A denúncia de agressão contra um jornalista canadense e sua esposa, além do sequestro de uma família Guarani Kaiowá, ocorrem em meio a diversos eventos em memória aos 40 anos do assassinato de Marçal de Souza Tupã’. O líder indígena foi morto com cinco tiros, na aldeia Campestre, no município de Antônio João (MS), em 25 de novembro de 1983.
Na quarta-feira (22), o jornalista Renaud Philippe, 39 anos, a produtora cultural Ana Carolina Mira Porto, 38 anos, e um amigo do casal registraram boletim de ocorrência na Polícia Civil de Amambai, após terem sido agredidos por seguranças de uma fazenda no município de Iguatemi, no sul de Mato Grosso do Sul.
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O trio relatou que estava em uma assembleia na cidade de Caarapó, durante a manhã, onde fariam registros jornalísticos. À tarde, foram a Iguatemi para deixar um conhecido chamado Joel, em uma aldeia indígena.
Entre os trajetos, ficaram sabendo de uma movimentação na fazenda Maringá, e foram ao local para cobrir a denúncia do sequestro de uma família Guarani Kaiowá e violência contra indígenas.
Por volta das 15h30, o trio estava próximo do local quando viram diversos veículos, a maioria caminhonetes. Eles foram parados por homens encapuzados, alguns com armas de fogo, e questionados sobre o que estavam fazendo ali. Logo depois, começaram a ser agredidos.
O jornalista canadense contou que além dos chutes, socos, empurrões e puxões de cabelo sofridos pelos três, os agressores cortaram o cabelo dele, ameaçaram cortar o cabelo da antropóloga e roubaram todos os equipamentos de trabalho e documentos da equipe.
Enquanto as agressões ocorriam, alguns dos homens foram até o veículo onde pegaram os pertences das vítimas. Eles disseram terem sido roubados passaporte, celulares, câmeras e lentes fotográficas, cartões de crédito, mochila com equipamentos de trabalho, e diversos outros bens. O prejuízo estimado é de 10 mil dólares, quase R$ 50 mil.
URGENTE
— Leandro Barbosa (@Barbosa_Leandro) November 23, 2023
Jornalistas são agredidos por jagunços em Iguatemi, MS. Tomaram tudo deles, até o passaporte do homem que é canadense.
Eles estavam em uma retoma Guarani Kaiowá, para averiguar uma denúncia de que indígenas estavam sendo torturados. A comunidade segue ameaçada. pic.twitter.com/e5Q7TCCbxp
Renaud Philippe, Ana Carolina Porto e o engenheiro florestal Renato Galata, gravaram um vídeo e compartilharam nas redes sociais sobre o ocorrido.
“Estávamos indo para outra retomada, depois de ouvir que algumas pessoas foram sequestradas e machucadas e que levaram tiros. Estávamos documentando a luta por terra dos Guarani. Nos identificamos claramente como jornalistas, explicando a razão pela qual estávamos lá. Umas 30 pessoas vieram até nós com caminhonetes e armas”, relatou Renaud.
De acordo com a cacica Guarani Kaiowá Valdelice Veron, o jornalista estrangeiro foi ao local, onde uma família teria desaparecido
“Uma família Guarani Kaiowá foi sequestrada. Eles estavam vindo para Aty Guasu. O pai e a mãe, grávida de 7 meses, com dois filhos. Não sabemos se eles estão mortos, vivos”, relatou a advogada Talitha Camargo, que representa a cacica Guarani Kaiowá Valdelice Veron, ao jornal O Globo.
Na quinta-feira (23), o delegado da Polícia Federal Eduardo Pereira informou que a PF e a Força Nacional realizaram diligências na região na noite anterior. O caso é investigado.
40 anos do assassinato de Marçal de Souza Tupã’i
As agressões, roubo e violência em território indígena ocorrem às vésperas de completar quatro décadas do brutal assassinato que silenciou uma das mais importantes vozes indígenas do país. Em 25 de novembro, no ano de 1983, Marçal de Souza Tupã’i, grande liderança Guarani e Kaiowá, foi assassinado em sua casa, na aldeia Campestre, no município de Antônio João (MS), com cinco tiros.
Para celebrar sua luta e sua memória, o evento “Marçal, presente: memória dos 40 anos do assassinato de Marçal de Souza Tupã’i” é realizado desde quarta-feira (22) e segue até 25 de novembro, com diversas atividades distribuídas entre os municípios de Caarapó e Dourados.
A atividade é realizada pela Aty Guasu – Grande Assembleia dos Povos Kaiowá e Guarani, pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), pelos familiares de Marçal de Souza, pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e pelo Ministério Público Federal (MPF).
Reencontro simbólico
Em 1980, a voz de Marçal marcou o Brasil e o mundo. Foi naquele ano que, em Manaus (AM), o líder Guarani Nhandeva discursou ao Papa São João Paulo II, denunciando a dura realidade não só de seu povo, mas de todos os povos indígenas do Brasil. Foi um momento decisivo para a causa indígena.
Quarenta anos depois, os Guarani e Kaiowá receberão uma carta enviada pelo atual pontífice, Papa Francisco, em resposta a uma manifestação entregue a ele em maio deste ano. A carta, destinada à Aty Guasu, será entregue simbolicamente pelo bispo de Dourados, Dom Henrique Aparecido de Lima, representando a Igreja local, à Assembleia Geral dos Kaiowá e Guarani, no tekoha Kunumi Vera, em Caarapó, nesta sexta-feira, 24 de novembro.
Neste mesmo dia, será realizado também um ato em memória de outra importante liderança Kaiowá e Guarani que partiu recentemente, Damiana Cavanha, no tekoha Apyka’i. Em Dourados, no final da tarde, o grupo Teatro Imaginário Maracangalha apresentará a Memória martirial encenada: Vida e história de Marçal Tupã’i.
Marçal, hoje
O dia 25 de novembro será marcado por uma série de atividades de debate e discussão sobre o legado de Marçal, a luta por justiça e pela demarcação dos territórios indígenas Kaiowá e Guarani no Mato Grosso do Sul.
À tarde, o evento será encerrado com o ato Tekoporaha: memória, luta e resistência de Marçal de Souza, realizado na casa de Marçal na aldeia Jaguapiru, Reserva Indígena de Dourados.
Confira, abaixo, a programação restante:
Dia 24/11
Aty Guasu – entrega da carta do Papa Francisco aos Kaiowá e Guarani
Horário: 8h
Local: Tekoha Kunumi Vera, Caarapó (MS)
Ato público: Apyka’ i Vive! Damiana Presente!
Horário: 11h30
Local: Tekoha Apyka’i, rodovia MS-463
Tarde formativa
Missão junto aos povos indígenas em tempos de sinodalidade
Horário: 14h
Local: Instituto Pastoral da Diocese de Dourados (IPAD)
Memória martirial encenada: Vida e história de Marçal Tupã’i
Encenado pelo grupo Teatro Imaginário Maracangalha
Horário: 18h
Local: Praça central Antônio João, Dourados (MS)
Celebração da Missa da Terra Sem Males
Celebrada por Dom Leonardo Ulrich Steiner, cardeal-arcebispo de Manaus e presidente do Cimi, e por Dom Henrique Aparecido de Lima, bispo de Dourados
Horário: 18h30
Local: Catedral de Dourados (MS)
Dia 25/11
Resistência e memória: Marçal 40 anos, presente!
Abertura
Reza tradicional dos Nhanderu e Nhandesy Kaiowá e Guarani
Horário: 8h
Local: Cine-auditório Central, Unidade 1, UFGD
Mesa de debate
Marçal: história, presença e futuro nas lutas indígenas
Participantes:
Edina de Souza, filha de Marçal de Souza
Teodora de Souza, sobrinha de Marçal
Inaye Kaiowá
Jorge Kaiowá, liderança do tekoha Pirakua
Horário: 8h30
Local: Cine-auditório Central, Unidade 1, UFGD
Mesa de debate
Justiça por Marçal e para os mártires da causa Guarani
Participantes:
Paulo Suess, assessor teológico do Cimi
Egydio Schwade, membro-fundador do Cimi
Marco Antonio Delfino, procurador da República do Ministério Público Federal (MPF/MS)
Egon Heck, membro-fundador do Cimi
Horário: 10h30
Local: Cine-auditório Central, Unidade 1, UFGD
Tekoporaha: memória, luta e resistência de Marçal de Souza
Horário: 14h
Local: Casa do Marçal de Souza na aldeia Jaguapiru, Reserva Indígena de Dourados
(Fonte: Cimi)