agora, a defesa deverá apresentar as alegações finais para o caso ser julgado pelo plenário do CNJ.