Três sócios da Servan Anestesiologia e Tratamento de Dor de Campo Grande foram absolvidos da acusação de sonegação previdenciária de R$ 16,560 milhões. O juiz Luiz Augusto Yamassaki Fiorentini, da 5ª Vara Federal, considerou que não foram apresentadas provas suficientes de que o trio tenha cometido o crime.
Paulo Kiyotaka Oshiro, Francisco Otaviano Wehling Ilgenfritz e Werner Alfred Gemperli foram denunciados pelo Ministério Público Federal, que apontou que a empresa descontava o valor dos médicos, mas não repassava para a Previdência Social.
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Conforme a denúncia, o crime teria ocorrido entre janeiro de 2008 e dezembro de 2011, mediante a omissão de médicos anestesiologistas arregimentados para trabalharem na condição de empregados do Servan, dissimulados de “sócios capitalistas”. Outros profissionais também teriam sido contratados sem qualquer formalização do vínculo, ou mediante um “contrato de vinculação”.
Os sócios da Servan negaram terem cometido qualquer ilegalidade. Afirmaram que as provas mostram que os médicos não mantêm relação de emprego com a Servan, mas de sociedade. Alegaram, ainda, que a mera caracterização de vínculo empregatício feita pela autoridade fiscal não configura, necessariamente, o delito de sonegação de contribuição previdenciária.
Em sua avaliação, o juiz Luiz Augusto Yamassaki Fiorentini analisou se os médicos podem, efetivamente, ser considerados como empregados, para fins previdenciários.
“Inicialmente, chamou a atenção da fiscalização tributária a constatação de que a distribuição de lucros para os sócios representava uma parcela substancial do faturamento total do Servan (em torno de 70%, no período de 2008 a 2011”, explicou. “Verificou-se, ainda, que os lucros distribuídos equivaliam a um múltiplo muitas vezes superior ao quanto cada sócio teria investido a título de capital”.
“A distribuição de lucros nesse patamar (em torno de 70% do faturamento) é, de fato, incomum, e poderia indiciar a dissimulação do pagamento de salários. Veja-se que, se boa parte dos médicos fosse remunerada via salários, tais dispêndios seriam contabilizados como despesa do exercício, reduzindo o lucro final e, portanto, trazendo-o para valores mais consentâneos com o que se vê no mercado empresarial em geral”, ponderou.
“Entretanto, essa circunstância, por si só, não tem o condão de comprovar a existência de uma relação empregatícia entre o Servan e os médicos prestadores de serviço que com ele mantém formalmente um vínculo societário, até porque a área de atuação da empresa é singular e a forma com que se organizou para girar seus negócios é sui generis, o que poderia explicar essa relação inusual entre lucro e faturamento”, definiu.
Em seguida, o magistrado lembra que os lucros são tributados. Ou seja, embora a distribuição dos lucros, em si, não seja tributada, esses lucros são taxados antes da distribuição.
“Dados os patamares de ambas as tributações, a princípio, não me parece que a estratégia de camuflar salários como distribuição de lucros seja economicamente vantajosa, muitos menos que compense o risco decorrente de um eventual sancionamento fiscal e criminal”, afirmou o juiz federal.
“Quanto ao fato de que a distribuição de lucros representava, nos anos fiscalizados, um valor muitas vezes superior ao investimento feito pelo beneficiário, me parece equivocado considerá-lo, por si só, como indício de irregularidade”, continuou.
O magistrado recorre a depoimentos de testemunhas que demonstram não haver vínculo empregatício entre os médicos e a Servan Anestesiologia e Tratamento de Dor.
“Um outro relato importante feito pelas testemunhas arroladas pela defesa é no sentido de que, em caso de afastamento, os sócios ficam sem receber qualquer tipo de pagamento. Isso constitui forte indicativo da relação não-empregatícia, principalmente nos casos de afastamento em decorrência de maternidade”, informou o juiz.
As testemunhas também informaram que a Servan é praticamente uma “sociedade médica” e que não possuiria donos.
“Ante tais constatações, me parece difícil concluir, para além de qualquer dúvida razoável, que os médicos arregimentados pelo Servan para prestarem serviços, integrantes de seu quadro social, sejam de fato empregados”, avalia o titular da 5ª Vara Federal de Campo Grande. “Ora, os réus, atualmente, sequer integram a direção do Servan”.
“Afasta-se, portanto, a materialidade do delito imputado aos réus, quanto aos médicos formalmente vinculados ao Servan como sócios, dada a inexistência de elementos de prova que possam caracterizá-los como empregados da empresa”, definiu Luiz Augusto Yamassaki Fiorentini.
“É até possível que tenham sido infringidas uma série de normas fiscais, comerciais e contábeis”, avalia.
“Mas não vislumbro a materialidade do delito de sonegação de contribuição previdenciária narrado na peça acusatória, pois não há elementos por meio dos quais se possa concluir, de forma segura, que os médicos integrantes do quadro social do Servan sejam, de fato, seus empregados”, finaliza Fiorentini, em sentença publicada na quinta-feira (8).