O Ministério Público Estadual denunciou três advogados de Sidrolândia por se aproveitarem de indígenas e idosos para entrarem, de “má-fé”, com ações na Justiça, cientes de que perderiam, mas garantindo seus honorários. O alerta dos golpes foi feito pelos próprios magistrados, após rejeitarem “milhares” de processos idênticos, no que poderia ser considerado “litigância predatória”.
As vítimas acabaram com “sérios prejuízos”, pois foram penalizadas com multa por litigância de má-fé, além do pagamento de honorários advocatícios decorrentes da sucumbência, quando a parte perdedora no processo é obrigada a arcar com os honorários do advogado da parte vencedora.
Veja mais:
Ministério cria gabinete de crise para acompanhar violência contra indígenas em MS
Líder religiosa e marido são mortos carbonizados em aldeia indígena em Aral Moreira
Com voto de Soraya e Tereza, Senado contraria STF e aprova marco temporal para terras indígenas
Segundo levantamento dos juízes das varas cíveis da comarca de Aquidauana, foram ajuizadas milhares de ações declaratórias de nulidade por supostas cobranças indevidas e indenização por danos morais. Os autores alegam que foram vítimas de fraudes e irregularidades na contratação de empréstimos consignados, afirmando que não contraíram os empréstimos cujas parcelas estavam sendo descontadas de seus salários, pensões e aposentadorias.
Quase o total dos casos envolvem indígenas que, nas ações, argumentam serem “hipervulneráveis” frente às instituições financeiras envolvidas e somente passaram a saber dos contratos quando constatavam o desconto das parcelas nos seus benefícios.
No entanto, no curso dos processos, as instituições financeiras apresentaram os contratos bancários assinados pelos requerentes, além dos comprovantes de depósitos dos valores contratados na conta bancária dos autores, comprovando, assim, que os fatos alegados nas petições eram “inverídicos”.
“Por suspeitarem que os autores, idosos e indígenas, pudessem estar sendo persuadidos pelos causídicos a embarcarem nessas ‘aventuras jurídicas’, já que todas as ações eram praticamente idênticas e sempre figurando no polo ativo pessoas com pouca ou nenhuma instrução, os magistrados decidiram encaminhar o caso ao Ministério Público, para apuração de eventual violação aos direitos e interesses da coletividade indígena hipossuficiente”, relata o promotor José Maurício de Albuquerque, da 2ª Promotoria de Justiça de Aquidauana.
Durante inquérito civil, o promotor de Justiça ouviu algumas das vítimas e desvendou como funciona o esquema.
Os idosos dizem que foram procurados por um representante dos advogados, que solicitaram ao cacique da aldeia uma reunião com a comunidade indígena, a fim de “alertá-la” a respeito de práticas abusivas realizadas pelos bancos, que estariam cobrando valores a mais dos clientes no momento de contratar empréstimos consignados.
Os advogados, então, apresentavam a proposta de revisar os contratos bancários, com promessas de vantagens ou redução das parcelas e taxas de juros de empréstimos e, para tanto, colhiam as assinaturas nas procurações e extraiam cópias de documentos pessoais. Em seguida, entravam com as ações no Judiciário.
“Pelos relatos das vítimas, vislumbra-se que eles em nenhum momento pretenderam se esquivar ao pagamento dos empréstimos consignados, que foram de fato contraídos, mas que foram levados a acreditar que faziam jus a uma suposta renegociação que lhes traria benefício financeiro”, conta José Maurício de Albuquerque.
“Assim, os autores dessas ações deixaram claro em seus depoimentos que a comunidade indígena foi conduzida a engano pelos causídicos, mediante promessas enganosas de proveito financeiro”, completa.
Diante disso, o promotor de Justiça concluiu que o objetivo dos advogados era obter vantagem indevida em prejuízo aos indígenas, “apostando na falta de instrução, na vulnerabilidade e na boa-fé dos clientes cooptados”.
O promotor de Justiça concluiu ter ficado comprovado “que as situações abusivas e fraudulentas ocorreram em desfavor de pessoas hipervulneráveis e ingênuas (indígenas idosos e iletrados)”. Além de evidenciado que os advogados “estão se utilizando da máquina estrutural do Judiciário para atingir fins ilícitos”.
Diante disso, o Ministério Público Estadual ajuizou duas ações contra os três advogados de Sidrolândia para garantir o fim dos golpes, o pagamento de danos morais às vítimas e a indenização de R$ 50 mil à comunidade indígena.
Os processos estão em andamento na 1ª e 2ª Varas Cíveis de Aquidauana, sendo que, no último dia 31 de outubro, o juiz Giuliano Máximo Martins negou um dos pedidos de liminar para impedir a “litigância predatória”.
“Entende-se que, neste momento, não está presente o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, pois, em consulta ao SAJ/PG5, o advogado ingressou apenas com uma ação este ano, que já está arquivada”, justificou o magistrado.