Em uma reviravolta sem precedentes na história do Poder Judiciário de Mato Grosso do Sul, a juíza Tatiana Decarli, da 3ª Vara Cível de Ponta Porã, acusou que houve “erro do sistema SAJ” e apagou a sentença que condenou o conselheiro Flávio Kayatt, do Tribunal de Contas do Estado. O ex-prefeito de Ponta Porã foi condenado por improbidade adminsitrativa a perda do cargo público, que lhe garante polpudo salário e a suspensão dos direitos políticos por três anos.
Ao sumir literalmente com a sentença prolatada pela colega, a juíza Sabrina Rocha Margarido João, da 2ª Vara Cível, onde tramitou o processo contra Kayatt, Tatiana Decarli, titular da 3ª Vara Cível conforme o Tribunal de Justiça, limpou, em uma canetada, a ficha do conselheiro do TCE.
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O processo já tinha chamado a atenção porque a sentença foi disponibilizada no dia 25 de julho de 2022. No entanto, a publicação só ocorreu na última terça-feira (2) no Diário Oficial da Justiça. A publicação oficial para a contagem do prazo para recurso ocorreu com 21 meses de atraso. O Ministério Público Estadual denunciou Flávio Kayatt e a empresa Medianeira Ponta Porã Transporte no dia 12 de dezembro de 2017.
“Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado na inicial, para condenar o os requeridos pela prática de ato de improbidade administrativa tipificado no art. 11, caput e inciso II, da Lei n.º 8.429/92, e, por conseguinte, aplico-lhes as sanções previstas no art. 12, III, da Lei n.º 8.429/92. Ao réu Flávio Esgaib Kayatt: a) perda da função pública, caso ocupe alguma; b) suspensão dos direitos políticos por 3 (três) anos; c) (pagamento de multa (…)”, dizia trecho da sentença de Sabrina João publicado no Diário Oficial.
Por meio da assessoria de imprensa, o Tribunal de Justiça informou, no início da noite desta sexta-feira, que houve um erro na publicação da sentença condenando o conselheiro e que ela havia sido retirada do ar.
“Certifico, para os devidos fins, que tornei sem efeito o(s) documento(s) substituído(s) por essa certidão, pelo seguinte motivo: documento liberado nos autos por erro do sistema SAJ”, inseriu Tatiana Decarli no lugar da sentença de nove páginas. A juíza não alterou os demais andamentos do processo, inclusive o trecho em que aponta a publicação no Diário Oficial da Justiça no dia 2 de abril deste ano.
Uma das explicações extraoficial é de que a sentença estava em análise e acabou disponibilizada no site do Poder Judiciário por uma “falha”. No entanto, não houve informação de quem foi o erro. Também porque a sentença foi excluída pela juíza titular da 3ª Vara Cível e não pela magistrada responsável pelo processo.
Kayatt, conselheiro da corte fiscal desde maio de 2017, foi castigado por insistir em manter a empresa que cuidava do transporte coletivo funcionando sem que ela fosse contratada por meio do processo licitatório.
A empresa, Medianeira Ponta Porã Transportes Ltda, também foi condenada e não pode mais prestar serviço ao poder público ou receber benefício e benefícios fiscais. Ela pode também mover recurso contra a decisão.
Kayatt e a Medianeira poderiam recorrer da sentença.
A ação civil pública em defesa do patrimônio pela prática de atos de improbidade administrativa foi movida pela 1ª promotoria de Justiça de Ponta Porã. A demanda judicial corre desde de 2010, quase 14 anos atrás.
Kayatt assumiu a Prefeitura de Ponta Porã em janeiro de 2005 e a empresa de transporte coletivo em questão já prestava o serviço. Ocorre que a Medianeira poderia explorar o serviço, sem licitação, por período de dez anos, prazo que expirou no mandato do prefeito.
Ocorre que na gestão do hoje conselheiro do TCE o então prefeito, ao invés de promover concorrência, esticou o prazo da atuação da empresa, por meio de aditivo contratual, até fevereiro de 2012.
O serviço de transporte coletivo da região funcionava de maneira “precária”, cita a denúncia, e isso reforçou a ideia da concorrência pelo serviço. Mas não adiantou, o ex-prefeito seguiu com a empresa operando no município e não deu ouvido ao apelo do MPMS. De acordo com a denúncia, foram várias as tentativas de buscar uma solução conciliatória com a prefeitura.
Em março de 2010, o MPE, em reunião com secretários do ex-prefeito propôs um acordo que deveria ser cumprido num período de 90 dias, tratando da regularização do serviço de transporte coletivo, no caso, obedecendo o processo licitatório. Parecida que o caso, terminaria bem, mas não foi isso que aconteceu. À época foi assinado, inclusive, um TAC, o chamado Termo de Ajustamento de Conduta.
“Ledo engano. Pouco tempo depois o requerido [prefeitura] mudou de ideia e resolveu não formalizar compromisso de ajustamento de conduta, ao argumento de que o prazo proposto pelo MPMS na ocasião para seu cumprimento seria por demais exíguo. Acontece que não foi feita nenhuma contraproposta, justamente porque o objeto era e sempre foi não dar cumprimento à legislação e continuar beneficiando a empresa requerida [Medianeira] em detrimento dos interesses de toda a população de Ponta Porã”, diz trecho da apelação.
Ainda de acordo com a denúncia, o então prefeito desprezou inclusive uma lei municipal que previa o serviço de transporte público somente contratado por meio de licitação. Kayatt teria mantido a empresa circulando por dois anos sem que a lei fosse cumprida.
Em outro caso envolvendo Kayatt, o MPE ingressou com dezenas de ações por improbidade contra o conselheiro do TCE. Em maio de 2018, o desembargador Amaury da Silva Kuklinski, do TJMS, determinou a suspensão de 78 das 81 ações de improbidade contra o ex-prefeito pela contratação ilegal de médicos.