Celso Bejarano e Edivaldo Bitencourt
A operação Tromper 3, deflagrada semana passada pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul e que arruinou o esquema de fraude em licitação empregado contra a prefeitura de Sidrolândia (cidade 71 km distante de Campo Grande), descobriu que um dos implicados na trama, contador, é um velho conhecido da justiça sul-mato-grossense, já condenado e que se fingiu até de morto para aplicar golpes.
Trata-se de Tércio Moacir Brandino, 62 anos, envolvido, entre outros delitos, com a organização criminosa detonada na Lama Asfáltica, aquela operação da Polícia Federal, posta em prática em julho de 2015, que teria desviado milhões de reais via licitações fraudadas e superfaturado obras do governo estadual. Na investida em questão, foi para a cadeia, até o então governador de MS, André Puccinelli, do MDB.
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De acordo com a investigação acerca do bando que agiu em Sidrolândia, supostamente chefiado pelo vereador em Campo Grande, Claudinho Serra (PSDB), encarcerado desde 3 de abril deste ano, o contador Brandino seria cúmplice em eventuais crimes praticados pela GC Obras e Pavimentação Asfáltica.
Claudinho é genro da prefeita da cidade, Vanda Camilo (PP). Apesar da GC Obras ter sido um dos alvos da Operação Tromper 3, a progressista manteve os contratos milionários com o grupo de Cleiton Nonato Correia.
Em trecho da denúncia do MPE, assim surge o nome do contador.
“A empresa GC Obras de Pavimentação Asfáltica Eireli, CNPJ: 16.907.526.0001-90, possui sede cadastrada na Avenida Doutor Gunter Hans, 4.393, conjunto Aero Rancho em Campo Grande/MS, capital social de R$ 500.000,00, e possuindo como contador responsável, Tércio Moacir Brandino, criminoso conhecido deste órgão, já réu e condenado pelo Poder Judiciário por fraudes diversas, inclusive no âmbito da operação Lama Asfáltica”.
Noutro trecho, a empreiteira GC, que teria como dono Cleiton Nonato Correia, alvo da operação Tromper, aparece como suspeita numa concorrência por obras públicas e a suposta ligação com a organização que fraudava licitações em Sidrolândia.
“… verificou-se que as outras proponentes [concorrentes] nessa licitação foram as empresas GC Obras de Pavimentação Asfáltica Eireli e AR Pavimentação e Sinalização Eireli, pertencem ao mesmo núcleo de pessoas, utilizadas para fraudar o caráter competitivo de licitações públicas e desviar recursos públicos”.
Conforme publicados em diários oficiais da prefeitura de Sidrolândia, a GC Obras e Pavimentação Asfáltica, do ano passado para cá venceu licitações que somam R$ 26,6 milhões, quantia que supera em 52 vezes o capital social da empreiteira de Cleiton Nonato Correia, que é de R$ 500 mil.
Sustenta a denúncia do MPE: “preliminarmente, em buscas no Portal da Transparência do município de Sidrolândia, apurou-se que os primeiros vínculos entre as empresas GC Obras de Pavimentação e AR Pavimentação e Sinalização e a Prefeitura Municipal de Sidrolândia, ocorreram nos dias 23/02/2022 (GC Obras) e 25/02/2022 (AR Pavimentação), respectivamente, aproximadamente 80 (oitenta) dias após a nomeação de Cláudio Serra Filho [o vereador que foi preso e chefiaria a organização, segundo o MP] para o cargo de Secretário Municipal de Fazenda, sendo que ambas as licitações foram conduzidas na modalidade convite”. Assim que assumiu o mandato, Claudinho deixou a secretaria, em maio de 2023.
Na denúncia do MPE, a primeira licitação da GC Obras em Sidrolândia foi por meio de carta convite. O serviço da empreiteira, diz o comunicado, seria a cobertura do pátio de uma escola erguida num assentamento rural. Pelo trabalho, a construtora teria recebido R$ 192,1 mil, em 23 de fevereiro de 2022.
A segunda também foi por meio de carta convite, mas o valor da obra subiu para R$ 264,8 mil, conforme o contrato divulgado no Portal da Transparência. A companhia de Cleiton ganhou o certame no dia 24 de maio de 2022.
A terceira foi uma concorrência para a pavimentação de ruas no Bairro Ipacaray por R$ 7,1 milhões em fevereiro de 2023. Cinco meses depois, a prefeita reduziu o valor em R$ 890,1 mil, no dia 27 de julho do ano passado. Vinte dias depois, em 16 de agosto de 2023, Vanda realizou novo aditivo e ampliou o valor a ser pago para a construtora em R$ 1,743 milhão.
A prefeitura realizou mais dois aditivos, um de R$ 284,7 mil em fevereiro deste ano, e de mais R$ 470 mil no dia 26 de março deste ano. No total, a obra já ficou R$ 1,6 milhão mais cara para o município e o contrato soma R$ 8,884 milhões.
O 4º contrato ganho pela GC Obras foi para recapear as vias urbanas de Sidrolândia, no valor de R$ 17,2 milhões. A licitação foi realizada neste ano e muito festejada pela prefeita, que chegou a gravar vídeo com os caminhões da empreiteira campo-grandense. Parte do recurso será repassado pela Agesul (Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos).
Contador condenado
Tércio Moacir Brandino, 62 anos, é responsável pela contabilidade da GC Obras, de Cleiton Nonato Correia. Ele é frequentador assíduo das páginas policiais e esteve envolvendo em grandes operações da Polícia Federal e do Gaeco contra a corrupção em Mato Grosso do Sul.
Em breve navegada por sites do Judiciário, nota-se que o nome do contador aparece por lá já há perto de três décadas, ora como estelionatário, ou fraudador de documentos públicos. Na operação da PF, a Lama Asfáltica, deflagrada em 2015, o nome do contador aparece como responsável por emitir notas fiscais frias.
O nome de Brandino desponta em ao menos cinco operações policiais postas em práticas em Mato Grosso do Sul nos últimos 15 anos. De acordo com as investigações, para aplicar golpe de estelionato, ele já usou, inclusive, documento de pessoa já morta.
Numa última notícia acerca do trajeto criminoso de Tércio Brandino, em julho do ano passado, consta que ele foi sentenciado a cinco anos, 11 meses e três dias de prisão em regime fechado por ter usado procurações falsas para sacar o PIS de trabalhadores em Campo Grande.
A sentença, mais uma na carreira do contador do crime, transitou em julgado e deverá ser cumprida, segundo o juiz Luiz Augusto Iamassaki Fiorentini, da 5ª Vara Federal de Campo Grande. Caso segue em recurso.
No dia 6 de abril de 2021, Moacir Brandino foi encontrado “vivo” pelo DRACCO (Departamento de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado) em Campo Grande. O “contador do crime” tinha simulado a própria morte em um acidente de trânsito na Avenida Eduardo Elias Zahtan, em Campo Grande, três anos e sete meses antes.
A simulação da própria morte ocorreu para escapar de nada menos do que seis mandados de prisão preventiva expedidos pela Justiça Federal e Estadual.
Ele foi alvo da primeira operação, a Iceberg, há 20 anos. Deflagrada em 2004, a investigação levou a condenação do contador pela primeira vez a oito anos de prisão por falsificação e selo público, estelionato e formação de quadrilha.
A sorte de Brandino não se limita a arrumar emprego com suposta organização criminosa especializada em desviar recursos públicos. Em 9 de fevereiro de 2017, ele contou com a “sorte” para deixar o Instituto Penal de Campo Grande, onde cumpria pena. Um policial penal “errou” e liberou o contador do crime apesar de ele ter, na ocasião, dois mandados de prisão preventiva em aberto.