Mário Pinheiro, de Paris
O fator mais importante que impulsionou a manifestação bolsonarista no centro da capital paulista, financiada por um membro que se diz evangélico, não é a força popular nem as falas daqueles “pastores” ao lado do povinho de verde e amarelo, empunhando bandeira branca com estrela azul que simboliza o Estado opressor. É a primeira grande dicotomia entre realidade e verdade, uma vez que Israel não é cristão, é judaico, mas essa é a incapacidade de ver a diferença.
O conteúdo está escondido no pano de fundo e se chama conceito da angustia. Angustia que roe a alma, conta os dias, transpira frio, murmura no travesseiro o medo das grades, da lei e da ação da justiça. Esta angustia, segundo o tratado do desespero, de Sören Kierkegaard, anuncia o tombo intimamente ligado ao pecado.
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Kierkegaard, filósofo dinamarquês, foi também teólogo, e ele afirma que a angustia é o mal em si, a possessão demoníaca, o sofrimento. Kierkegaard é o oposto de Nietzsche, mas é a fonte de inspiração de Sartre e Camus para o existencialismo. Os cadernos de Camus também falam do pecado, mas é uma leitura sobre Kierkegaard.
Os pecados do ex-presidente, vistos pela ótica da imprensa e pelos inúmeros mandatos em que ele nada fez, não é de se admirar que no mandato presidencial ele repetiu o que mais sabia fazer, nada. Mas venhamos sobre a manifestação do grito do desespero.
E quando o desespero bate à porta de uma pessoa, ela veste a pele de cordeiro e busca Deus para se livrar do pecado, mostrar seu lado mais angelical e também cínico. É uma cena de teatro que se encaminha para a tragédia do “doente imaginário” de Moliére.
Segundo a equipe da USP que utiliza técnicas para contar gado, por cabeças, havia aproximadamente 185 mil manifestantes na avenida Paulista. Um número importante, mas vazio diante da maioria paulistana que votou nele. É uma tentativa de salvar-se do desespero ao apresentar um jogo de força popular para evitar a prisão com o grito “anistia” àqueles que foram atores diretos da quebradeira do 8 de janeiro.
O desespero é um terreno tratado na psicologia, ela endossa o medo, a falta de apetite, um grito esmagado pela liberdade que diminui como se fosse um túnel cuja entrada se mostra de tamanho normal mas se afunila ao mesmo tempo em que a luz se torna tênue até se apagar como a chama de uma vela.
No discurso do ex-presidente, “nós perdoamos no passado, tem que se passar uma borracha”. Em suma, ele prega anistia a ele mesmo num processo em construção, no qual ele ainda não foi julgado. Neste caso torna-se fácil fazer sujeira, pra não dizer cagada, depois gritar por um esquecimento.
Bolsonaro tenta de tudo, portando um colete à prova de balas, se ajoelha, recebe imposição das mãos, discursa, gesticula, e, em seguida, a esposa também faz uso da palavra para implorar um estado teocrático onde domina a religião, visto que a cambada se agrupa atrás de louvores vazios assim como a falta de sentir os pés sobre a terra plana. O desespero dá uma noção do finito e do infinito.