“Eu perdi para a corrupção, para o dinheiro do esquema deles”, avalia o empresário, advogado e radialista Alcides Jesus Peralta Bernal, 54 anos, primeiro prefeito cassado na história de Campo Grande. Na próxima terça-feira (12), a cassação do progressista, que foi classificada como “golpe” pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) completa uma década.
Em entrevista exclusiva ao O Jacaré, o ex-prefeito conta que começou a ter certeza da cassação ainda no primeiro semestre de mandato, conquistado ao vencer Edson Giroto, então no MDB, com 63% dos votos válidos no 2º turno.
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Com chapa pura, contra as máquinas da prefeitura, comandada por Nelsinho Trad, e do Estado, pelo poderoso André Puccinelli (MDB), e um grande arco de aliança, que conseguiu unir partidos de extrema direita e esquerda, o filho de paraguaios, nascido em Corumbá (MS), teve uma das vitórias mais emblemáticas da história campo-grandense.
Para se manter no poder, diante das circunstâncias, Bernal tentou construir uma coalização com vários partidos, como PSDB, PT, PTB e PRB (Republicanos). “Eu atendi todo mundo. Eu imaginei que íamos fazer um trabalho bonito em Campo Grande”, relembra. Além disso, ele acreditava piamente no Poder Judiciário.
No entanto, o progressista começou a perceber que a situação estava mudando no 4º ou 5º mês, quando começou a receber, conforme ele, “propostas indecentes”. Também descobriu que o vice-prefeito, Gilmar Olarte, na época no PP, começou a pedir dinheiro emprestado e a montar o secretariado. O pastor evangélico não tinha puder em esconder de que seria o próximo prefeito.
Os problemas de Bernal começaram antes da posse, quando os vereadores congelaram o valor do IPTU e ainda reduziram a verba de suplementação de 30% para 5%. Ele começou a ser bombardeado pelo “triangulo das bermudas”, como foi definido na ocasião a trincheira montada contra o então prefeito pela Câmara Municipal, Ministério Público e Tribunal de Contas do Estado.
Promotor tentou liminar para apear Bernal do cargo ainda no 1º ano
A pedido dos vereadores, o promotor Alexandre Capibaribe Saldanha ingressou com ação de improbidade administrativa, na qual pedia o afastamento imediato de Bernal do cargo de prefeito. Apesar da pressão, o juiz Amaury da Silva Kuklinski, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, negou o pedido de liminar, mas os sinais de que a tempestade só estava começando eram claros.
O conselheiro Ronaldo Chadid, do TCE, suspendeu a troca de lâmpadas por mais modernas, as famosas LEDs, e aplicou multa de R$ 100 mil. O conselheiro Waldir Neves Barbosa entrou na história da suplementação para criar dúvidas de que o progressista não estava cumprindo a lei.
“Era um inferno. Eles usavam a estrutura para desgastar e depois cassar”, lembra Bernal, sobre os questionamentos quase diárias. Outro estopim foi a greve dos garis, que deixaram a cidade tomada pelo lixo.
A Solurb recorreu à Justiça e o desembargador Geraldo de Almeida Santiago, conforme o ex-prefeito, concedeu liminar para a prefeitura pagar o valor cobrado pela concessionária. O progressista queria repassar apenas o valor medido pelos funcionários do município, não a fatura apresentada pela empresa. Ele só conseguiu driblar a empresa ao apelar à Justiça do Trabalho para repassar os salários diretamente aos garis por meio do sindicato da categoria.
Na Câmara, Bernal enfrentou a CPI do Calote, instalada em junho de 2013 para apurar o não pagamento para a Solurb, RDM Recuperação de Créditos, etc. Uma das empresas era a Total, responsável pela limpeza dos postos de saúde, cujo contrato teria sido elevado, conforme o ex-prefeito, de R$ 6 milhões para R$ 11 milhões no apagar das luzes da gestão do antecessor.
Presidida por Paulo Siufi (MDB) e relatada por Elizeu Dionízio (PSDB), a investigação foi a base da cassação. “Não tinha a menor preocupação em ter fundamento, era apenas para encontrar um pretexto e cumprir etapa para cassar o mandato”, acusa Bernal, sobre o trabalho da comissão que pediu o seu indiciamento por três crimes.
“Não fiz nada de errado, mas sabia que esses caras iam me ferrar”, relembra. Com base no relatório, o pecuarista Raimundo Nonato e o advogado Luiz Pedro Guimarães protocolaram o pedido de cassação de Bernal na Câmara Municipal. Guimarães foi um dos advogados de Olarte.
A Comissão Processante acabou criada pelo legislativo. Edil Albquerque assumiu o comando da CP e o relator foi o então vereador Flávio César (PSDB), atual secretário estadual de Fazenda. “Três fatos viraram nove”, garante Bernal
O então prefeito travou uma guerra nos tribunais para atrasar o trabalho da Comissão Processante. Os vereadores chegaram a marcar sessão para votar a cassação no Natal de 2013. No entanto, a Justiça acabou suspendendo a sessão. O ministro Félix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça, deu a decisão derradeira, que garantiu a realização da sessão de cassação de Bernal para o dia 12 de março de 2014.
Bernal compareceu à Câmara para se defender pessoalmente e acompanhou a sessão até o início da madrugada. Dos 29 vereadores, ele precisava de dez votos para se livrar da cassação. Nas suas contas, ele contava com votos suficientes. Além dos seis fieis – Zeca do PT, Marcos Alex (PT), Ayrton Araújo (PT), Paulo Pedra (PDT), Cazuza (PP) e Luiza Ribeiro (PPS) – ele contava com mais quatro – Carlos Augusto Borges, o Carlão (PSB), Edson Shimabukuro (PTB), Waldeci Chocolate (PP) e Alceu Bueno (PSL).
“Indignação tão grande porque 400 mil votos não serviram para nada diante de 23 bandidos”
Na noite da cassação, o quarteto abandonou Bernal e a cassação se tornou certa. “Ali era (dinheiro)”, acusa, fazendo sinal com os dedos. “Todos tinham secretarias (e votaram pela cassação)”, lamenta.
“Recebi o resultado impotente. Uma indignação tão grande porque 400 mil votos não serviram para nada diante de 23 bandidos”, afirma Bernal, citando que o grupo foi denunciado por integrar organização criminosa conforme a Operação Coffee Break, deflagrada pelo Gaeco no ano seguinte. Ele cita os votos conquistados no 1º turno (176.288) e no 2º turno (270.927).
Bernal conta que deixou a prefeitura naquela madrugada na certeza de que retornaria ao cargo. “Tinha certeza de que iria voltar. Sou advogado e tinha conhecimento de provas de que houve propina e distribuição de vantagens indevidas”, disse.
“Achei que voltaria em 15, 20 dias, no máximo”, relembra. O primeiro movimento de que poderia voltar surgiu em maio, quando o juiz David de Oliveira Gomes Filho, da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, concedeu liminar em uma ação popular reintegrando Bernal ao cargo de prefeito. A decisão saiu às 17h e seu grupo político festejou com fogos e festa. O retorno ocorreria após dois meses.
O ex-prefeito diz que ensaiou comemorar, mas desistiu ao ver que os desembargadores de plantão no Tribunal de Justiça eram Sideni Soncini Pimentel e Vladimir Abreu da Silva. O primeiro é pai do advogado Rodrigo Pimentel, que foi secretário de Governo na gestão de Olarte.
Duas horas depois, às 19h, o desembargador Vladimir Abreu da Silva concedeu liminar para suspender a volta de Bernal ao cargo. O recurso acabou distribuído ao desembargador Divoncir Schreinar Maran, que segurou o julgamento por um ano e três meses.
Quando o julgamento foi marcado em agosto de 2015, Bernal chegou a questionar a suspeição do desembargador Sérgio Martins, que fazia parte da turma. Ele fez parte da administração de André Puccinelli na prefeitura da Capital e foi indicado para a corte pelo emedebista. A suspeição foi negada.
Como era esperado, Divoncir votou contra a volta de Bernal ao cargo. Como de manhã o Gaeco deflagrou a Operação Coffee Break, que afastou Olarte e o vereador Mario César da Fonseca (MDB) do cargo de presidente da Câmara Municipal, a cidade ficaria sem prefeito. Flávio César (PSDB) ensaiou assumir a função, já que era vice-presidente do legislativo e estava na fila.
Ainda na tarde do dia 25 de agosto de 2015, a política teria nova reviravolta. A desembargadora Tânia Garcia de Freitas Borges divergiu do relator e votou pelo retorno de Bernal ao cargo. O voto decisivo, para surpresa do ex-prefeito, veio de Sérgio Martins. O resultado do julgamento foi lhe comunicado por telefone pelo advogado Wilton Edgar Sá e Silva Acosta. Bernal estava na sede do Conselho Nacional de Justiça cobrando agilidade da Justiça estadual no seu caso.
“A decisão do retorno foi algo natural, até uma sensação estranha”, explica Bernal, já que brigou, brigou e brigou para reassumir a prefeitura. “Se fosse outros tempos, esses caras tinham me matado”, avalia, sobre os inimigos poderosíssimos, como João Amorim e João Roberto Baird, que acabaram denunciados na Coffee Break.
Bernal reassumiu o cargo de prefeito no dia 26 de agosto de 2015. Ele concluiu o mandato, mas o decreto de cassação acabou sendo validado em novo julgamento no Tribunal de Justiça. Desta vez, Sérgio Martins votou contra o progressista, junto com os desembargadores João Maris Lós e Marcos José de Brito Rodrigues em 2018.
“É um assassinato em vida”
A decisão custou o mandato de deputado federal do ex-prefeito, apesar de ter conquistado 47 mil votos. Bernal acabou condenado por improbidade administrativa por divulgar matéria no site da prefeitura nas eleições de 2016 e pelos contratos com a Omep e Seleta. As multas superam R$ 1,2 milhão e ainda lhe custaram mais tempo de inelegibilidade.
“Tenho muita fé em Deus e confio na Justiça”, diz Bernal, sobre como tem forças para continuar na luta. “É o assassinato em vida”, define, sobre a sua situação, com bens bloqueados, condenado pela Justiça e com os direitos políticos suspensos.
Bernal diz que vive da advocacia, de programas de rádio no interior e da venda de mandioca. Ele produz em uma chácara perto da Capital e compra de pequenos produtores para descascar e revender na cidade.