O juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, anulou a sentença da juíza Elizabeth Rosa Baisch, que “furou” a escala de juízo natural. Em nova sentença, publicada nesta quinta-feira (9), o magistrado fez duas críticas à magistrada e não homologou o acordo que permitiria o desmatamento de 18,6 hectares do Parque dos Poderes.
Em uma decisão, que já pode ser considerada histórica pela contundência em defesa do meio ambiente e da participação da sociedade, o magistrado acatou os embargos de declaração opostos pela advogada Giselle Marques, em nome de um grupo de ambientalistas e advogados. Corrêa criticou, inclusive, a gestão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, que tem interesse na supressão vegetal para a construção do Palácio do Justiça.
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De acordo com o magistrado, Elizabeth Baisch não estava na fila para assumir a 1ª Vara de Direitos Difusos durante suas férias. O juiz Wagner Mansur Saad, da Vara de Execução Fiscal Municipal, era o 3º da escala e não estava de férias. Pelo regimento do tribunal, ele deveria assumir o processo.
“Quanto às alegações de nulidade da sentença por violação ao devido processo legal, ao juiz natural (juiz titular desta Vara ou seus substitutos legais) e à preclusão pro judicato, todavia, os embargos de declaração merecem acolhimento, como adiante se verá”, ponderou Ariovaldo Nantes Corrêa.
“O pedido dos embargantes merece ser acolhido neste ponto, pois, de fato, a sentença não foi proferida por seu juiz natural. Com efeito, em que pese a escala de substituições ordinárias desta vara sejam, nesta ordem, os juízes da (i) 2ª vara de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, que se encontrava em gozo de férias na ocasião, da (ii) vara regional de falências, recuperações e de cartas precatórias cíveis, que também se encontrava em gozo de férias na ocasião, e, por fim, da (iii) vara de execução fiscal da fazenda pública municipal, o qual estaria atuando normalmente na ocasião da substituição (fl. 1.678), foi designada para substituir o titular desta vara a juíza titular da 3ª vara do juizado especial desta comarca sem que qualquer motivação substancial para tal excepcionalidade fosse declinada no ato administrativo”, criticou.
Outro ponto destacado foi que Elizabeth Baisch não seguiu o rito de um substituto natural, de só analisar pedidos emergenciais e evitar sentenças em processos complexos, como é o caso do desmatamento do Parque dos Poderes.
“Tendo em conta o evidente interesse da administração do TJ/MS na homologação do acordo como visto linhas atrás, a designação pela administração do TJ/MS de outro juiz fora da ordem natural de substituição deveria se dar com a necessária justificativa, a fim de evitar suspeita de alguma conduta irregular, o que não foi observado e impõe o reconhecimento da nulidade artigo 5º, LIV, da CF12, conforme também alegado pelos embargantes à fl. 1.613, haja vista que, antes do decurso do prazo concedido às partes para se manifestarem sobre o pedido e documentos de fls. 1.511-41 (fl. 1.550), a juíza que atuava em substituição proferiu açodadamente sentença homologando o acordo de fls. 1.543-7 e excluindo os ora embargantes, admitidos na relação processual como assistentes litisconsorciais por decisão reclusa, inclusive para o juízo, sem que tivessem antes a oportunidade de sequer serem ouvidos”, lamentou Corrêa.
“Ora, sabido que no tocante a direito indisponível, como o de que trata a presente ação (direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado), não é possível ao autor da ação, que defende em nome próprio direito alheio, dispor do conteúdo do direito tutelado como se fosse de sua titularidade exclusiva e de maneira que não consagre a tutela na maior extensão possível, ainda mais considerando os prováveis e graves prejuízos ambientais cogitados na inicial decorrentes do desmatamento da área”, ressaltou na sentença de 44 páginas.
Ariovaldo Nantes Corrêa ainda apontou que chegou a ligar para a juíza pedindo para não julgar o processo. Ele a informou que planejava realizar uma nova audiência de conciliação em busca de um acordo mais favorável ao meio ambiente e com o aval de todas as partes.
“Como se vê, também por este motivo, impõe-se o indeferimento da homologação do acordo posto à apreciação do juiz natural do feito”, ressaltou.
O juiz ressaltou que o acordo iria exigir mudança na atual lei estadual do Parque dos Poderes. Ele estaria homologando um acordo que dependeria de outro poder, no caso, a Assembleia Legislativa.
“Como ficaria a situação do próximo gestor público, que não participou da avença e que tem uma lei estadual que permite o desmatamento até o limite que estabelece? Não há dúvidas de que essa situação poderia suscitar novas discussões sobre o acordo, até mesmo judicial, se fosse homologado, o que não se mostra minimamente aceitáveis”, pontuou.
“Não bastasse o vício alhures mencionado, a sentença também padece de nulidade por vício de forma, uma vez que afrontou o princípio do devido processo legal (do qual é corolário o princípio do contraditório)”, ressaltou, sobre o prazo que as partes estavam aguardando para se manifestar sobre o novo acordo firmado pelo MPE.
Ao não homologar o acordo, o juiz permite que o sul-mato-grossense tenha uma esperança de preservar o meio ambiente em meio a maior tragédia da história do Rio Grande do Sul, devastado pelas chuvas intensas.
As cúpulas do Tribunal de Justiça, do Ministério Público e da Defensoria Pública, junto com o Imasul, ignoraram os apelos da sociedade e os alertas de ecologistas de que o desmatamento do Parque dos Poderes pode agravar os alagamentos e os estragos causados pelas chuvas em Campo Grande.
A respeito, o magistrado destacou que o Parque foi criado para abrigar os prédios da administração pública. No entanto, esse projeto é do início dos anos 80 do século passado. “Esta ação envolve uma discussão muito presente na sociedade atual e que se relaciona aos interesses da própria sociedade a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e sustentável com o desenvolvimento que interfere nesse mesmo meio ambiente, sendo que a busca desse equilíbrio é o desafio de todos”, ponderou.
“Não se pode esquecer também que o Parque dos Poderes foi concebido no início dos anos 1980 com o propósito de que ali fosse estabelecida a estrutura de atendimento de vários serviços públicos ligados aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, sendo que parte ali está instalada”, relembrou.
“Ocorre que os valores e as prioridades daqueles longínquos anos 1980, quando a discussão sobre meio ambiente sequer era objeto de debate significativo no mundo, devem ser sopesados com a exigência contemporânea em que meio ambiente ecologicamente equilibrado e sustentável é uma demanda atual que nada tem de apenas ‘romântica’ ou utópica, pois é algo imposto a todos como necessário à sobrevivência dos seres vivos no planeta, no qual se inclui a espécie humana”, avaliou o magistrado.
Ao não homologar o acordo, o juiz vai contra os interesses, inclusive, do atual presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Sérgio Martins, que tem interesse em dar continuidade à obra do novo Palácio da Justiça no meio do Parque dos Poderes.
A sentença é uma esperança de que Campo Grande ainda pode ser salva de tragédias ambientais no futuro.