Um dos temas previstos para a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça é o poder geral de cautela do juízo diante de ações com suspeita de litigância predatória. O órgão usará o caso envolvendo um advogado de Mato Grosso do Sul, suspeito de advocacia predatória, para adotar uma jurisprudência em todo o País por meio do Tema 1.198.
O assunto faz parte da pauta do STJ que inicia o ano judiciário de 2024 nesta quinta-feira (1º). O ponto de partido para a discussão envolve a aposentada Maria Cleonice dos Santos, de Naviraí, que ingressou com ação na Justiça contra o Banco Olé Bonsucesso Consignado. Ela alega que não realizou o empréstimo de R$ 2.059,31, que deveria ser pago em 72 parcelas de R$ 54,27.
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O problema é que a ação foi protocolada pelo advogado Luiz Fernando Cardoso Ramos, de Iguatemi. De acordo com levantamento do Banco Santander, ele é autor de 49.244 ações com o mesmo objetivo em todo o País. Os outros sócios do escritório, Alex Fernandes da Silva protocolou 16.078 e Josiane Alvarenga Nogueira outras 13.288.
No total, o escritório de Iguatemi protocolou 78.610 ações na Justiça questionando empréstimos consignados. Como Iguatemi tem apenas 16.176 habitantes – o total de ações representa que cada morador ingressou com 4,8 processos questionando empréstimos bancários.
Apenas contra o Santander, o trio de advogados ingressou com 4.932 ações nos estados de Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso, Maranhão, Paraíba, Minas Gerais, Goiás, Rio Grande do Sul, Pará e Tocantins.
O ponto comum na maioria das ações é a apresentação de lides temerárias cujo resultado é a improcedência e extinção, quer pelo total descabimento, quer por falta de pressupostos, como vício de representação, ausência ou irregularidade de procuração, comprovante de endereço da parte em nome de terceiro, etc. O volume de improcedências e extinções é de mais de 87%.
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul chegou a suspender todas as ações protocoladas por Cardoso. Ele inclusive chegou a ser preso na Operação Arnaque, deflagrada pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) em julho do ano passado. O advogado foi acusado de integrar organizações criminosas que ingressavam com ações na Justiça a partir de empréstimos consignados forjados.
Em outubro do ano passado, o ministro Moura Ribeiro, do STJ, decidiu realizar audiência pública para debater o assunto. “A afetação do tema – inicialmente para ser julgado na Segunda Seção – decorreu de um incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) na Justiça de Mato Grosso do Sul, em razão da grande quantidade de processos – supostamente abusivos – relativos a empréstimos consignados”, informou a assessoria da corte.
“Após a audiência, a Segunda Seção acolheu, por unanimidade, um pedido para afetar o caso à Corte Especial, à qual caberá definir se o magistrado, diante da suspeita de litigância predatória, pode exigir que a parte autora emende a petição inicial com documentos capazes de embasar minimamente as suas pretensões, como procuração atualizada, declaração de pobreza e de residência, cópias de contrato e extratos bancários”, destacou.
A OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil, seccional de Mato Grosso do Sul) é contra a exigência de procuração atualizada para dar continuidade a um processo. “É desarrazoado exigir, em toda e qualquer hipótese, a apresentação de procuração atualizada se já constar nos autos instrumento de mandato. Isto porque, na legislação não existe imposição de prazo de validade à procuração, tampouco hipótese de cessação em decorrência de judicialização predatória (advocacia de massa)”, destacou a entidade, em recurso contra decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
“Além disso, ainda que se alegue o fato de, eventualmente, o outorgante estar em paradeiro desconhecido, não é hipótese de quebra da confiança, tampouco hipótese legal de extinção do mandato.Com tal conduta do Tribunal, cria-se a presunção que o advogado age com falta de lhaneza, violando princípio constitucional da presunção de inocência. O ato impugnado não se harmoniza com o princípio da razoabilidade”, alegou a OAB/MS.
A decisão do STJ vai usar o caso de MS, mas terá impacto no trabalho da advocacia em todo o País.