Mário Pinheiro, de Paris
Todos sonham em viver em paz, com trabalho, salário digno, férias na praia com a família, amigos e as coisas boas do cotidiano. O bem-estar deveria ser um direito de todos que se sacrificam, adquirem casa, carro, jardim, viagens, mas a realidade mostra que a utopia da felicidade está nua, sem apoio, desastrosa, como se fosse um incidente da vida.
A realidade, no dizer de Nietzsche, significa o mundo como processo interpretativo. Mas como interpretar a atualidade real sem abordar a falta de sensibilidade e de interpretação sem o quesito emocional e evolutivo que a hipótese da vontade de potência tenta explicitar.
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São tempos sombrios onde reina a ambição desenfreada pelo domínio tanto da propriedade da terra, do território alheio, a matança pelo ouro e do outro que não sente mais razão em existir. Existir e morrer se aliam na falta de esperança.
A realidade continua sendo o problema onde o vento não é poesia, mas a desgraça que distribui potentes bombas de fósforo branco, aquele que se dilacera no ar, queima os ossos, a pele, os olhos. Na realidade do nascimento da tragédia grega Nietzsche fala da metafísica e da imanência. Mas a tragédia atual está diante das vistas, ela abrevia a vontade paradoxal de belos encontros porque se abençoa o opressor e acham que o opressor está no direito de matar.
A tragédia já foi grega e representada no teatro, hoje não reflete a tragédia da destruição pura e simples da cidade no Oriente Médio, sem trégua, sem medicamentos, sem energia nem alimento, com cirurgia sem anestesia porque o país vizinho não permite e onde morre uma criança a cada dez minutos, segundo o MSF (médicos sem fronteiras).
A medicina de guerra tenta gritar que é urgente ter uma ajuda humanitária para conter a tragédia da realidade. O mundo se solidariza com a Palestina ao enviar ajuda, mas não se permite que tal ajuda chegue aos miseráveis, porque o objetivo é realmente o extermínio e o genocídio.
Existir entre os escombros, andar, brincar entre as crateras deixadas pelas bombas que explodiram o cimento das casas é uma brincadeira sem graça, fúnebre. O diálogo de surdos aponta que os estúpidos que ocupam altos cargos políticos são movidos pelo ódio que tira a razão de existir do outro.
O pensamento político de quem grita pra sair do poço é considerado pelo opressor como se fosse o latido de um vira-lata levando chibatadas até a morte. Num Estado carcomido pela raiva, as lições de Machiavel não chegam no calcanhar e a situação piora quando um embaixador se reúne com uma peça fora do xadrez, caso do Bolsonaro, e este caso vai feder pior que enxofre queimado do inferno.
Tirar os brasileiros da Faixa de Gaza é competência da lista formada por Israel, mas o quesito que emperra a negociação é o fato de aceitar publicamente que existe sim um genocídio contra um povo sem direito a existir.
Israel virou o Estado totalitário com todos os requintes de crueldade da atualidade. Ninguém diria que os campos de concentração da Alemanha e Polônia fossem capazes de reproduzir a desgraça da morte com meios bem mais fáceis.
À época, Martin Heidegger descrevia sobre o princípio da razão, se perguntava sobre o que significa pensar enquanto Adorno e Horkheimer propunham a dialética da razão. No mundo contemporâneo é simples a resposta sem necessidade do silogismo rococó da lógica, sem paz, sem comida, sem casa, é impossível respirar no meio de escombros e bombas.
A temática da realidade é o coração da mentira que se faz passar por verdadeira. A dialética atual é ter direito de respirar, existir sem que o vizinho incomode de todas as formas possíveis. Ser contra a injustiça e a prepotência dos grandes é a utopia que nos cabe pensar e querer.