O lugar mais perigoso para uma mulher ou menina é a própria casa. Não é nova a conclusão do Unodc (Escritório da ONU para Drogas e Crime), publicada em novembro de 2023, mas além do abrigo do lar, ser uma pessoa do sexo feminino, por si, já um lugar de risco. Todos os anos, conforme a agência, 11 mulheres são assassinadas por minuto dentro de casa. No Brasil, essa taxa chega a dez mortes por dia, conforme o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Como o feminicídio é a última forma de violência contra a mulher e, para o qual não existe solução, a chave para a prevenção pode estar em auxiliar as possíveis vítimas a evitar uma sentença de morte. Essa é a perspectiva dos chamados Círculos de Acolhimento, instrumentos da Justiça em prol do protagonismo das mulheres e que está em ação no município de Rio das Ostras, interior do estado do Rio de Janeiro.
Entre as responsáveis pela abordagem está Daniela Fusaro, mediadora judicial e facilitadora dos Círculos de Diálogo. Daniela explica que, ao contrário dos homens agressores, a Lei Maria da Penha não contempla esse trabalho direcionado para as mulheres atingidas pela violência doméstica. Dessa forma, os círculos auxiliam e empoderam as vítimas.
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A experiência foi desenvolvida ao longo de 2023, com um grupo de 12 mulheres, todas vítimas de violência doméstica. Elas foram recebidas em ambientes acolhedores e, durante duas horas, compartilharam vivências comuns, sendo auxiliadas a perceber, a partir das próprias histórias, como quebrar o ciclo da violência. A expectativa, agora, é replicar a ação em outros ambientes, como escolas e mesmo entre os homens.
Daniela revela que, nas reuniões, os assuntos surgem à medida da necessidade das participantes e não é um debate reflexivo, mas de acolhimento diante de um comportamento que ela traduz como “cultura feminicida”. De acordo com a mediadora, a questão da violência contra a mulher é um assunto relacionado ao poder e, por isso, há a necessidade de instigar as vítimas ao rompimento do ciclo. “O círculo acolhe a dor”, resume.
Os Círculos de Acolhimento representam a quebra da violência contínua, enraizada na desigualdade de gênero e na discriminação baseada em gênero. Dados da ONU apontam que o feminicídio apresenta três características proeminentes: as mulheres são mortas de forma desproporcional pelos homens; as vítimas já sofreram violência não letal; a taxa de morte de mulheres tende a permanecer constante ao longo do tempo.
Feminicídio é crime que acontece apenas uma vez – é irreversível
A juíza sérvia Ivana Milovanović enfatiza que “o feminicídio difere de outras formas de homicídio porque é o assassinato de uma mulher relacionado ao gênero, apenas porque ela é mulher. Isto indica que as causas profundas do feminicídio diferem de outros tipos de homicídio e estão relacionadas com a posição geral das mulheres na sociedade, com os papéis de gênero e com a distribuição desigual de poder entre homens e mulheres”.
Para a magistrada, são necessárias mudanças profundas nos sistemas patriarcais e nas normas sociais que permitam a ocorrência do feminicídio. “É preciso garantir que os sistemas de Justiça responsabilizem os perpetradores até a criação de ambientes seguros para o relato das pessoas sobreviventes. Ou seja, precisamos de igualdade de gênero”. Na avaliação de Daniela Fusaro, a ação necessita ocorrer com urgência em proteção e prevenção às vítimas. “Esse crime só pode acontecer uma vez – é irreversível. As mulheres estão morrendo. O que eu acredito ser o maior potencial dos Círculos de Acolhimento, é que, diante de um problema tão grave e urgente, apoiar o fortalecimento emocional e o protagonismo das mulheres é uma solução mais viável do que esperar que os homens mudem”.