Os golpes da suposta organização criminosa chefiada pelo empresário Diego Aparecido Francisco e sua família deixou um rastro de prejuízos, dívidas, vergonha e medo nas vítimas. Os casos surgem em Campo Grande, passam por Dourados e chegam até o interior de Santa Catarina.
A trama segue o enredo revelado pela investigação da Polícia Civil. Um veículo é oferecido por valor abaixo do mercado, pequenos acordos são cumpridos para ganhar a confiança da vítima. Depois, negócios com valores altos são fechados, o empresário some com os carros e, no fim, o comprador fica sem o dinheiro e os bens comprados.
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Com a prisão de Diego Francisco, em dezembro do ano passado, e a repercussão do caso, uma vítima entrou em contato com a reportagem de O Jacaré para relatar sobre o golpe que sofreu e o prejuízo de R$ 580 mil.
De início, se observa que os golpes de venda de carros não ficaram restritos a Dourados, onde Diego está preso, pois o gerente comercial de 35 anos que nos relatou sua história é de Campo Grande e afirma que conhece vítimas moradoras de cidades no interior de Santa Catarina.
Como o gerente não contou sobre o prejuízo à família, pediu para não ser identificado. Questionado sobre o motivo, o receio de contar para a esposa a perda de mais de meio milhão de reais e o que a revelação poderia causar ao casamento. No entanto, diz que a parceira já desconfia de algo.
Até o momento da entrevista, quinta-feira (11), o empresário não havia feito um boletim de ocorrência na polícia, mas garantiu que o faria nos próximos dias. Inclusive, faz questão de fazer a queixa em Dourados.
“Vou lá quarta ou quinta-feira. Como depositei esses cheques sem fundo nojentos, pedi as folhas do volta no banco e aí vou fazer a representação criminal contra ele lá no delegado de Dourados. Faço questão de fazer o BO lá em Dourados”, diz convicto.
Sobre como conheceu Diego Francisco, o gerente comercial conta que foi através de um amigo, que também acabou vítima do golpista e hoje tem vergonha e medo de expor sua situação, já que os golpistas usavam nome de autoridades para coagir os lesados a não prestarem queixa à polícia.
“Um amigo meu falou assim, tem um rapaz ali na Mata do Jacinto [bairro de Campo Grande] que tem um distribuidor de suco, e ele consegue uns descontos bom em leilão para comprar carro. Eu falei, você já comprou? Ele disse, comprei cinco carros e já chegou dois. O preço é numa margem de 20% abaixo da tabela Fipe. Um negócio bem interessante”, relata o gerente.
“Fui lá e conversei com o tal, me ofereceu uma Hilux. Tava lá, a caminhonete. Valia R$ 235 mil, paguei R$ 182 mil. Ele falou que o documento só sairia depois de 60 dias. Eu disse que não tinha problema”, explicou sobre a primeira negociação.
O empresário afirma que o dinheiro foi depositado na conta de Izabel Ferreira, mãe de Diego. “Uma porcaria igual a ele”, dispara.
A segunda caminhonete negociada foi uma Volksvagem Amarok. O vendedor disse valer R$ 259 mil, o acordo foi fechado em R$ 170 mil. “Ele dizia estar precisando do dinheiro hoje porque comprou uma Porsche e precisava dar o arremate em um leilão”, justificou.
Os negócios prosseguiram até o gerente comercial acumular cinco veículos.
“Comecei a apertar ele porque precisava dos documentos para vender. Como vou ficar com um monte de carro desse com dinheiro parado. Aí que veio para ele me dar o golpe”, explica a vítima.
Diego, então, pediu os carros por dois dias, para realização de vistoria e dar baixa no gravame dos veículos, cadastro feito no Sistema Nacional de Trânsito (SNT) para apontar que o veículo está vinculado a algum contrato, como o de financiamento.
“Eu confiei e entreguei os carros, né. Deixei lá no barracão”. Isso ocorreu entre setembro e final de outubro de 2023. O gerente comercial nunca mais veria os veículos novamente.
Na sequência, restou apenas cobrar onde estavam os carros, e recebia em resposta as mais diversas justificativas. “Ele disse que teve que mandar para outros lugares, para São Paulo. Aí já achei estranho”, diz a vítima. Só os carros custaram R$ 459 mil.
Mesmo com o sumiço dos veículos, Diego pediu mais dinheiro para pagar documentação, R$ 50 mil. “Eu já com a piça no rabo, mandei o dinheiro para a conta dele. Sabe o que aconteceu? Nada”, conta.
A justificativa final de Diego foi que os carros haviam sido apreendidos, por dívidas de imposto de renda com a Receita Federal. Mas ainda pediu prazo para a devolução do dinheiro, que ocorreu por meio de cheques sem fundo em nome de sua esposa.
No total, o prejuízo foi de R$ 580 mil, sendo que o golpista ainda pedia mais dinheiro.
O gerente comercial diz que visitava o local da empresa usada no golpe e ouvia relatos de vítimas que vinham de outros lugares, como o interior de Santa Catarina.
“Tinha gente de Chapecó, de Xaxim [SC], Dourados. Tinha gente até chorando. Uns tinham pagado caminhoneta, carro popular. Vendia carro locado como quitado. Aí a Localiza prendeu os carros. Ele lesou todo mundo”, relata o empresário.
O amigo perdeu R$ 350 mil. “Um coitado que vende água mineral perdeu um T-cross no valor de R$ 112 mil”, acrescenta. “Todo mundo que entrou na onda daquele cara [Diego] saiu fudido. Ele roubou todo mundo que foi ali. Ele, o pai dele, e a mãe dele, tudo sabendo. Faz oito meses que estou vendo golpe em cima de golpe”, afirma.
Golpes milionário
Preso acusado de chefiar uma organização criminosa, o empresário Diego Aparecido Francisco é suspeito de aplicar uma série de golpes da venda de veículos. Conforme a investigação da Polícia Civil, ele faturou aproximadamente R$ 6 milhões com os crimes e foi alvo de mais de 40 boletins de ocorrência.
Diego ganhou notoriedade ao ajudar o ex-prefeito de Campo Grande, Gilmar Olarte (sem partido), a dar um golpe do falso leilão de um prédio comercial em um casal de evangélicos. As vítimas tiveram prejuízos de R$ 800 mil e ainda ficaram com a dívida junto ao Banco Safra.
O Ministério Público Estadual deu parecer favorável aos pedidos feitos pela Polícia Civil, desde a prisão de Diego e os mandados de busca e apreensão e da quebra dos sigilos telefônicos e de dados do empresário e dos seus pais, Izabel Cristina Ferreira Francisco e Sérgio Francisco Filho. Um policial civil e um advogado de Itaporã também são investigados por integrar a organização criminosa.
O juiz Deyvis Ecco, da 2ª Vara Criminal de Dourados, acatou os pedidos de prisão, de mandado de busca e apreensão e das quebras dos sigilos. O magistrado negou o pedido para apreender o telefone e realizar buscas na casa do advogado. O policial civil é investigado pela Corregedoria Geral da Polícia Civil.
Além de dar o golpe, Diego usava o policial civil e o advogado para ameaçar as vítimas e impedir o registro do caso na polícia. De acordo com a investigação, ele usava até o nome de autoridades e políticos para impedir que o caso virasse boletim de ocorrência. Mesmo assim, ele tem 40 queixas de golpe.
O Jacaré já tinha mostrado que Diego respondia a pelo menos nove ações judicias por golpes na venda de veículos. Ele recebia o dinheiro, mas não entregava os carros. A prisão preventiva, conforme os delegados, era fundamental para evitar a continuidade delitiva e por Diego o chefe da suposta organização criminosa.
Ao rebater a matéria sobre as ações judicias, Diego chegou a admitir que não entregou os carros porque passou por dificuldades.