Celso Bejarano
Parte das 332 páginas da denúncia produzida pelo Ministério Público Estadual contra uma organização que fraudava licitações e até notas fiscais para embolsar altas somas do cofre da prefeitura de Sidrolândia, indica que o esquema supostamente chefiado pelo vereador Cláudio Serra, do PSDB, desviou recursos que deveriam ser destinados aos indígenas que habitam aldeias situadas aos redores da cidade de 47 mil habitantes, a 70 quilômetros de Campo Grande.
Claudinho, como é mais conhecido o parlamentar, é vereador em Campo Grande, está encarcerado desde quarta-feira (3) com outras sete pessoas, entre as quais assessores seus, servidores da prefeitura de Sidrolândia e empresários.
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O vereador, casado com a filha da prefeita da cidade, Vanda Camilo, do PP, é pai de duas crianças. Ou seja, a chefe do município contaminado pela corrupção é a avó dos filhos do mandante dos crimes, conforme a denúncia do MPMS.
Carne e corrupção
“Conforme consta no relatório foram angariados indícios que indicam a existência de esquema de desvio de parte dos recursos públicos destinados à Fundação Indígena, inserindo Cláudio Serra Filho [antes de vereador era secretário de Fazenda de Sidrolândia], Tiago Basso da Silva [ex-servidor que cuidava da licitação do município], Milton Matheus Paiva Matos [advogado e dono de uma empresa implicada no esquema] e Ricardo Rocamora Alves [empresário] como beneficiários”, diz trecho da denúncia.
Agiram nas investigações que desmantelou a quadrilha conduzida pelo vereador a 3ª Promotoria de Justiça da Comarca de Sidrolândia, o Grupo Especial de Combate à Corrupção (GECOC) e o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (GAECO).
Os investigadores descrevem ainda na denúncia, que: “mensagens trocadas entre os investigados Tiago Basso e Milton Matos por meio do aplicativo WhatsApp no dia 30/07/2022 demonstram a existência de negociatas relacionadas ao desvio de verbas públicas destinadas à Fundação Indígena”.
“Fala doutor, bom dia, tudo bom, cara tá os processos lá pra você emitir a nota tá, inseri no sistema e eu finalizo, tem que ser antes da meia noite de hoje, tá, vê ai e me liga qualquer coisa”, é o trecho do diálogo.
Narra também o MPMS que: “a mensagem de áudio a seguir demonstra que Milton Matheus Paiva, mesmo não mais possuindo vínculo trabalhista com o executivo municipal, figura como responsável por gerir os recursos disponibilizados por intermédio da Prefeitura Municipal para a Fundação Indígena. Ainda sobre o tema, Milton Paiva questiona Tiago Basso sobre determinado valor destinado a Ricardo Rocamora [empresário], frisando a necessidade do controle da verba e da preservação de parte do saldo, tendo em vista a obrigação de atender as reais demandas dos indígenas”.
Segue a denúncia: “em nova demonstração acerca dos meios utilizados para o desvio de recursos públicos, no dia 09/08/2022, Milton Matos informa a Tiago Basso que Josimar Clemente, responsável pelos indígenas, solicitou a compra de 70 quilos de carne, de forma que tal despesa, bem como os valores referentes ao pagamento da propina, seriam vinculados a um empenho já existente e a outro empenho que seria criado para a fictícia compra de materiais de construção”.
Nota-se a trama: recurso que deveria pagar carne para os indígenas aparece numa nota fiscal como se o gasto fosse com material de construção.
Ainda neste contexto, os denunciados revelam até o valor da suposta trama:
Cinco dias após [diálogo entre os golpistas], no dia 09/08/2022, Milton Matos envia mensagens para Tiago Basso, informando que efetuou dois empenhos com valor de R$ 40.000,00, existindo a menção “1 parcela de R$ 40.00,00 p/cada”, inferindo-se que tais empenhos possuem referência/relação com a conversa entre Tiago e pessoa tratada como “homem”, Cláudio Serra Filho [o vereador, no caso], e que tais parcelas consubstanciam desvio de recursos públicos. Ou seja, presume-se que os 70 quilos da carne para os indígenas teriam custado R$ 80 mil.
Para os investigadores da trama, nota-se que houve “desvio de recursos públicos por intermédio da Fundação Indígena”.
Exigência
Conforme já noticiado pelo O Jacaré, o vereador Claudinho, apontada como chefe da organização criminosa exigia dos empresários a emissão de notas fiscais para justificar o pagamento de propina e participava ativamente do direcionamento das licitações no município.
No despacho, o juiz Fernando Moreira Freitas da Silva, da Vara Criminal de Sidrolândia, destacou que há indícios de que a organização criminosa continua operando mesmo após Claudinho ter deixado o cargo de secretário municipal de Fazenda e assumido o mandato de vereador em Campo Grande. Este foi o principal motivo para a Justiça decretar a prisão preventiva do genro da prefeita Vanda Camilo (PP).
No processo que investiga o episódio, não consta, a quantia total desviada da prefeitura de Sidrolândia, por meio das fraudes.