Mário Pinheiro, de Paris
No meio da dúvida, do medo e da existência do realismo amoroso, Kierkegaard rompeu o noivado com sua bela Regina Olsen, e, na tentativa de resolver as questões que carcomiam sua alma, mergulha na reflexão filosófica, na leitura e no silêncio. Ele disse para Regina que ela merecia alguém melhor, autêntico, ético e honesto, não que ele não fosse tudo isso, mas na dúvida, a certeza não é o ostracismo, mas o recolhimento. “Minha Regina, que Deus te proporcione um ano feliz, pleno de sorrisos e poucas lágrimas”.
Heidegger teria tentado fazer o mesmo, mas quem o deixou à deriva foi sua aluna e amante Hanna Arendt. Mas Heidegger não consta como fundador do existencialismo, mas é um pensador com passado complicado e abraçado ao nazismo.
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Kierkegaard, além de estar no início da busca do desconhecido existencial, é também aquele que alertou sobre o incêndio no circo anunciado pelo palhaço no picadeiro. A função do palhaço é fazer palhaçadas, explodir a tristeza para arregaçar o riso, e portanto, se ele diz a verdade da tragédia do fogo no circo, os pagantes vão morrer satisfeitos e rindo da própria incredulidade. É paradoxal.
E o paradoxo reside na contramão da vida e morte a procura do singelo e simples, da dúvida filosófica e a razão teológica plena de dogmas. Leitor dos grandes clássicos, ele não segue a razão de Hegel. A vida de Kierkegaard não era feita de escândalos nem moral, nem social e muito menos religioso porque o país era protestante, o pai era pastor e ele mesmo se formou em teologia. É a angustia que roía o cotidiano sombrio, frio, de uma procura incessante sobre a falta de esperança.
De Blaise Pascal ele herda a singeleza do singular na forma de pensar de si e dos outros, a lógica cartesiana, mas acaba por achar que Ludwig Feuerbach tinha razão ao afirmar que a existência religiosa é uma história de sofrimento. E, portanto, Feuerbach consta como o filósofo mais crítico de Hegel. Também
Pascal havia dito que o sofrimento é o estado natural do cristão. É exatamente este lado lacrimoso sentimental e devoto que Jean-Paul Sartre e Albert Camus criticam no filósofo dinamarquês.
Ele disse, “deixemos os outros gemerem sobre a maldade de nosso tempo, eu reclamo da mesquinharia porque esta não tem paixão” (…) “Os pensamentos dos homens são finos e frágeis como a renda, e eles próprios são tão lamentáveis quanto as rendeiras”.
Embora tenha questionado tudo sobre o homem, sobre si mesmo e a felicidade, Kierkegaard se manteve ligado ao cristianismo, manteve sua fé como se fosse a chama que se enfraquece na ventania e que retoma vida quando a certeza vence tanto o medo quanto a falta de respostas. Kierkegaard procura sair da caverna platônica de forma triunfal. Não é como o rato que se abriga onde quer que seja pra se esconder do perigo da ratoeira.